No dia 17 de março, a Polícia Federal deflagrou mais uma investigação, agora com foco no setor agropecuário brasileiro. De acordo com as informações disponíveis na imprensa, a Operação Carne Fraca revelou um esquema de corrupção de agentes de órgãos fiscalizadores e fraude no comércio nacional e exterior de carnes. Essa foi a maior operação já realizada pela PF, contando com 1,1 mil policiais e diligências em 7 estados.
No mesmo dia da deflagração, já foi possível ler e ouvir algumas pessoas replicando uma antiga assertiva de que “combater corrupção prejudica a economia” e que “a República do Paraná quer destruir mais um setor importante do Brasil”. Vejamos alguns argumentos e dados que elucidam melhor essa questão.
Primeiramente, se uma investigação contra duas empresas é capaz de afetar todo um setor, então não resta dúvida de que o problema é além da corrupção, sendo também a pouca concorrência algo a se considerar. Economias consolidadas conseguem dar respostas judiciais a más-condutas sem afetar o setor justamente por não ser dependente de algumas poucas empresas. Por exemplo, o setor de defesa inglês não parou por causa das multas contra a Rolls-Royce ou as penas bilionárias contra o Walmart não destruíram o setor varejista nos EUA, tendo o mercado encontrado seu equilíbrio naturalmente.
Ademais, essa relação entre oligopólios e corrupção ajuda a agravar as causas e consequências do velho capitalismo de compadres, estrutura que já foi explicada e analisada em outros contextos neste site aqui e aqui. Ou seja, para ser verdadeira a conclusão de que uma investigação foi capaz de desmoronar um setor inteiro da economia de um país, há de se reconhecer também a baixa concorrência e o sustento desse sistema por meio do pagamento de propinas.
Em relação à atratividade de investimentos estrangeiros e reputação em relação a outros países, uma recente pesquisa da ControlRisks mostra como que investidores enxergam hoje a corrupção como desvantagem comparativa. Isto é, não se decide investir em algum lugar tão somente por ser “limpo”, mas, segundo esse levantamento, 30% das empresas declararam terem evitado de investir em algum país por preocupação com a corrupção.
Noutras palavras, os cálculos sobre rentabilidade, viabilidade e tudo o que se passa para abrir negócios no exterior só começam a ser feitos quando se tem um mínimo de segurança em relação à corrupção. Ainda que se tenha baixo risco de corrupção, não necessariamente uma empresa decidirá por expandir suas operações para esse país caso todo o restante não for favorável.
Essa pesquisa também é interessante para entender a reação do mercado em relação a notícias de investigações como essas. 81% das companhias entrevistadas declararam que “a aplicação de leis antissuborno melhora o ambiente corporativo para todos”. Se essas operações forem bem-sucedidas em médio-longo, deixarão os investidores mais seguros.
Além disso, segundo última pesquisa e ranking da TRACE International, o Brasil apresenta um alto risco para investimento não por falta de existência e aplicação de leis, mas por ter muita interação com o governo para conseguir realizar negócios, o que, inevitavelmente, representa um risco de corrupção e, como consequência, menor atratividade. Quanto mais interações entre entes privados e públicos, maiores são as possibilidades de desvio; não se fala aqui em co-dependência – por que tem interação público-privado, logo se tem corrupção -, mas de oportunidades para que isso ocorra.
Portanto, demonstrar sucesso em investigações é de extrema importância, mas apresentar reais mudanças na forma de se fazer negócios no Brasil pode, inclusive, representar um aumento na atratividade de investimentos e aumento da concorrência, ambos indicadores positivos para qualquer economia.
Finalmente, em termos suprassetorial e em escala macroeconômica, nenhuma pesquisa conseguiu demonstrar de forma satisfatória como que combater corrupção foi capaz de afetar, de forma positiva ou negativa, a economia de um país. Somos dependentes de fatores como estabilidade política, variação cambial, inflação, questões tributárias, custo de operações, oferta de mão de obra e etc., o que torna quase impossível isolar “corrupção” como algo que desestabiliza uma economia inteira, composta de diversos setores.
Um dos componentes necessários para se evitar que um escândalo de corrupção consiga afetar um setor inteiro é a ampla concorrência, de modo que os danos à reputação fiquem vinculados tão somente às empresas envolvidas. Portanto, se o caso JBS e BRF Brasil for suficiente para desestabilizar esse setor, então é urgente que se reveja esse mercado. É inconcebível que um país do tamanho e potencial do Brasil mantenha sua força agropecuária em alguns poucos conglomerados. Vale salientar que a política de campeões nacionais movida pelo Governo Federal a partir do segundo mandato do Governo Lula e intensificada nos anos Dilma foi a grande responsável pela ascensão da JBS.
Não devemos admitir que qualquer empresa se sustente por meio de fraude e corrupção. Como defendo aqui no Instituto Mercado Popular, todas essas empresas são capazes de darem a volta por cima, apresentarem bons padrões de integridade e conformidade com a lei, e mesmo assim terem bons resultados. Querer diminuir a importância desse tipo de investigação por argumentos de que “afeta negativamente a economia” ou “isso só acontece por questões de política internacional” demonstra desconhecimento acerca qualquer um desses assuntos, carecendo de evidências sólidas sobre isso.
Em termos de políticas públicas, que saibamos reconhecer onde estão os principais riscos de se fazer negócio no Brasil, aproveitar o momento para propor soluções eficazes em reduzi-los, além de manter uma equilibrada e justa aplicação da lei. Dessa forma, tornaremos o mercado brasileiro mais atrativo e, aumentando a competitividade, ficamos também mais seguros contra os efeitos de possíveis desvios.
A carne pode até ser fraca, mas a concorrência setorial tem que ser forte.