Por Maria Lacerda de Moura*
Publicado no jornal O Combate, edição 4581- página 3, São Paulo, 15 de Dezembro de 1927. (vide formato original na p. 66 aqui)
Nunca a perversidade dos seres que se julgam racionais foi mais longe do que na concepção estreita de que a mulher (animal seguindo a evolução pela mesma escala zoológica de todos os animais, com as mesmas necessidades fisiológicas e os mesmos direitos de indivíduos na multiplicação da especie e na liberdade sexual), nunca a maldade humana desceu tão baixo quando decretou que a mulher deve guardar a virgindade para entrega-la ao “esposo”, somente dentro da lei, em certo dia determinado pelos pais, pelo escrivão de paz e pelo padre e diante de testemunhas e convidados os quais ficam sabendo: é naquela noite que se rompe uma película de carne do seu corpo, chamada hímen. Que de humilhações tem sofrido a mulher através da historia dessa humanidade tão desumana!
E ai daquela que se esquece do protocolo. Sim, hoje, não é lapidada, sim não é enterrada viva como as vestais, sim não é apedrejada até a morte, sim não sofre os suplícios do poviléu fanático de outros tempos, inventou-se o suicídio: é obrigada a desertar da vida por si mesma, porque a literatura, a imprensa, toda gente aponta-a com o dedo, vociferando o “desgraçada”, “perdida”, “desonrada”, “desonesta”, abrindo-lhe, no caso contrario, as portas da prostituição barata das calçadas, com todo o seu cortejo de misérias, de sífilis, de bordeis, de humilhações, do hospital e da vala comum.
Miserável moral de coronéis, de covardes e cretinos! E o homem cresce com as suas aventuras, adquire prestígio, famas e glorias até mesmo e principalmente entre o elemento feminino.
É incrível até aonde vai a imbecilidade humana, a perversidade dessa moral cristã, tão divorciada do meigo Nazareno: “quem não tiver pecado que atire a primeira pedra”.
Dentro da concepção estreita e má dessa moral de escravos e senhores, o mesmo ato praticado por dois indivíduos de sexo diferente tem significações opostas: a mulher se degrada, torna-se imoral, desonesta, desonrada, está desgraçada, perdida irremediavelmente sim não encontra um homem para lhe dar o título de “esposa” perante a lei e as convenções sociais, enquanto o homem é o mesmo, talvez tendo adquirido mais valor de estimação perante as próprias mulheres, e sendo invejado pelos outros homens.
*Maria Lacerda de Moura foi professora e ativista libertária. Defensora do anarquismo individualista, seus trabalhos eram centrados em temas como o feminismo, a educação e o anarquismo.
Texto publicado também no A Esquerda Libertária.
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