Ontem, 8 de novembro, foi o último dia da fase nacional do ciclo eleitoral americano de 2016. Digo último dia porque vários estados permitem votações antecipadas, em prazos que variam de 3 semanas de antecedência a dois dias antes do pleito, ou absentee balloting, que é o voto à distância. Todavia, a real definição do futuro presidente da América acontecerá apenas na primeira semana de Dezembro, quando o colégio eleitoral se reunirá e fará o último turno de votação presidente. Mas Donald Trump — GOP já recebeu uma ligação de Hillary Clinton — Democratas reconhecendo sua vitória, por ter conquistado mais delegados que o suficiente para o tornarem o 45º presidente dos Estados Unidos.
A campanha que começou em meados de Junho foi muito pouco propositiva — de ambos os lados — e extremamente focada em ataques pessoais que podem ou não ter a ver com a capacidade de conduzir o país a um melhor cenário econômico ou melhorar a política externa desastrosa dos anos do presidente Barack Obama. Mas no meio de toda a confusão e ataques, conseguimos pinçar alguns elementos para fazer uma análise do que serão, possivelmente, os próximos quatro anos.
Os Estados Unidos vem caindo de posições nos rankings internacionais de liberdade econômica, seja da Heritage Foundation/WSJ, seja do Fraser Institute. Associado a isso, temos um aumento significativo da dívida interna e externa americana, além de um crescimento não controlado com unfunded liabilities — promessas em lei do estado de bem-estar social que não conseguem ser cumpridas com os atuais níveis de arrecadação. Mesmo nesse cenário, nenhum dos dois candidatos se mostrou capaz de reverter o ciclo desastroso para o país.
Ao longo da campanha Donald Trump criticou o comércio internacional, sendo favorável a sobretaxar importações, já flertou com um default na dívida americana e focou em limitar todos os tipos de imigração, além de ser favorável a licença maternidade financiada pelos pagadores de impostos. Vale dizer que Hillary defendeu aumento nas regulamentações sobre os setores de saúde e financeiros, novas regulamentações no mercado de trabalho, novos programas estatais de transferência de renda, aumento de impostos para todas as pessoas — seja diretamente com aumento nas alíquotas de imposto de renda federal, seja indiretamente com sobretaxa de movimentos de capitais, lucros e herança.
Se Hillary fosse eleita, sua agenda seria mais fácil de ser implementada visto que grande parte de suas propostas não necessitaria de apoio no Congresso e sim aparelhamento das agências regulatórias. Já Trump deverá ter que convencer Deputados e Senadores a aprovarem sua agenda, principalmente nas restrições propostas ao comércio internacional, na revisão dos acordos de livre comércio e nas sobretaxas a serem aplicadas sobre as empresas que desejam deixar a América.
Um ponto positivo que foi proposto pelo presidente eleito é a redução de regulamentações, principalmente nos setores de saúde, energia e empresarial. Em um discurso, chamado Contract with America, Trump prometeu que para cada nova regulação que as agências e o congresso desejarem aprovar, duas existentes devem ser mandadas embora. É possível que o presidente eleito consiga seguir parte dessa agenda usando as agências regulatórias e os ministérios, mas não há nada claro de que isso será feito.
Dessa forma, é bem provável que a economia continue a se fechar e que o PIB americano permaneça crescendo a ritmo baixo, bem longe do ritmo visto durantes os anos de Reagan e Bill Clinton. Junta-se a isso o fator de um necessário aumento dos juros pelo FED, uma possível crise devido aos empréstimos estudantis e um mercado imobiliário que está cultivando uma nova bolha, é possível que Trump enfrente uma crise econômica durante o seu mandato.
Durante a campanha ambos candidatos prometeram reduções das liberdades civis dos cidadãos e, principalmente, de organizações da sociedade civil.
Tanto Hillary quanto Trump defenderam medidas de controle do posse de armas que violariam a quarta e quinta emendas da constituição. Hillary, por exemplo, queria responsabilizar fabricantes de armas por crimes cometidos com seus produtos, além de implementar programas de confisco (mandatory gun buyback) e restrições de comercialização de “armas de assalto”. Enquanto isso, Trump oscila em sua defesa da segunda emenda, fazendo comentários favoráveis a restrições à posse de armas e afirmando que há mais similaridades entre ele e Hillary do que a mídia gosta de falar, apesar de ainda receber o apoio da National Rifles Association.
As semelhanças continuam em relação a liberdade de expressão, liberdade religiosa e liberdade de associação, as quais são protegidas pela primeira emenda da constituição. Trump deseja ampliar o escopo das chamadas libel laws, leis associadas a difamação, calúnia e injúria. Essa não é uma posição nova que o empresário tenha passado a defender quando se lançou candidato à presidência. Ele já havia processado jornais na década de 80 e sempre defendeu o uso do sistema judicial como forma de punir os discursos de que ele discorde. As suas mudanças de opinião sobre liberdades religiosas também são flagrantes e isso não inclui a proposta original de vetar a imigração de muçulmanos (algo que em si não violaria a constituição, apesar de ser uma ideia estúpida), da qual ele voltou atrás após conseguir a nomeação. Na questão de liberdade de associação, as restrições que Trump deseja impor ao comércio, a sua proposta de aumento do salário mínimo e o seu programa proposto de licença maternidade violariam esse direito negativo.
Trump não é essencialmente contrário ao programa de espionagem dos cidadãos americanos implementado pela National Security Agency na administração Bush e ampliado significativamente durante o governo Obama. Além disso, tampouco é favorável às emendas 9 e 10 da Constituição que determinam os limites do governo federal.
Em aspectos genéricos, pelo que os candidatos apresentaram, a Democrata seria pior que o Republicano no tocante a defesa das liberdades constitucionais, principalmente pela sua argumentação de uma Suprema Corte ativista, cujo foco não esteja em respeitar a Constituição, mas em promover justiça social. A despeito disso, Trump não é elogiável ou merece confiança nesse aspecto. Aqui, a vigilância de Republicanos, Democratas e Libertários deve ser constante para evitar que o presidente eleito acabe minando proteções constitucionais importantes.
É bem verdade que independentemente de quem fosse eleito, o futuro presidente americano estaria sob investigações e acusações criminais. Mas pensando na vitória de Trump, pensar em um eventual processo de impeachment nos EUA — similar ao que aconteceu com Bill Clinton e Richard Nixon — não é irreal.
O julgamento do caso da Trump University, aparentemente um esquema de pirâmide endossado pelo bilionário de Nova York, começará no dia 28 de Novembro e pode levar a punições significativas ao empresário. Além disso, há pelo menos 12 acusações de abuso sexual cometidas pelo candidato Republicano que podem virar um caso criminal se evidências forem encontradas que corroborem o processo. Em caso de sentença contrária no julgamento da Trump University ou de acusações formais e julgamento no caso dos escândalos sexuais, Trump pode ser vítima de oposição no Congresso e mesmo sofrer impeachment caso os Democratas retomem o controle da Câmara dos Deputados em 2018.
O futuro presidente da América será impopular. Pesquisas indicaram que a maior parte dos eleitores de Trump vota nele para ir contra Clinton, ao passo que a maior parte dos eleitores de Clinton não respeita a opinião de seus oponentes que declaravam voto em Trump. Com isso, qualquer grande projeto de Trmp para alterar a legislação e o funcionamento do país sofrerá maior oposição e será mais difícil governar. Além disso, é importante ressaltar que ambos candidatos receberam menos votos nessa eleição do que no pleito de 2012, outro indicativo de que a população não estava “empolgada” com os candidatos.
Provavelmente veremos um aumento do número de Executive Orders (Decretos Presidenciais) que serão mandados pelo chefe do executivo caso ele sinta que o Congresso não corresponde a sua ansiedade e também como resultado da falta de respaldo em meio a população. A chance de parte dessas medidas ser mantida pelo congresso é relativamente pequena e isso só aumentará a impopularidade do presidente. Caso isso aconteça, provavelmente veremos uma eleição em massa da oposição para o Congresso em 2018 — mesmo que os Republicanos apresentem vantagens no mapa eleitoral para esse ano. Isso indica dificuldades para Trump se manter no cargo por mais de um mandato caso ele não consiga governar de acordo com o Congresso e atender aos anseios de parte da população.
Diferentemente do que muitos analistas dos dois lados falavam, essa não será a última eleição da América como a conhecemos. Donald Trump não conseguirá banir todos os imigrantes que entraram no país ilegalmente nem alterar significativamente a legislação imigratória. Além disso, sua agenda de rever os tratados de comércio depende de aprovação do Senado, que terá uma maioria pequena Republicana que se mostra resistente a essa medida e que estará sujeita a um dispositivo chamado filibuster, pelo qual a minoria (Democratas) consegue barrar decisões que não atinjam pelo menos 60% dos votos na casa.
Ou seja, o que podemos esperar como grande resultado da eleição americana é que o país continuará dividido, que políticas públicas boas e ruins sofrerão oposição não por méritos, mas por partidarismo, e que a mídia brasileira vai continuar a cobrir a política americana lendo apenas New York Times e Washington Post. Em outras palavras, não será o fim do mundo.
Esse artigo foi uma adaptação do original, publicado antes da vitória de Trump.