Escrito por Daniel Duque e Pedro Cavalcante Oliveira
O Ministério da Educação adverte: o ensino no Brasil é um dos piores dos países do G20. Essa constatação não é, infelizmente, sensacionalismo, mas a conclusão do último relatório PISA para o país, publicado em 2012. Diante desse panorama, após pressão da União Nacional dos Estudantes (UNE), o Governo Federal aprovou em 2014 o Plano Nacional da Educação (PNE), que garante para a educação pública nada menos do que 10% do PIB até 2024. Para se ter ideia do montante desses recursos, seriam quantias próximas às gastas hoje com a Previdência Social, atualmente o componente de maior peso no orçamento público.
A proposta é bem-intencionada, mas será que a direção da solução proposta pelo PNE é a correta para os problemas educacionais brasileiros? Será que 10% do PIB para a educação garantirá o desenvolvimento socioeconômico do país?
Apesar do lugar-comum, a questão primordial da educação pública não é a falta de recursos. Pelo contrário, o Brasil é um dos países que mais gasta em termos proporcionais do mundo.
Não apenas já gastamos mais que a média internacional, como nosso gasto por aluno necessariamente irá aumentar por inércia, mesmo se não aumentarmos a proporção do orçamento direcionada à educação. Isso porque estamos passando por uma rápida transição demográfica, de modo que, desde as décadas de 80 e 90, as taxas de natalidade caem aceleradamente, levando a uma proporção cada vez menor de crianças e adolescentes na população brasileira, o que diminui o número de matrículas e, portanto, aumenta o gasto por aluno. Vale ressaltar que países desenvolvidos já tiveram essa diminuição da natalidade, mas critérios políticos influenciaram também, haja vista que em alguns países o gasto % do PIB para a educação diminuiu, e em outros aumentou.
O montante de recursos da Educação sobre o PIB pode ser decomposto de tal maneira a termos três componentes:
Educação/PIB = Taxa de Matrículas x Razão de Dependência-Jovens x Gasto por Aluno/PIB per Capita
A Taxa de Matrículas é a razão de matriculados sobre a população de crianças e adolescentes. Já a Razão de Dependência-Jovens é a proporção de jovens na população brasileira, enquanto o terceiro componente representa a proporção do gasto com educação dentro da riqueza disponível para um brasileiro médio.
Essa decomposição nos permite não só avaliar o crescimento dessas variáveis no passado, como também projetá-las no futuro. Portanto, se decidíssemos, por exemplo, congelar o gasto em educação Básica sobre o PIB nos valores de 2013, ou seja, 5,4%, quanto aumentaria o Gasto por Aluno?
Admitindo que manteremos a Taxa de Atendimento das escolas públicas em 87,2%, utilizando as projeções demográficas do IBGE de 2013 para estimar a Taxa de Dependência-Jovem em 2024 e pressupondo nenhum crescimento do PIB per Capita nesse período devido à crise de 2014-16, podemos prever quanto o Gasto por Aluno irá crescer mesmo sem nenhuma variação do gasto em educação básica sobre o PIB.
O Gráfico abaixo ilustra o resultado dessa projeção. Após um pequeno período de queda do Gasto por Aluno no período da crise de 2014 a 2016, essa variável cresce continuamente cada vez mais, até chegar a R$ 6.300,00 (em valores de 2013), nada menos do que 20% superior ao valor de onze anos antes.
Ou seja, mesmo sem maiores investimentos agregados, devido ao envelhecimento da população, o gasto por aluno irá aumentar. Nessa área, teremos um contínuo “Bônus Demográfico”, que nos permitirá aumentar por inércia o que gastamos com cada jovem brasileiro. Porém, patinamos porque gastamos mal, nos lugares e nas pessoas erradas. O que fazer para mudar isso?
Diagnóstico do passado recente
Obtivemos avanços concretos na educação brasileira nos últimos vinte anos. Indicadores de frequência escolar, analfabetismo, qualidade e abrangência da rede pública como um todo melhoraram. No exame do Programa Internacional de Avaliação de Alunos (PISA), aplicado pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) em cerca de 60 países, os alunos brasileiros melhoraram nos três quesitos avaliados entre o primeiro exame aplicado aqui, em 2000 e o de 2009, ficando, no entanto, praticamente estagnados em sua última edição, em 2012.
Nesse período (2000-2009), o Brasil foi o país com os maiores ganhos de performance dentre os avaliados. Além disso, como evidencia o gráfico abaixo, avançamos nos anos 90 em frequência escolar, em todas as faixas etárias, e sem aumentar gastos. Taxas de analfabetismo e conclusão de ensino médio também apresentaram melhora sensível. Nota-se, porém, que a proporção de alunos que repetiram um ano ou mais tem se mantido estável em um patamar alto – para os padrões da OCDE – desde 2003.
E agora, melhorou?
Felizmente, o quadro geral da educação básica foi de grande melhora até 2009. Porém, erros fundamentais têm marcado a educação brasileira nos últimos anos. O melhor exemplo para provar isso é o Ensino Médio – área em que mais se aumentou o gasto nos últimos anos, com um crescimento do investimento direto de mais de 60% -, que, desde 2011, tem apresentado inflexível estagnação no exame nacional do país, o chamado de Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB).
Essa estagnação, ainda, contrasta com os resultados do Ensino Fundamental, que não tem recebido acréscimo de recursos públicos e continua a apresentar melhora no seu desempenho medido por esse indicador. Ou seja, onde se aumentou o gasto, estagnou-se, e onde se manteve o gasto, houve contínua melhora.
O que de fato funciona?
Como se mostrou, aumentar o gasto nem sempre funciona – muitas vezes ele pode representar literalmente dinheiro jogado fora, como no caso do Ensino Médio. Por isso, os economistas Richard Munane e Alejandro Ganimian buscaram resumir em um grande trabalho, juntando diversos estudos, as medidas que, comprovadamente, graças a rigorosos métodos estatísticos, melhoram o desempenho dos estudantes na Educação Básica.
O estudo também mostra em que o Brasil tem errado: segundo as numerosas evidências estatísticas, mais recursos não aumentam o aprendizado dos estudantes, a não ser que afetem a rotina dos alunos na escola. Ou seja, medidas como gastos com instalação de computadores, distribuição de livros didáticos, aumento de número de professores ou redução do tamanho das turmas não apontam para melhoras estatisticamente significantes no aprendizado dos estudantes.
De fato, o desempenho dos alunos nas escolas e o potencial cognitivo podem ser melhorados com muitas intervenções que representem baixíssimos gastos. É o caso, por exemplo, do incentivo à participação dos pais na vida acadêmica dos filhos e da própria escola, informando-se dos resultados das provas e eventos realizados. Ou então, o próprio professor pode reservar um tempo para, diariamente, tirar uma foto com a turma, um ótimo exemplo de política sem gasto e que melhora a frequência escolar dos alunos.
É claro que o Plano Nacional de Educação tem excelentes intenções, no entanto, também tem pouquíssimos instrumentos para concretizá-las. O aumento de gasto do Brasil em educação para 10% do PIB, ou qualquer outra proporção além da atual, per se não garantirá melhora no ensino – como não ocorreu nos últimos anos para o Ensino Médio – e poderá se tornar uma grande fonte de desperdício de recursos públicos, que poderiam ser efetivos em promover o desenvolvimento brasileiro e reduzir a pobreza. Em um país com altos índices de informalidade e sonegação como o Brasil, qualquer aumento de carga tributária há de ser rigorosamente justificado. E como se evidencia, a questão da educação brasileira é como se gasta os recursos à ela destinados, e não o quanto. O resto é folclore.