Logo após o fim dos Jogos Olímpicos, Gilmar Mendes, Ministro do Supremo Tribunal Federal e Presidente do Tribunal Superior Eleitoral, surpreendeu alguns ao dizer que a Lei da Ficha Limpa teria sido escrita por bêbados. As atenções se voltaram para as cláusulas da lei e dos procedimentos que decretavam a inelegibilidade de candidatos às próximas eleições municipais.

O fato é que, quando foi negociada e promulgada, essa lei tinha como objetivo principal evitar que pessoas com condenação judicial por desvios no âmbito público pudessem apresentar candidatura e, fatalmente, ser eleitas; em especial os envolvidos em escândalos de corrupção.

De forma semelhante – mas por previsão constitucional –, a inelegibilidade veio à tona também no processo de impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff. Por meio de uma resolução controversa, o Senado Federal decidiu por manter o direito de habilitação da ex-presidente, isto é, Dilma pode ser nomeada para exercer cargo público, bem como se candidatar às eleições de 2018.

Acima das previsões legais e constitucionais que embasam as decretações de inelegibilidade, este é mais um exemplo do paternalismo estatal em que estamos inseridos. Ao dizer para a população em quem podem ou não votar, o Estado reduz a liberdade de escolha de seus representantes por meio do voto.

Ou seja, esse tipo de previsão obriga o povo a delegar o controle exercido sobre os políticos por meio do voto ao Estado. Deveria ser óbvio que alguém condenado pelos crimes descritos pela Lei da Ficha Limpa e do Impeachment não deve receber votos de ninguém, ainda que tentassem se candidatar.

Na mesma esteira, o eleitor não precisa esperar a morosa Justiça brasileira para decidir não votar num candidato notoriamente corrupto ou que possua pendências em Conselhos de Ética e afins.

Se a liberdade política fosse considerada como central nessa discussão, perceberíamos que os eleitores devem ter o poder de decidir se uma condenação – como nos casos descritos na Lei da Ficha Limpa – influencia ou não uma candidatura; se acreditam serem legítimos os motivos que levaram ao impeachment de Dilma Rousseff, sendo eles suficientes para que ela não mais receba seus famosos 54 milhões de votos ou não etc.

Na qualidade de eleitores, não deveríamos querer que o Estado, por meio de procedimentos controversos, venha a nos dizer em quem podemos ou não votar. Eleitores conscientes do poder emanado das urnas podem ser muito mais eficientes no controle das atividades de cargos eletivos do que a Justiça Eleitoral e a atual estrutura político-partidária do Brasil.

Iniciativas como “Adote um Deputado” e “Movimento Ficha Limpa” contribuem muito para o amadurecimento do eleitor brasileiro, tornando-o vigilante das ações adotadas por congressistas e auxiliando na escolha de candidatos.

Notada essa face da democracia representativa, as leis que geram inelegibilidade se tornarão inócuas. Hoje, a inabilitação é compreendida como pena, como efeito do reconhecimento de um ilícito, de modo que a sua não aplicação é demonstração de impunidade. Apenas com maturidade e reconhecimento da importância das eleições que atingiremos uma democracia de fato participativa, ultrapassando o punitivismo que prejudica tão somente a livre escolha do eleitor.

Precisamos dar essa responsabilidade ao eleitor para que a democracia amadureça. Proteger o povo como se pouco soubesse sobre voto faz com que ele dê pouco valor ao processo de escolha. Tanto assim é que, conforme já relatado neste Instituto, a maioria do eleitorado não se lembra em quem votou.

Nesse sentido, dentro da “bizarrice” que foi esse Destaque para Votação em Separado, a possibilidade de Dilma Rousseff continuar habilitada para concorrer a cargos eletivos é um sopro de liberdade para a política brasileira.

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