Quando se fala de corrupção e lavagem de dinheiro, logo se remete às cifras astronômicas normalmente envolvidas nesses escândalos. É muito comum também a divulgação de números referentes a “bloqueios e repatriações” a fim de dar credibilidade às autoridades públicas. Mas, afinal, o que significa lavagem de dinheiro e repatriação? E qual o destino desse dinheiro?

O que é lavagem de dinheiro?

Inicialmente, cumpre esclarecer que lavagem de dinheiro é o procedimento em que se busca dar aparência lícita a vantagens obtidas de forma ilícita. Noutras palavras, é difícil usufruir de milhões de reais indevidos sem ficar óbvio que algo de errado aconteceu; para tanto, inventam diversos mecanismos para justificar essa renda. É por isso que todos os partidos políticos alegam que “as contas foram aprovadas pelo Tribunal Eleitoral e que não estão envolvidos com lavagem de dinheiro”. Por óbvio, os valores declarados na instância eleitoral já têm aparência lícita, pois se encontram no final desse caminho.

Graças à iniciativa de vários órgãos nacionais e à significante pressão internacional, o Brasil possui um sistema de prevenção à lavagem de dinheiro relativamente bom. Isso propiciou um ambiente arriscado para quem queira fazê-lo por aqui em larga escala.

Portanto, a alternativa para se lavar dinheiro é buscar países de economia estável, com carga tributária reduzida e sistema bancário com poucas obrigações perante as autoridades públicas – em especial estrangeiras. Pensando no crime organizado como uma empresa, a escolha da forma de se lavar dinheiro é um cálculo que perpassa para além do próprio risco de ser descoberto, mas também pelo custo dessa operação.

“Quanto essas operações custarão?”, “Qual a taxa de câmbio e desvalorização dessa moeda?”, “Quanto tempo gastarei para interpor essas pessoas e empresas para me blindar?” são perguntas que são feitas rotineiramente para esse fim escuso.

Quando as investigações identificam o caminho realizado para se lavar dinheiro, solicita-se o bloqueio desses ativos, de modo a evitar que os bens envolvidos sejam dilapidados e sumam novamente. Nesse estágio, apesar de o investigado não poder usufruir livremente desses valores, ele ainda não perdeu sua propriedade.

Na ocasião de confirmado o vínculo entre esses bens e uma atividade criminosa por meio de uma condenação transitada em julgado – sentença impossível de ser revertida -, além da pena de prisão, também se fala de efeitos sobre o patrimônio envolvido. Dessa maneira, a Justiça confisca os bens e retorna esses valores a quem for de direito; seja a própria União, Estados ou qualquer outro prejudicado.

O que é repatriação?

Por meio da cooperação internacional, esse fluxo identificação-bloqueio-confisco também se torna possível quando outros países estão envolvidos, denominando-se recuperação de ativos o conjunto de procedimentos que resultam no retorno de bens ilícitos ao seu país de origem – essa última fase denominada repatriação.

Alguns veículos de comunicação confundem os termos recuperação de ativos (conjunto de procedimentos), bloqueio (medida assecuratória) e repatriação (devolução ao país de origem). Para fins de compreensão dos casos e até das estatísticas apresentadas pelas autoridades públicas, é importante entender bem essa distinção.

repatriações

Aqui se apresenta apenas o dinheiro que estava no exterior e voltou ao Brasil.

E qual o destino desse dinheiro confiscado ou repatriado?

O Código de Processo Penal prevê que o perdimento de bens ilícitos tenha como destino o próprio Tesouro Nacional ou o direito de lesado. Quando aplicável a Lei de Lavagem de Dinheiro (9.613/98), além do ressarcimento dos lesados e terceiros de boa-fé, assegura-se também que parte desses recursos seja repassada aos órgãos públicos de prevenção e combate à lavagem de dinheiro. Qualquer outra destinação mais específica não encontra qualquer respaldo legal.

O problema maior da recuperação de ativos no Brasil ainda é a demora em se finalizar o próprio processo penal. Não são raros os casos envolvendo crimes de colarinho branco ultrapassando os dez anos de processo e, consequentemente, atingindo a prescrição.

Recentemente, a colaboração premiada tem auxiliado no ressarcimento de altos valores, pois não necessita esperar o encerramento do processo para que o investigado transfira o montante devido.

Não obstante, nos casos comuns, quando enfim se consegue confiscar ativos envolvidos com ilícitos, esbarramos em outro problema clássico do Brasil: a falta de transparência.

Onde foi parar o dinheiro da Lava-Jato?

Analisando as informações disponíveis acerca da Operação Lava-Jato em fontes oficiais – selecionamos esse caso apenas como ilustração e tendo como motivo de escolha sua repercussão –, não é possível compreender justamente a destinação dos R$ 2,9bi ditos já recuperados por meio de acordos de colaboração premiada. O MPF disponibiliza uma tabela que indica quem, quando e em qual condição realizou esses acordos, mas não há indicação do montante devolvido, muito menos da destinação desses valores.

Isso se repete com basicamente qualquer outra operação deflagrada pelos órgãos nacionais competentes. Nesse sentido, também não há, hoje, uma base de dados unificada e de acesso público com os valores repatriados ou confiscados por condutas relacionadas à corrupção. O Conselho Nacional de Justiça possui um Sistema Nacional de Bens Apreendidos, mas ele recai em outro problema comum no Brasil: há muita burocracia e morosidade para obter tais dados, e não há no sistema levantamento sobre o valor confiscado.

Conclusão

Temos sim de congratular o crescente sucesso na persecução de crimes de colarinho branco, mas não devemos deixar de exigir que os padrões de transparência sejam observados principalmente pelos órgãos responsáveis pelo combate à corrupção e à lavagem de dinheiro. Afinal, para fins de comparação, com R$2,9bi, é possível pagar um ano letivo de 113.935 alunos da educação básica pública, segundo dados do MEC em 2015; e não queremos que esse dinheiro todo fique escondido, não é mesmo?

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