A Copa do Mundo de 2014 tirou do armário a promiscuidade entre futebol e governo. É algo que sempre existiu, mas que acabava sendo tolerado em favor da “pátria de chuteiras”.
A lista de estatais que patrocinaram times de futebol num passado recente só cresce. Dentre os clubes de maior expressão, há Banrisul (Grêmio e Inter), Eletrosul (Avaí e Figueirense), Eletrobrás (Vasco), Liquigás (Botafogo) e Caixa Econômica Federal (Corinthians, Flamengo, Vasco e outros 12 clubes brasileiros). Além disso, na esteira da Copa, os estádios consumirão mais de R$8 bi em dinheiro público (se não houver extrapolação com relação ao orçamento), privilegiando determinados clubes que têm melhor trâmite dentre as autoridades.
Mas qual seria o problema de o governo se intrometer no futebol? A questão é que futebol é a antítese do que se pode classificar como um bem público – bens que, segundo os economistas, justificariam o investimento do governo. Bens públicos – como praças, postes, viaturas, treinamento policial, etc – são aqueles que têm como característica a impossibilidade de separar quem pagou pelo serviço e quem deles usufrui. O futebol tem a característica oposta. Há uma catraca que assegura que somente aqueles que compraram ingresso possam entrar no estádio. E o ingresso representa o valor do produto adquirido pelo consumidor que deseja assistir futebol. Não há qualquer justificativa, portanto, para utilizar o poder governamental para obrigar que alguém que não goste de futebol subsidie o torcedor fanático.
A despeito disso, os governantes são mais lenientes com clubes de futebol e os tratam como entidades que merecem privilégios. Enquanto para os cidadãos comuns as penalidades para sonegação fiscal são severas, para os times de futebol devedores o governo criou uma loteria especial – a Timemania – para ajudar na amortização da dívida. Não satisfeita, a Confederação Brasileira de Futebol vem fazendo campanha pelo perdão das dívidas dos clubes, que chega a R$ 5 bi.
Os políticos embarcam na promiscuidade, tentando surfar na popularidade do balípodo como esporte nacional. Em todas essas distintas experiências, o que se torna evidente é que a mistura entre futebol e governo tem consequências prejudiciais ao cidadão. Por um lado, essa associação acaba desviando recursos de outras políticas mais prioritárias, como a redução da carga tributária ou investimentos em infraestrutura e educação básica. Por outro, ele alimenta um ciclo de corrupção que no passado já incluiu lavagem de dinheiro, corrupção ativa, estelionato e evasão de divisas.
Sobre o assunto, na Câmara dos Deputados, tramita o Projeto de Lei 2028/11, do deputado Augusto Coutinho (DEM-PE). O PL 2028/11 veda a transferência de recursos públicos provenientes de benefício fiscal para projetos de entidades de prática desportiva participantes de competições profissionais. A proposta altera a Lei 11.438/06 , que trata de incentivos e benefícios para fomentar atividades de caráter desportivo.
Nelson Rodrigues costumava dizer não se faz política ou futebol com bons sentimentos, pois é a falta de caráter que decide ambos. Os resultados de uma combinação são desastrosos, como esperado. Para solucionar esse problema, só há um caminho: tornar o futebol algo distante da esfera pública, que diga respeito a torcedores, jogadores, associados e dirigentes – não a políticos. Portanto, não esperem: privatizem o futebol brasileiro!