Por Matt Ridley, traduzido para o Instituto Mercado Popular
Em setembro de 2015 as Nações Unidas planejavam escolher uma lista de metas para desenvolvimento do mundo para serem cumpridas até o ano de 2030. Quais aspirações deveriam ser estabelecidas nessa campanha global para melhorar as condições dos países pobres e como elas deveriam ser escolhidas?
Para responder a essa questão, o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, e seus assessores confrontaram-se com uma tarefa que eles geralmente evitam: estabelecer prioridades. Não basta dizer apenas que gostaríamos de que a paz e a prosperidade chegassem a cada canto do mundo. Tampouco é suficiente listar centenas de objetivos. Destinar uma quantia de dinheiro para ajudar outros países, embora um ato generoso, é bastante limitado. Quais são as coisas que mais importam e o que seria agradável atingir, porém menos importante?
A origem dessa busca por prioridades globais nos remete ao ano 2000, quando o antecessor de Ban Ki-moon, Kofi Annan, escolheu um conjunto de “Metas para Desenvolvimento do Milênio”, que consistia em oito desafios a serem superados até 2015 e que foram adotados por muitos líderes mundiais. Apesar de algumas metas serem um tanto confusas, o tamanho conciso da lista e o seu próprio prazo significaram que eles realmente chamaram a atenção mundial e forçaram o ramo da assistência internacional aos pobres a ser mais seletivo.
A maior parte das Metas para Desenvolvimento do Milênio originais foram cumpridas até 2015. Desde 2000, por exemplo, o número de pessoas vivendo em extrema pobreza e fome ao redor do mundo caiu pela metade – uma conquista surpreendente. Outras metas incluíam o ensino fundamental universal, a igualdade de gênero, a redução da mortalidade infantil, melhorias em saúde materna, o progresso contra o HIV e a malária, a sustentabilidade ambiental e (de forma vaga) uma “parceria global para o desenvolvimento”.
O que pudemos aprender com essa primeira etapa de se estabelecer metas para o desenvolvimento foi a necessidade de sermos ainda mais seletivos da próxima vez. Uma lista de oito metas é muito longa para a maioria das pessoas que não são do ramo se lembrarem. Quando eu perguntei para vários de meus amigos no Parlamento Britânico, eles se lembraram de apenas três ou cinco. Muitos dos especialistas em desenvolvimento mundial com quem eu conversei disseram que a nova lista deveria ter apenas cinco metas específicas e quantitativas realizáveis.
E segundo Charles Kenny, um antigo membro do “Center for Global Development” em Washington, D.C., somente Ban Ki-moon pode fazer isso acontecer. Ele fez a seguinte observação: “nunca peça para uma comissão escrever poesia”. E me disse depois: “Existe só uma pessoa que pode trazer a poesia. O secretário-geral da ONU deve fazer essa mudança com um machado, não com um bisturi. Sem uma forte interferência de Ban Ki-moon, vai acabar existindo uma perspectiva extremamente limitada de simplificação”.
Até agora, no entanto, o processo de decisão das metas para 2030 está limitado à poesia. Não há apenas uma comissão para o trabalho, mas várias – das quais a mais importante se chama “Open Working Group”, ou OWG, que já está realizando reuniões há mais de dois anos. Até então, a “corrente” do OWG – e tenha em mente que outros grupos da ONU estão também produzindo correntes próprias – conseguiu diminuir sua lista de possíveis objetivos para 169. É uma lista absurdamente longa e a cada vez que os resultados de suas deliberações são publicados, cada grupo de pressão os verifica para ter certeza de que sua meta favorita ainda consta na lista e, caso não conste, causa um rebuliço.
O que Ban Ki-moon precisa é de uma maneira objetiva para enxugar a lista. E para fazer isso, eu recomendaria a ele um aliado improvável: Bjorn Lomborg, um cara que veste camisetas, é vegetariano e cientista político dinamarquês, que ficou famoso em 2001 com um livro intitulado “The Skeptical Environmentalist”, que enfureceu aqueles que são favoráveis à proteção ambiental a qualquer custo, mesmo à custa do bem-estar dos países pobres.
Lomborg é o fundador de um think tank internacional chamado “Copenhagen Consensus Center”. Ele inventou um método útil de tomada de decisões imparciais e técnicas para decidir como gastar fundos limitados com prioridades diferentes. A cada quatro anos, desde 2004, ele reúne um grupo de importantes economistas para avaliar a melhor maneira de gastar dinheiro com o desenvolvimento global. Na ocasião mais recente, em 2012, o grupo – que inclui quatro vencedores do Prêmio Nobel – debateu 40 propostas sobre como gastar melhor o dinheiro destinado à assistência aos países pobres.
A meta era simples: criar uma análise de custo-benefício para cada política e classificá-las de acordo com sua provável eficácia. Para cada dólar gasto, quanto de benefício seria gerado no mundo?
O processo do Copenhagen Consensus Center ganhou respeito mundial por seus métodos justos e meticulosos e por suas surpreendentes conclusões. Seu relatório de 2012, publicado em forma de livro como “How to Spend $75 Billion to Make the World a Better Place”, chegou à conclusão de que as cinco principais prioridades devem ser: suplementos alimentícios para combater a subnutrição, uma ampla imunização de crianças e esforços redobrados contra a malária, vermes intestinais e a tuberculose.
Ele não considera que esses sejam os maiores problemas do mundo, no entanto esses são os problemas com os quais cada dólar gasto gera o maior benefício. Possibilitar que uma criança doente recupere sua saúde e contribua para a economia mundial é do interesse não só da própria criança, mas também de todo o mundo.
Os números produzidos por esse exercício são chamativos. Cada dólar gasto para mitigar a subnutrição pode gerar US$59 de benefício; para a malária, US$35; para o HIV, US$11. Já para as metas “da moda”, como programas que pretendem limitar o aquecimento global para menos de 2ºC num futuro próximo, geram apenas 2 centavos de dólar de benefício para cada dólar gasto.
Porém não se trata apenas da fria catalogação de dólares e centavos. O cálculo usado pelo Copenhagen Consensus também inclui dados qualitativos entre os que são mais considerados “do bem”, tais como o número de mortes e doenças que são evitadas e potenciais benefícios ambientais, incluindo a prevenção da mudança climática.
Os especialistas do Copenhagen utilizam tiras de papel nas quais estão escritas diferentes prioridades junto a taxas de custo-benefício, e eles são convidados a movê-las para cima e para baixo conforme debatem evidências acadêmicas. Ao estabelecer prioridades, eles também levam em conta a viabilidade de se ampliarem as intervenções e o risco de corrupção envolvido.
É claro, quando a ONU pondera sobre suas escolhas para o próximo conjunto de metas para o desenvolvimento global, o custo-benefício não é o único critério. Na África do Sul, por exemplo, o HIV é um problema muito maior do que a malária, de forma que diferentes regiões devem ter preocupações diferentes. Mas hierarquizar essas intervenções realmente faz com que se tenha foco no combate à pobreza.
Por mais surpreendente que possa parecer, o ramo da ajuda internacional aos pobres raramente faz esse tipo de análise de custo-benefício. As pessoas nessa linha de trabalho geralmente se afastam desse tipo de hierarquização por considerá-lo um exercício desumano que sugere discriminação contra algumas metas globais ainda vistas como as mais dignas. Muitas vezes, quem trabalha no ramo da ajuda aos pobres parece implicitamente considerar que o dinheiro é ilimitado e que gastar com uma prioridade não impede o gasto com outra. Porém, evidentemente, esse não é o caso aqui: os problemas são muito maiores do que o orçamento disponível e assim permanecerá, mesmo que os países ricos cheguem a cumprir a meta, para ser atingida em 35 anos, de gastar 0,7% do seu PIB com a ajuda aos países pobres.
Em dezembro de 2013, Lomborg veio a Nova York para tratar diretamente com os embaixadores do Open Working Group da ONU. Ele lhes entregou aquelas suas tiras de papel e lhes pediu que as classificassem por ordem de preferência. Foi um exercício bastante revelador, pois esse é um lugar onde as pessoas estão acostumadas a dizer, com uma seriedade diplomática, que “tudo é importante”.
Então, ao longo de oito dias em junho, Lomborg pegou um grupo de 60 importantes economistas para trabalhar todos os conhecidos objetivos do OWG para 2030 (havia mais de 200 deles na época), fazendo uma rápida avaliação de quais teriam um bom custo-benefício. O resultado, agora disponível online, é um documento que atribui um código de cor para cada objetivo: verde (custo-benefício extraordinário), verde claro (bom), amarelo (razoável), cinza (não suficientemente conhecido) e vermelho (ruim).
Na conclusão desse processo, o grupo obtinha 27 valores verdes “extraordinários” e 23 valores vermelhos “ruins”, com todo o resto no meio.
Quem trabalha no ramo de assistência aos países pobres não está acostumado a ter suas tarefas marcadas dessa maneira rígida, o que fez com que muitos não gostassem no começo. Como a embaixadora Elizabeth M. Cousens, representante dos EUA no Conselho Econômico e Social da ONU, disse a Lomborg, “eu realmente não gosto que você tenha colocado um dos meus objetivos favoritos em vermelho”. Mas então ela acrescentou, “eu estou contente que você esteja dizendo isso, porque nós todos precisamos ouvir evidências econômicas que nos desafiem”.
Eu mesmo, ao analisar o documento, me senti em completa simpatia com as pessoas que tiveram que escolher os mais importantes dentre aqueles objetivos que constavam nas tiras de papel. Mas, pelo menos, esse tipo de análise nos proporciona algum rigor e direção.
Como seria a minha própria lista de cinco metas para 2030, baseada no trabalho do grupo do Copenhagen Consensus?
As metas de desenvolvimento que trazem menos benefícios, de acordo com o processo do Copenhagen, incluem a contraditória necessidade de uma maior produtividade agrícola aliada a um menor impacto ambiental. Outros maus investimentos, que são muito desejados, são menos óbvios e iriam na verdade prejudicar os mais pobres. Por exemplo, igualar o acesso ao ensino superior pode soar bem a princípio, mas em muitos países em desenvolvimento isso significa ter uma massa de pessoas pobres pagando para que os ricos estudem na faculdade. Outras metas – como o “turismo sustentável” – são simplesmente muito limitadas e mal definidas para serem levadas em conta em uma lista de prioridades urgentes.
Uma outra meta, que é uma das favoritas na lista criada pelo Open Working Group da ONU, mas que traz poucos benefícios, é a ideia de fornecer dados desagregados por sexo para ajudar as mulheres. Não só carecemos de muitos desses dados (e é muito custoso coletar mais), mas também, segundo um exemplo dos especialistas do Copenhagen, “como poderíamos usar esse tipo de dado para definir o valor de uma vaca que pertence a uma família de cinco membros?”.
Aqueles que temem que essas classificações possam refletir os próprios preconceitos de Lomborg podem ficar tranquilos. Foi ele quem convocou os economistas, é certo, mas foram estes que aplicaram o código de cores.
Lomborg aceita as principais conclusões da atual ciência que estuda o clima, mas ele é conhecido por ser cético em relação a várias políticas vigentes para prevenir a mudança climática. Ainda assim, os especialistas que ele reuniu concluíram que eliminar os subsídios para os combustíveis fósseis tem um custo-benefício “extraordinário”. Eles também viram um excelente custo-benefício nos programas feitos para desenvolver resistência e capacidade adaptativa frente aos perigos provocados pela mudança climática.
No entanto, os especialistas consideram que tanto tentar aumentar a quantidade de energia renovável no quadro de composição de energia global, quanto os esforços para manter o aumento da temperatura média global abaixo de um certo nível estabelecido em acordos internacionais, tem um custo-benefício ruim para os países mais pobres. Isso se dá pelo fato de que os especialistas acreditam que permitir emissões para poder crescer inicialmente, enquanto se investe em rápidos avanços em tecnologia energética, é uma ideia muito melhor do que tentar limitar as emissões no presente momento, pois as fontes renováveis que temos hoje em dia são muito caras.
De fato, um dos problemas de saúde mais urgentes no mundo, que evidentemente é o que mais faltou nas metas originais de Kofi Annan em 2000, é o número de mortes anuais de mais de quatro milhões de pessoas devido à poluição do ar em ambientes fechados. Esse enorme e persistente problema é atribuído ao fato de que muitos dos países mais pobres carecem de acesso a eletricidade a baixo custo (isto é, geradas por combustíveis fósseis) e então cozinham por meio da queima de madeira ou de esterco.
Esse mais recente exercício realizado pelo Copenhagen Consensus foi, admite Lomborg, “rápido e sujo”, voltado para chamar a atenção do Open Working Group antes que ele encerrasse seu trabalho para o verão. Mas, nos próximos meses, o grupo de Lomborg irá publicar milhares de páginas descrevendo custos e benefícios de todos os objetivos mais importantes da ONU. Com a ajuda de três vencedores do Prêmio Nobel, o grupo irá produzir um relatório definitivo com as prioridades hierarquizadas e entregá-lo à ONU.
Descobrir o melhor jeito de ajudar os mais pobres não é algo como resolver um problema matemático. Não existem respostas certas e erradas. Mas existem respostas melhores e piores, e o único jeito de designar essas prioridades é colocando de lado nossos compromissos sentimentais e fazer o trabalho árduo de avaliar os custos e os benefícios.
Matt Ridley é autor de “The Rational Optimist: How Prosperity Evolves” e é membro da Câmara dos Lordes Britânica.