Recentemente, durante uma entrevista, o cantor Tico Santa Cruz gerou certa polêmica ao afirmar que “os Estados Unidos não têm petróleo”. Essa noção popular sobre a relação entre os Estados Unidos e o petróleo é amplamente disseminada, normalmente com pouca fundamentação em dados ou pesquisas: é comum ouvir a história de que os Estados Unidos fazem de tudo para conseguir petróleo, inclusive invadir países do Oriente Médio. Esse artigo busca explorar essa ideia desde suas bases: Há petróleo nos Estados Unidos?
Os maiores produtores de petróleo do mundo
Os Estados Unidos são o primeiro colocado no ranking de países produtores de petróleo, tendo passado com uma diferença considerável o segundo colocado, a Arábia Saudita, especialmente devido ao crescimento na produção derivada do óleo de xisto. Apesar da primeira colocação ter sido alcançada nos últimos anos, os Estados Unidos sempre figuraram entre os primeiros colocados do mundo, inclusive já tendo encabeçado a lista outras vezes.
Brasil vs Texas
Um dado interessante é que, desde 2010, o estado do Texas, no sul dos Estados Unidos, triplicou sua produção e, sozinho, passou a produzir mais petróleo que o Brasil inteiro:
De onde surgira a absurda ideia, então?
Apesar da altíssima produção própria de petróleo, os Estados Unidos também são um dos maiores consumidores mundiais do óleo negro, o que faz com que também figurem sempre dentre os primeiros colocados no ranking de importação mundial da commodity. Sendo o Iraque um dos países que mais produz (8º) e um dos que mais exporta no mundo, os interesses dos Estados Unidos estariam aí: um grande consumidor visando garantir seu suprimento.
Os maiores Importadores de Petróleo do Mundo
Os Estados Unidos têm revezado com a China no posto de maior importador de petróleo do mundo nos últimos anos. Com um pico de quase 50% do petróleo consumido vindo de importações em 2006, o valor total importado caiu significativamente na última década por causa do aumento da produção interna — como o gráfico do Texas demonstra. Em 2013, estes eram os maiores importadores de petróleo no mundo:
Faz sentido a tese de invadir o Iraque para obter petróleo?
Desde 1993, ano em que começa a série histórica da Associação de Informação de Energia (EIA, sigla em inglês), até hoje, se somarmos toda a importação de petróleo dos Estados Unidos vinda do Iraque, o valor será inferior às importações totais americanas apenas no ano de 2013. Nesses 22 anos, o petróleo iraquiano representou somente 4% das importações totais dos EUA. Portanto, a relevância do petróleo iraquiano é mínima.
Importação de Petróleo do iraque nos EUA (1993-2015) | ||
Origem | Barris | % |
Iraque | 8.615.000 | 4% |
Resto do Mundo | 206.468.000 | 96% |
Total | 215.083.000 | 100% |
Se colocarmos todos os países do Golfo Pérsico na conta — incluindo, portanto, Kuwait, Irã, Emirados Árabes, Catar, Omã, e Bahrein –, o percentual sobe consideravelmente, mas ainda longe de representar a maioria das importações americanas. Apenas 22% dos barris de petróleo importados vieram do Golfo Pérsico desde 1993.
Importação de Petróleo do Golfo Pérsico nos EUA (1993-2015) | ||
Origem | Barris | % |
Golfo Pérsico | 47.268.000 | 22% |
Resto do Mundo | 167.815.000 | 78% |
Total | 215.083.000 | 100% |
Gastos Militares
Segundo o Stockholm International Peace Research Institute (SIPRI), os Estados Unidos têm gastado entre 9% e 12% do PIB com militares desde 2001, o que custou entre U$400 e U$700 bilhões de dólares por ano. Um gasto exorbitante. Assim, os dispêndios dos Estados Unidos correspondem a mais de 1/3 de todos os gastos militares mundiais: quase tanto quanto os outros 14 países que gastam mais depois dele.
Se os gastos militares fossem um “investimento” para se conseguir petróleo barato de países como o Iraque, não estaria valendo a pena. Considerando-se que toda a despesa com a Guerra do Iraque tivesse a intenção de obter petróleo barato, até 2011 — ano que marca o fim da Guerra no Iraque –, os EUA gastariam entre 2.5 e 10.5 vezes mais por barril com a guerra do que se importassem no mercado internacional:
Ou seja, seria muito mais vantajoso para o país investir em importações de qualquer outro membro da OPEP.
Conclusão
É verdade que fontes de energia, especialmente o petróleo, desempenham um papel importante na economia global e nas decisões de política externa de grandes potências. É natural que turbulências no mercado de energia influenciem as mais variadas decisões sobre políticas públicas, inclusive estratégias diplomáticas e/ou militares. Entretanto, a versão popular de que os Estados Unidos correm o mundo procurando petróleo, dispostos a invadir países para espoliar barris do óleo negro, parece ser excessivamente simplista e não se sustenta ao se analisarem os dados.