O Brasil vive uma crise generalizada: política, econômica, ética, moral e jurídica. Não há setor da sociedade que possua algum grau de otimismo acerca do futuro de curto e médio prazos do nosso país. No centro disso tudo, a corrupção é apontada como o maior problema nacional, a causa e a consequência de todas as mazelas que afligem a nação.

No desespero de apresentar respostas rápidas aos problemas evidenciados em escândalos após escândalos, o Brasil criou uma estrutura em que a burocracia é ineficaz naquilo a que se propõe: controlar desvios. O foco sempre foi o de editar leis, em vez de saber por que as anteriores não eram cumpridas; trocar líderes, sem a devida preocupação com o perfil do sucessor; construir heróis e vilões, em detrimento de reconstruir estruturas; gritar contra corrupção e nunca procurar entender os motivos dela acontecer.

A Operação Lava-Jato tem apenas sedimentado o entendimento de que a relação entre empresas privadas e o setor público brasileiros é, e sempre foi, corrupta. Mas mesmo depois de assistir a diversos escândalos de corrupção, o Brasil jamais se preocupou em saber o que acontece depois. Saber quem, quando e como não é mais importante do que se perguntar: existe vida limpa e produtiva para empresas e governos depois de desmascarado um esquema de corrupção?

A resposta pressupõe que a mera prisão de políticos e altos executivos não seja suficiente para reduzir a corrupção. Impunidade é apenas um dos facilitadores de desvios, mas atos punitivos que não alteram a estrutura de incentivos, em si, não conseguem inibir a ocorrência de quaisquer crimes. E com a corrupção não seria diferente.

Exemplo clássico dessa falsa sensação de fim da corrupção é a chamada Operação Mãos Limpas, ocorrida na Itália nos anos 1990, que desestruturou toda a política italiana e maior inspiração para a Operação Lava-Jato. Contabilizaram-se elevados números de prisões, buscas e apreensões, políticos e empresários condenados. À época, muito se elogiou a postura dos juízes e promotores que conduziam o caso, devido à firmeza e coragem com que prometiam uma “limpeza” da política naquele país.

Contudo, o que parecia um sucesso indiscutível evidenciou-se como irrelevante para a cultura antiética dos negócios e da política italiana. Alberto Vannucci destaca que, por não terem aproveitado o momento de crise para adotar políticas anticorrupção efetivas, a cultura cívica pouco se alterou ao final da operação, tendo a atenção da mídia e a preocupação popular migrado para outros problemas, sem que esse tivesse sido, de fato resolvido.

Como o padrão ético não foi alterado e as estruturas mantiveram-se inalteradas, outros personagens surgiram para tomar o lugar que havia sido desocupado. Conforme o ranking da Transparência Internacional, a Itália configura como um dos países mais corruptos da Europa, tendo avaliação semelhante à do Brasil. Mesmo assim, o povo italiano não tem mais a mesma preocupação com isso, longe do entusiasmo reinante no início dos anos 1990. A descrença com o real combate à corrupção é tão generalizada que hoje os italianos comovem-se muito pouco acerca desse assunto, o que torna qualquer iniciativa de êxito ainda mais difícil.

Uma situação contrastante ocorreu quando a empresa alemã Siemens, em 2006, foi exposta por estar envolvida no pagamento de subornos em suas negociações. Desde então, a multinacional arcou com cerca de US$2,5 bilhões apenas em multas e acordos pelo mundo afora. Um programa sólido de compliance foi adotado, com o objetivo de desvincular permanentemente a empresa com qualquer tipo de prática corrupta. Para tanto, cerca de 80% dos executivos foram substituídos, mudou-se a forma de tomada de decisão do conselho, além do alto investimento no treinamento e monitoramento sobre condutas éticas.

À luz desses dois exemplos internacionais, compara-se a atual conjuntura de combate à corrupção no Brasil. O setor empresarial pouco se preocupa com questões éticas. Em pesquisa do Grupo DM, concluiu-se que apenas um quarto das empresas esperam resultados com práticas éticas dos seus CEOs. Expressivos 62% ainda preferem respostas como: – resultado a qualquer preço; – resultado por meio de práticas inovadoras; – e resultado por meio de seu poder de influência.

Nessa mesma esteira, uma recente pesquisa da KPMG concluiu que 46% das empresas respondentes classificaram a maturidade da estrutura e a função de compliance, nos dois menores níveis de governança. Portanto, quase a metade das empresas ainda não adotou medidas internas para a efetiva construção de uma visão ética dos negócios.

Apenas em 2015, a Petrobrás criou o Departamento de Governança, Controle de Riscos e Compliance, com a finalidade de restaurar a confiança do mercado, recuperar os prejuízos históricos e prevenir que situações de desvio voltem a acontecer. É impressionante perceber que uma empresa desse porte funcionou, por tanto tempo, sem que houvesse preocupação institucional com a ética e controle da corrupção. Reflexo da própria cultura empresarial brasileira.

Numa rápida busca pelos sites dos 10 melhores cursos de graduação em Administração no Brasil, de acordo com o ranking da Revista Exame de 2015, percebe-se que apenas quatro possuem alguma matéria relacionada à ética em seus currículos. Ao analisar o projeto pedagógico desses cursos, verifica-se que a formação de profissionais visa à formação de pessoas capazes de atingir resultados, mas sem mencionar a consolidação de valores éticos.

Assim, o Brasil segue com uma população cada vez mais satisfeita com os holofotes midiáticos dados às investigações da Lava-Jato, com semelhanças cada vez mais evidentes com a fracassada Mãos Limpas, quanto às mudanças efetivas nas práticas políticas italianas, bem como apoiadora a propostas e decisões judiciais temerárias à Constituição Federal, sob o pretexto do “combate à corrupção”.

O combate à corrupção já está previsto em lei no Brasil. O país possui uma lei moderna de combate à lavagem de dinheiro, uma Lei Anticorrupção que responsabiliza pessoas jurídicas por práticas corruptas, mecanismos avançados de investigação e a Operação Lava-Jato trouxe um proveitoso engajamento popular sobre o tema.

Entretanto, tudo isso não terá o menor efeito se a cultura empresarial e governamental do país não sofrerem reais mudanças quanto à análise, tratamento e respostas às causas desse problema. Ninguém espera que, com toda sua ineficiência e burocracia, o Estado – no auge do seu paternalismo – seja o único agente de combate à corrupção e que consiga fiscalizar sozinho toda a economia nacional. Por isso, é necessário reduzir o poder discricionário dos agentes públicos, já que a centralização econômica tende a estar correlacionada com a corrupção.

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Mas, concomitantemente, é necessário que as iniciativas do setor privado estejam em sintonia com as medidas adotadas no setor público, inclusive pelo bem da eficiência das duas esferas. Quanto mais empresas se preocuparem em construir programas de compliance efetivos, menor será a racionalidade da contratação pública de empresas que não tenham padrões éticos adequados. Com um setor privado cada vez menos disposto a se envolver em esquemas de corrupção, as formas de desvio no exercício do poder discricionário do Estado também são reduzidos.

Além disso, existe evidência estatística que mostram que empresas que têm práticas de compliance melhores tendem a ter melhor performance em termos de retorno ao investimento e valor das suas ações. Na Europa, existe um índice de ações de “empresas éticas” – que incorpora empresas com boas práticas de governança e compliance. Comparando a performance destas com a performance geral das empresas europeias, observa-se que, enquanto o valor de mercado das empresas éticas dobrou, o índice geral se manteve estagnado.

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É necessário que a sociedade entenda que as forças causais da corrupção envolvem tanto um corrupto quanto um corruptor – e ataque o problema em ambas as frentes. Investir na ética empresarial significa proteger as empresas de se corromperem – bem como se reerguerem depois de um escândalo – e, ao mesmo tempo, reduzir o espectro de influência de agentes públicos nas inevitáveis relações com o setor privado e melhorar a performance das empresas.

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