Toda vez que analisarmos políticas públicas devemos nos lembrar do primeiro princípio da economia, como descrito por Thomas Sowell: recursos são escassos. Sejam recursos monetários, sejam recursos físicos, sejam recursos pessoais. Dessa forma é necessário saber alocar esses elementos com o intuito de maximizar a eficiência de qualquer sistema que seja desenhado.

Em um mercado livre, essa alocação se dá por mecanismos de preço que sinalizam para as pessoas quais são as áreas carentes de investimentos. Em um mercado controlado ou em um sistema socializado não há esse mecanismo e a alocação de recursos se dá com outros elementos, normalmente estudos de demanda que são feitos com determinação de porcentagem da população que vai usufruir de determinados recursos. Essa segunda forma de alocação de recursos é a utilizada pelo estado para determinar desde a necessidade da instalação de um semáforo ou uma faixa de pedestre até a localização de hospitais e escolas.

O grande problema é que essa alocação de recursos por estudos e previsões de demanda não consegue atender as necessidades de parte das pessoas que vão usufruir o sistema e não consegue se adaptar tão rapidamente a mudanças que acontecem na sociedade. Um exemplo simples é visto no caso do sistema estadual de ensino de São Paulo, que está na mídia recentemente por causa das invasões e ocupações de diversas escolas ao redor do Estado.

Nos últimos anos, estima-se que a população das escolas estaduais diminuiu em cerca de 2 milhões de estudantes devido a fatores diversos como a municipalização das escolas da fase inicial do ensino fundamental, a migração de diversos alunos para escolas particulares e o envelhecimento da população que não é acompanhado da reposição da parcela jovem. Com isso, o número de estudantes do sistema reduziu em aproximadamente 35%, o que por si só logicamente levaria a mudança de destinação de salas de aula e a demissão de professores em excesso em um sistema de mercado.

Devido às restrições do sistema de alocação de recursos estatal, o que vimos foi a manutenção de escolas subocupadas por vários anos — algumas com apenas 30% de ocupação –, assim como alguns professores sendo obrigados a se deslocar entre diferentes estabelecimentos de ensino devido a distribuição de suas turmas entre essas escolas. Por outro lado, outros professores davam aulas para turmas muito pequenas e não tinham muitas responsabilidades extra-classe devido a pequena população escolar a eles designada.

Todavia, esse ano a secretaria de educação do Estado de São Paulo decidiu reestruturar o sistema de ensino estadual com dois focos: diminuição dos espaços subutilizados e ampliação das escolas de ciclo único. A necessidade da diminuição dos espaços subutilizados é clara pelos dados. Mas o que são as escolas de ciclo único?

Elas são escolas que trabalham com uma população específica de alunos determinada pelos anos escolares. Seriam as escolas que tem apenas ensino fundamental I (1o ao 5o anos), ou ensino fundamental II (6o ao 9o anos) ou ensino médio. Existem estudos que indicam que esse tipo de estabelecimento de ensino apresenta melhores resultados acadêmicos, além de ser mais fácil de gerir — as necessidades de alunos de 6 a 10 anos são mais parecidas que alunos de 6 e 15 anos, por exemplo. Esse é o mesmo modelo de organização educacional adotado por vários países como Reino Unido, Japão, Austrália e diversos distritos educacionais dos Estados Unidos. A nível de Brasil, esse modelo é adotado nas escolas públicas do Distrito Federal e produziu bons resultados durante vários anos.

O maior problema da mudança é que ela foi feita de maneira pouco participativa e com pouca transparência. Diversos grupos de pais e alunos, assim como entidades de professores reclamaram que não foram consultados antes das definições serem tomadas pelo governo estadual e que não tiveram direito a voz. Pessoas tem seus interesses e sentimentos e reagem emocionalmente a diversas situações, por melhores que possam ser os resultados esperados das medidas propostas.

Essa situação fica mais crítica quando vemos casos como uma escola da zona rural de Sorocaba sendo fechada e seus alunos sendo realocados para outro estabelecimento de ensino a 8km de distância, sendo que pais não foram bem informados sobre como seria o deslocamento das crianças e adolescentes.

Essa falta de diálogo e de transparência juntamente a pressões políticas de opositores do governador levaram às invasões e ocupações das escolas que vem sendo noticiadas. É importante notar que as invasões nem sempre tem a mesma característica, com alguns estabelecimentos sendo invadidos por membros do MTST que não apresentam reivindicações relacionadas a educação e visam apenas desestabilizar o governador, e outros sendo invadidos por alunos que estão descontentes com a alteração no status quo.

O maior problema das invasões ocorre quando observamos a privatização dos espaços públicos, com pessoas se achando donas das escolas e querendo impor suas agendas às custas da população. Pois, por mais que várias das reinvindicações sejam justas e corretas, muitos alunos estão sendo privados do acesso a educação e tem visto seus pais e responsáveis prejudicados no trabalho pelos filhos não terem com quem ficar durante parte do expediente.

Mas essa situação traz a tona dois debates importantes: por que o Estado de São Paulo está envolvido na educação? E por que não deixar para pais e alunos a escolha de qual tipo de estabelecimento de ensino eles querem estudar?

A questão do envolvimento do Estado de São Paulo que eu menciono não se deve a participação governamental na educação seja no financiamento ou na regulamentação — que não são o foco desse texto –, e sim os problemas gerados pela centralização da gestação do sistema de educação de regiões completamente diferentes.

Um princípio muito caro para os defensores de uma sociedade mais livre é a subsidiariedade. É um nome complicado, mas que descreve um conceito simples: as decisões de alocação dos recursos devem ser tomadas o mais próximo possível daqueles afetados por elas. Ou seja, a nível governamental, quem deveria gerir as escolas em Sorocaba são as pessoas (habitantes, veradores, secretários, gestores educacionais) do município e não burocratas de São Paulo capital. Isso acontece porque essas pessoas tem mais conhecimento sobre a realidade local e tem mais a ganhar e perder no caso da implementação de qualquer medida. Além disso, elas também deveriam ser as responsáveis por arcar com os custos de qualquer decisão tomada, não imponto a outros os seus desejos e vontades. Benefícios e custos concentrados levam a maior racionalidade na hora de decidir como recursos são alocados e tendem a beneficiar todas as pessoas.

E como a implementaríamos isso? Diferentemente da realidade de outros países em que as principais fontes de arrecadação das cidades são impostos municipais, no Brasil há uma distorção do pacto federativo com a maior parte das verbas se concentrando na União, em seguida nos Estados e posteriormente nos municípios. Isso deve ser revertido para que o sistema passe a ser mais racional e de melhor fiscalização.

Enquanto isso não acontece, o governo de São Paulo deveria municipalizar todas as escolas federais e repassar para os municípios um valor fixo por número de estudantes advindo da arrecadação de tributos estaduais e que seria originalmente destinado a educação básica estadual. Por exemplo, digamos que o orçamento da Secretaria Estadual de Educação para instrução primária e secundária seja de 3.6 bilhões de reais. Como a população em escolas estaduais é de 3.6 milhões de estudantes, cada município receberia 1000 reais por estudante matriculado para ser alocado nas escolas. Assim, escolas maiores receberiam mais verba e escolas menores menos — uma alocação razoável de recursos.

Dessa forma, naturalmente, escolas que não consigam ter verba suficiente para pagar todas as suas contas devido ao reduzido número de alunos acabariam fechando. Isso levaria uma parcela da população estudantil a ser realocada organicamente em outras escolas da região, sem a necessidade da ordem vindo “de cima”. O mesmo aconteceria com o corpo docente que poderia ser realocado ou dispensado caso não seja necessária a sua manutenção para atender a demanda em outros estabelecimentos de ensino.

Entretanto, caso a arrecadação municipal seja suficiente para manter o funcionamento da escola a despeito da pequena parcela vinda do governo estadual, o estabelecimento continuará aberto normalmente. O estabelecimento também pode se manter caso apresente outras fontes de renda como a cessão de seu espaço físico para eventos em períodos não letivos, a organização de outros pólos de ensino na mesma localidade em horários não concorrentes com o ensino básico, ou a contribuição volutária de pais e membros da comunidade.

É importante notar que ainda haveria o problema de pais, estudantes professores com vínculos emocionais com escolas e que ficariam tristes caso a escola que eles se acostumaram a estudar/trabalhar fechasse. Mas a transparência dos gastos e a possibilidade de gestão mais autônoma — permitindo novas fontes de renda — seria o suficiente para evitar grande parte dos protestos. Isso acontece justamente porque como os gastos são locais de dinheiro vindo de fontes locais, dificilmente pessoas vão abertamente querer expoliar seus vizinhos — fato que não acontece quando os beneficiários estão distantes dos pagadores.

Com certeza essa gestão mais local dos sistemas de educação apresentaria melhores resultados tanto para estudantes como para os pais que veriam os seus impostos serem melhor empregados. Entretanto, essa ainda não é a melhor alternativa, visto que ela ainda parte do princípio de que o dinheiro de educação é alocado por burocratas estatais em estabelecimentos estatais. A melhor forma de melhorar a dinâmica educacional brasileira seria com a implementação de um sistema de vouchers educacionais, como sugerido por Milton Friedman, que seguiria o mesmo princípio do que o Bolsa Família faz: dar liberdade para as famílias escolherem onde empregar o dinheiro.

Cada família receberia do governo estadual o dinheiro que seria destinado às escolas para ser usado com qualquer gasto educacional da sua preferência. Elas poderiam completar essa verba com seus próprios rendimentos e escolher qual estabelecimento de ensino colocar seus filhos. Se quiserem investir em uma escola que tenha os três ciclos juntos, essas pessoas podem. Assim como se preferirem colocar suas crianças e adolescentes em instituições que apresentem melhor divisão entre os ciclos. Se elas quiserem contratar professores para dar aula em casa, podem, assim como se quiserem investir em materiais e cursos complementares. A escolha fica com a família, assim como os benefícios e prejuízos resultantes dessa ação.

O sistema de vouchers, assim, responde a segunda pergunta levantada alguns parágrafos atrás visto que ele reduziria a interferência do governo na educação, ao mesmo tempo que garantiria que as famílias mais pobres não ficassem desamparadas. Com a competição entre diversos estabelecimentos de ensino pelo dinheiro dos vouchers, o que veríamos seria uma multiplicidade de currículos que atenderiam a diferentes demandas dos pais e alunos, além de uma redução dos custos dos estabelecimentos de ensino, como acontece em qualquer área em que se vê concorrência.

Como a gestão comunitária de algumas escolas demonstra — até mesmo aquelas que estão ocupadas na atual onda –, as pessoas conseguem se organizar para oferecer serviços que sejam demandados pelo público. Nós deveríamos deixar que esse espírito empreendedor floresça, seja passando a gestão das escolas estaduais de volta para os municípios — e preferencialmente para os bairros –, seja liberando as famílias para escolherem onde elas querem colocar seus filhos para estudar. Com isso, não veríamos mais governos impondo medidas pouco transparentes e sem diálogo para a população e, com certeza, assistiríamos o florescimento de uma nova geração de empreendedores, artistas, comunicadores, pesquisadores que só precisam da oportunidade de ter uma escola que atenda as suas necessidades para se desenvolver.

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