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Um dos fatos políticos mais relevantes dos últimos anos ainda não foi plenamente compreendido: as manifestações de junho de 2013, quais foram as suas consequências e quais serão no futuro. A primeira questão que salta aos olhos é se há e qual é a relação entre a surpreendente ascensão de novos movimentos políticos populares fora do campo da esquerda e a inesperada insurreição que começou ao fim de junho, arrastando-se pela Copa das Confederação.

Se digo que ainda não entendemos o que aconteceu, o faço também por conta de uma parcela dos analistas, que prefere observar essa relação através do retrovisor.

Há uma visão corrente, em especial entre analistas de esquerda, de que estamos vendo uma ‘reação conservadora’, um retorno de ‘grupos políticos aristocráticos’ diante da ascensão e força que grupos políticos ‘progressistas’ tiveram nos últimos anos. Ou seja, uma visão de que de que não estamos mudando politicamente, e o momento presente representaria somente uma reorganização das antigas forças políticas que sempre estiveram presentes na política brasileira.

Há alguma razão na tese. Grupos que representam os valores historicamente típicos do conservadorismo brasileiro – com traços estatistas, nacionalistas e anticomunistas – perderam a vergonha de se assumirem como tal e estão no seu momento de maior força desde o fim da ditadura militar. O destaque e os seguidores de Jair Bolsonaro, deputado desde os anos noventa, são a prova e a personificação desse fato. Mas um olhar mais atento indica que isso não é o mais importante que está acontecendo.

“Você não sente, não vê / Mas eu não posso deixar de dizer, meu amigo / Que uma nova mudança em breve vai acontecer / O que há algum tempo era novo, jovem / Hoje é antigo / E precisamos todos rejuvenescer”

Na terra arrasada em que está a política brasileira, todos os principais candidatos à presidência em 2018 possuem enormes taxas de rejeição. Bolsonaro ainda permanece marginal e foi incapaz de se tornar a liderança e personificar as manifestações de oposição ao governo. As lideranças ficaram nas mãos de jovens até então desconhecidos. A realidade está mostrando que ninguém está ganhando mais força política do que esses grupos que eram inexistentes do cenário político brasileiro.

Há indícios que isso não é uma louca moda de verão como Macarena, mas algo que veio para ficar, como Elis.

Uma mudança de paradigma parece ter surgido na política brasileira. O que há algum tempo era novo, jovem / Hoje é antigo. Os jovens estão deslocando os seus valores e o modo como visualizam o debate político. Mas, afinal o que está levando a essa mudança?

A jovem intelligentsia individualista

Há uma nova geração que baseia a sua vida e valores políticos de maneira significativamente distinta dos nossos antepassados. No presente a mente, o corpo é diferente / E o passado é uma roupa que não nos serve mais. Os jovens de até 30 anos (nascido a partir de 1985) formam a primeira geração de brasileiros que viveu inteiramente dentro do regime democrático.

É uma geração que não se recorda das dificuldades econômicas da hiperinflação e da década perdida. Essa é a geração que viram efeitos positivos de desenvolvimento econômico e diminuição da desigualdade do período FHC-Lula. É, também, a geração que viu o país como nunca integrado ao resto do mundo, sem a polarização da Guerra Fria, impactados pela força da globalização e tecnologia que nos permite acesso a informações de todo o globo.

A consequência dessas mudanças está levando, acredito, à formação de uma nova intelligentsia brasileira. Intelligentsia designa: “um tipo particular de intelectual que percebe a obrigação de intervir nos assuntos políticos como parte de sua deontologia (…). [O]s membros da intelligentsia também podem ser definido como os produtores de “mitos políticos”, o que não se confunde necessariamente com “utopias” [1].

Membros de uma intelligentsia não são somente intelectuais acadêmicos. São escritores, músicos, artistas plásticos, jornalistas, colunistas etc. Por exemplo, a Geração de 22 com escritores, músicos, ensaístas foi uma intelligentsia. E a nossa geração?

Não sei, ainda tem muita água para passar por debaixo dessa ponte. Mas há indícios de que o foco das preocupações da intelligentsia da nossas geração serão as questões individuais. Jout Jout destaca as pautas feministas, o funk ostentação exalta o desejo dos marginalizados ao consumo, o Spotniks alcançam sucesso entre mídias independentes, campo outrora dominado. Não há exemplo mais significativo dessa tendência de mudança do que Kim Kataguiri, um jovem de origem humilde, descendente de imigrantes, sem relação familiar com políticos.

Em que pese todas as críticas, inclusive as minhas, é inegável que ele é o mais próximo a ter ganhado os espólios de todas as manifestações que sacudiram o país desde de 2013. Kim e o que representa é uma novidade, por mais que alguns não queiram aceitar isso e vai ser uma mudança no jogo político de Brasília.

E eu pergunto ao passarinho: o que nos espera no futuro?

“Raven never raven never raven” / Blackbird me responde / Tudo já ficou pra trás / “Raven never raven never raven” / Assum-preto me responde / O passado nunca mais


[1] MARTINS, L. A intelligentsia em situação de mudança de referentes (Da construção da nação à crise do Estado-nação). In: (ORG.), L. B. Brasil: Fardo do passado, promessa do futuro. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002. p. 307-322 p.

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