A agência de pesquisa de opinião Datafolha comprovou, nessa semana, o que muitos já sabiam: no Brasil, metade da população das grandes cidades acredita que bandido bom é bandido morto. Essa notícia evidencia a natureza ingrata do trabalho daqueles que defendem os Direitos Humanos. Declarados pela ONU na final da década de 40, tais direitos considerados básicos por grande parte da sociedade ocidental são rejeitados por diversos políticos de grande votação no Brasil, como o deputado Jair Bolsonaro, para o qual a Polícia Militar deveria matar mais, tendo afirmado que violência se combate com violência, o que foi imediatamente rechaçado por lideranças esquerdistas.
A contradição da esquerda, no entanto, se evidencia quando boa parte dessas mesmas lideranças que defendem os Direitos Humanos, ao mesmo tempo defendem o crescimento do papel interventor do Estado sobre a sociedade civil, junto ao próprio deputado Bolsonaro. Entre essas aspirações estão uma alta carga tributária para financiar engenhosos programas econômicos a descambar em mais desigualdade e regulações detalhadas acerca de diversas atividades, limitando a liberdade de escolher da população (o recente exemplo do Uber é excelente nesse sentido, como já abordado por este Mercado).
Quando se atinge o pico de amor ao Estado, são defendidas leis punitivas para proteger grupos sociais – ou nem tanto. São exemplos clássicos a pressão para a criminalização da homofobia no novo Código Penal, a recentemente aprovada lei endurecendo as penas do feminicídio, e, mais recentemente, a proposta de alterar o Marco Civil da Internet para facilitar a prisão de quem difamar ou caluniar políticos nas redes.
O que se ganha, porém, quando se atribui ao Estado – em especial o brasileiro – tamanho poder e atribuições de punição? O que ocorre, de fato, é o mesmo que em todos os países: o punitivismo recai desproporcionalmente sobre os mais pobres, que, além de terem menos recursos para usufruir de meios legais de redução da pena (como bons advogados), sofrem de evidente descriminação diante do poder policial e judiciário, algo já evidenciado inclusive pelo canal de humor Porta dos Fundos. Como a juíza aposentada Maria Lúcia Karam lembra em um artigo do início do ano:
Não há falta de evidências na desproporcionalidade da punição sobre os mais desprovidos de renda, patrimônio ou prestígio no Brasil. Como mostra o Gráfico abaixo, adaptado de um relatório da Anistia Internacional, de todas os autos de resistência – ou seja, homicídios causados por policiais em serviço – no Rio de Janeiro entre 2010 e 2013, quase 80% foi contra a população negra, isso em uma cidade na qual a polícia é responsável por cerca de 15% de todos os homicídios intencionais todos os anos.
Não é apenas sob o poder policial, no entanto, que a população negra – associadamente também à pobreza, como será visto – sofre pelo punitivismo. No Gráfico abaixo, baseado nos dados do relatório do Departamento Penitenciário Nacional de Junho de 2014, percebe-se que a punição se dá sistemática e desproporcionalmente mais severamente sobre as populações mais marginalizadas. Quando se observa a escolaridade da população carcerária – altamente associada à renda e ao status social do indivíduo -, constata-se também algo já próximo do óbvio: a prisão é feita majoritariamente para quem não teve escola.
Pode se argumentar que o que ocorre, no entanto, é diferente: a população mais pobre e menos escolarizada (infelizmente majoritariamente negra) comete mais crimes, pois, segundo a teoria econômica da criminalidade, têm mais incentivos para faze-lo. Apesar de o argumento fazer sentido, não pode ser comprovado pelo sistema carcerário. De fato, o que os dados mostram é um punitivismo desproporcionalmente aplicado às margens da sociedade sem nem que se consiga provar qualquer crime.
Ainda pelo Relatório do Departamento Penitenciário Nacional, vê-se que, por incrível que pareça, quase metade dos presos daquele mês não tiveram nenhuma sentença declarada, ou seja, estão entre os que não conseguiram habeas corpus (direito de julgamento em liberdade). O perfil social daqueles que não obtiveram tal direito, é claro, é facilmente dedutível.
O Estado Brasileiro é por si só uma ameaça aos direitos humanos. Do Governo Federal, passando pelos Tribunais de Justiça estaduais aos Legislativos Municipais há culpa no cartório. Todos querem mais Estado, mais repressão, menos autonomia aos indivíduos. Da esquerda à direita, de PSOL a PP, seja para qual lado olharmos – há quem defenda mais tipificação penal, punitivismo e financiamento do estado-assassino. Quer-se mais prisões e mais poder para este Estado com o direito à (i)legítima violência. Para termos um país mais civilizado e com maior respeito aos Direitos Humanos, contudo, o que precisamos é justamente o oposto.