Nos partidos políticos ou sindicatos, nos centro acadêmicos do ensino superior ou nas salas de aulas do ensino fundamental, a pergunta está sempre no ar: afinal, por que um jogador de futebol ganha mais que um professor?
Quem nunca viu aquele professor de história – que dirige aquele Uno Mille 2000 velho sem ar-condicionado – chegando suado em sala de aula em plena segunda-feira pós-rodada do Brasileirão, indignado com a importância que os alunos dão a “22 homens correndo atrás de uma bola” e seu descaso com a aula?
Muitas vezes por comodidade as figuras citadas acima tentam achar um culpado para a desvalorização da “classe”, e é aí que entra em cena o maior vilão do mundo: o capitalismo. Questionar as verdadeiras razões que fazem um jogador de futebol ganhar consideravelmente mais que um professor é desnecessário pra essa turma. Mas esse é o nosso papel aqui. E para reconhecer porque isso ocorre, antes de mais nada, devemos entender de onde sai o valor de qualquer bem ou serviço. Inclusive dos pés do Neymar.
A primeira pergunta que deve ser feita é: de onde parte o valor? Ou seja, a partir de qual parâmetro as pessoas delimitam aquilo que lhes é mais importante?
Adam Smith foi um dos primeiros a tentar explicar o fenômeno da valoração por meio da Teoria do Valor Trabalho. Sua teoria delimitava que todo valor partia do trabalho empregado para a produção daquele determinado bem. Foi a partir dela que Marx desenvolveu o conceito de mais-valia.
Entretanto, a Teoria do Valor Trabalho se mostrou totalmente equivocada frente à Revolução Marginalista encabeçada por Menger, Böhm-Bawerk, Jevons e Walras que teorizaram – praticamente ao mesmo tempo, embora de forma separada – a Teoria da Utilidade Marginal.
Em contraposição à Teoria do Valor Trabalho, a Teoria da Utilidade Marginal dizia que o valor não é algo intrínseco a cada bem ou serviço no mercado, pelo contrário: o valor de um bem é algo extremamente subjetivo. Em outras palavras, a valoração de qualquer bem parte do agente de mercado (o indivíduo) para o bem em uma compilação de utilidade (a importância subjetiva que o indivíduo tem pelo bem) e sua escassez.
A Teoria da Utilidade Marginal mostrou que o valor de qualquer bem responde aos estímulos da compilação entre utilidade e escassez, assim, se o agente de mercado tem um critério subjetivo para uma dada quantidade de bens aos quais ele considera útil -por exemplo, ele valora que 1 kg de carne vale R$10, e se a quantidade desse produto no mercado aumentar, a escassez de tal bem diminuiu – o valor daquele bem tende a diminuir, pois se aumentou a oferta. Enquanto, se a utilidade daquele bem aumentar – por exemplo, se sair uma pesquisa onde comer uma quantidade maior de carne é melhor para a saúde, o valor, ou melhor, o preço daquele bem tenderá a aumentar já que se aumentou a procura.
A Teoria da Utilidade Marginal mostra também que o trabalho em nada influencia o valor final do bem produzido. É comum vermos lojas à beira da falência vender seus produtos abaixo do preço de custo. A loja tomou essa decisão baseada em seus incentivos: era mais vantajoso para ela, por exemplo, reduzir suas dívidas. Assim, a utilidade de um bem presente se mostrou maior do que vender os produtos no futuro.
Um buraco escavado no meio de um auditório demora o mesmo tempo e requer o mesmo trabalho para se produzir a mesa na qual palestrantes e professores discursarão, e nem por isso os dois bens terão o mesmo valor. O primeiro tem um valor puramente negativo, destrutivo, e o segundo detém utilidade a ser apreciada pela maioria das pessoas. A caça de uma cervo e um gambá requerem o mesmo trabalho, porém a carne do gambá, na visão de muitos, não é tão suculenta quanto a da cervo.
O sushi é outro bom exemplo cotidiano para demonstrar a subjetividade dos bens no mercado. Eu pago R$60 num rodízio de sushi feliz da vida, enquanto existem pessoas que nem recebendo comeriam peixe cru. Ou seja, existem aqueles que vêem utilidade em comer peixe cru enrolado em arroz, enquanto outros não vêem nenhuma utilidade nisso.
Já deve ter ficado implícito ao leitor que a valoração dos bens se manifesta no mercado por meio dos preços. Assim bens que tem alta utilidade para muitos e apresentam alta escassez tendem a ter um valor maior, ou seja, um preço mais alto em relação a outros bens.
Hayek foi um dos pensadores econômicos que melhor soube explicar a necessidade dos preços no processo de mercado como condutor de conhecimento. Assim, são os preços de mercado que indicam aos capitalistas quais bens a sociedade deseja consumir.
Quando um bem se torna mais escasso, seu valor tendem a aumentar. O aumento de preços em determinado mercado é o sinal para os capitalistas moverem seus investimentos para aquele mercado. O contrário, a redução de preços é sinal para os capitalistas retirarem seus investimentos daquele mercado.
Os preços são os elementos que possibilitam coordenação na atividade empresarial e que exprimem o preço real de um bem para a sociedade.
A valoração de todas as coisas dentro da ação humana é uma compilação ente utilidade e escassez julgadas pela subjetividade individual.
Mises dizia que o mercado é a democracia dos consumidores. Quando escolho beber Coca-Cola em vez de Pepsi, estou dando um incentivo, oferecendo meu voto, dando recursos, passando conhecimento da minha escolha para que a Coca-Cola se desenvolva mais que a Pepsi. Assim, essas empresas dependem do meu dinheiro, da minha satisfação, do meu voto para existirem.
Quem paga o salário dos jogadores de futebol? Ora, os clubes de futebol. E de onde os clubes de futebol retiram seus recursos para pagarem os jogadores? Dos patrocinadores e das premiações dos torneios aos quais eles participam, além de uma pequena parcela dos programas de sócio-torcedor. De onde os torneios tiram dinheiro para pagar os clubes? Dos patrocinadores, anunciantes, canais de TV.
Vejam que o mercado de futebol, assim como qualquer outro da área de entretenimento, gira em torno das verbas publicitárias dos patrocinadores e anunciantes. Por que isso ocorre? Simplesmente porque muitas pessoas assistem futebol, valorizando apaixonadamente seus clubes.
Um mercado com muito dinheiro, onde cartolas concorrem cada vez mais por jogadores, força o aumento salarial. É a velha lei da oferta e demanda. E isso explica os cachês milionários no mundo do futebol. Os melhores jogadores – como Neymar, Messi e Cristiano Ronaldo – têm um talento de utilidade marginal muito alta, ou seja, a importância e a escassez desses jogadores são muito altas, com isso seus salários são ainda maiores do que aqueles pagos aos jogadores normais.
Já os pobres professores exercem uma profissão de baixa utilidade marginal para as pessoas. A quantidade de Neymars que existem no mundo é muito menor do que a de professores de matemática. Logo a valoração dos professores é bem menor que a dos jogadores de futebol.
Ter um talento como o de Neymar ou de Messi é algo muito mais difícil de se ter do que um diploma de Licenciatura em Letras ou Matemática em alguma universidade. Acredite: a maioria dos jogadores por aí são uns pernas de pau. E eu também não estou aqui desmerecendo a profissão docente. Entretanto ela não é tão escassa quanto o talento desses jogadores – daí se deriva a menor valoração de seus serviços.
A culpa é mesmo do capitalismo? Desse monstro chamado neoliberalismo? Só se for pelo fato de, nesses sistemas, existirem um regime livre de preços que indicam os reais valores dos serviços, onde o consumidor é soberano.
Se existem culpados por um jogador de futebol ganhar mais que um professor são as pessoas que assistem todos os domingos à tarde o Brasileirão. Eu, você, seu vizinho, o próprio professor. A audiência que essas pessoas dão às emissoras é a responsável pelos salários dos jogadores de futebol.
As pessoas trabalham para ter liberdade de gastar seus salários da forma que lhes convir. Não é injusto uma pessoa valorizar de maneira distinta dois serviços ou bens distintos – isso é fruto da forma como aquele indivíduo resolveu valorar as coisas a sua volta.
O mercado de futebol, repetindo, atrai muito dinheiro pelo interesse das pessoas no assunto. O mercado simplesmente segue as preferências dos indivíduos – nesse caso, assistir futebol. Pergunto ao leitor aonde está a injustiça em um sistema que tenta atender as preferências de seus indivíduos?
Em países onde o futebol não é o esporte número um, seus clubes não usufruem do mesmo privilégio e do mesmo interesse da população. Por sequência, seus jogadores não recebem salários astronômicos.
E aqui mesmo no Brasil, jogadores de séries inferiores, muitas vezes recebem menos que um professor de uma escola pública. Na verdade, em números: 82% dos jogadores de futebol no Brasil recebem até dois salários mínimos. Qual a injustiça disso? É o preço que eles têm no mercado – que também pode ser lido como: o preço que eles têm para a sociedade. A mesma coisa acontece com os professores. Para o bem ou para mal – a culpa não é do sistema.