Em São Paulo ou em Londres, o Uber é objeto de luta constante entre taxistas cadastrados no app e taxistas locais. O app, que há pouco começou a operar em várias capitais brasileiras, oferece serviços de motorista particular, carona compartilhada, vans circulares, limusines e até barcos. Com tarifas baixas, alta qualidade, a conveniência de chamar um taxista pelo celular e paga-lo com cartão de crédito, o aplicativo tem ameaçado o serviço de táxi tradicional em diversas cidades, despertando a ira dos taxistas locais. Da proibição ao congelamento do número de licenças expedidas para o serviço, a reação das autoridades mundo afora não tem sido amistosa.
Não é difícil entender o porquê da polêmica. O mercado de táxis esteve estagnado por anos, com uma emissão muito lenta de licenças de operação, o que limitou a oferta de táxis, fazendo o preço subir e a qualidade decair. Os taxistas desfrutavam de uma confortável reserva de mercado, perturbada pelo novo serviço, mais conveniente e com preços mais módicos, à revelia das autoridades de mobilidade urbana e do planejamento estatal do transporte público. Embora o serviço seja benéfico e conveniente, mesmo milhares de consumidores dispersos têm pouca capacidade de fazer frente ao organizado lobby dos taxistas.
Em Londres, por exemplo, a batalha legal entre Uber e taxistas toma contornos claros de um dilema entre inovação e tradição.
Para fazer frente aos serviços do Uber, os taxistas londrinos adicionaram várias cartas ao seu baralho. Adotaram o aplicativo Gett, similar ao Uber, que mostra a localização dos black cabs pela cidade, permite chamar táxis pelo celular e pagar a corrida com cartão de crédito. Em frente ao banco dos passageiros dos táxis, uma placa lista quatro razões para escolher a companhia oficial de táxis: os motoristas “são treinados e bem informados”; “são licenciados e regulados pelas autoridades locais”.
O trunfo dos taxistas foi apelar para as autoridades. Boris Johnson, prefeito de Londres, pronunciando-se sobre a polêmica, declarou que a morte dos black cabs seria iminente, caso a licença do Uber não fosse revogada. O prefeito estabeleceu a derrubada do Uber como sua prioridade número um, enfatizando que não há “nada que ele gostaria mais de fazer”. Ainda assim, Johnson considera-se impotente diante do aplicativo. Ele afirmou que, se o serviço fosse proibido, a empresa logo conseguiria na Justiça o direito de operar novamente. Taxistas, em protesto, pararam o trânsito de Londres, acusando o prefeito de não ter coragem para enfrentar o Uber.
Johnson, que é do Partido Conservador e que já foi descrito como um “libertário” em virtude de suas posições progressistas, não é conhecido exatamente por priorizar a mobilidade urbana. Em 2010, apoiou a construção de uma linha de teleférico 90 metros acima do rio Tâmisa, que teria como propósito desafogar o trânsito e o transporte público durante a hora do rush. O extravagante serviço de gôndolas de £60 milhões oferece uma convidativa vista da cidade, mas é, certamente, uma das formas mais custosas de evitar as aglomeradas vias do final da tarde.
Politicamente, a questão se complica porque o transporte público londrino é, também, uma atração turística. Os double-deckers, ônibus de dois andares típicos da capital inglesa, são talvez tão icônicos quanto o Big Ben. Os tradicionais táxis londrinos, com seus visuais retrô, também são uma atração à parte. A concorrência do Uber ameaça pôr fim a um ícone londrino, elemento fundamental da atmosfera cultural da antiga cidade.
Acolher a inovação em detrimento da tradição é um dilema pelo menos tão antigo quanto o capitalismo moderno. Abraçar a tecnologia com cautela, em seu potencial criador, mas iconoclasta – a “destruição criativa” de Schumpeter -, parece ser a alternativa mais sábia. Ultrapassados pela tecnologia, os black cabs caminham para ter o mesmo destino das tradicionais cabines telefônicas londrinas: um monumento ao passado, com pouca utilidade, exceto para enfeitar os álbuns de viagem dos turistas.