Os olhos do mundo se voltam para a Grécia enquanto as diversas partes envolvidas tentam chegar a um acordo duradouro. Nesse contexto, ocorreu-me que algumas reflexões sobre as principais críticas poderiam ajudar a esclarecer alguns dos principais pontos de divergência e lançar uma luz sobre o possível caminho a seguir.

Creio que as principais críticas se enquadram numa dessas quatro categorias: (a) o programa de resgate 2010 serviu apenas para elevar a dívida grega e exigiu um ajustamento fiscal excessivo; (b) O financiamento concedido à Grécia foi utilizado para reembolsar bancos estrangeiros; (c) reformas estruturais inibidoras do crescimento, aliadas à austeridade fiscal, conduziram a uma depressão econômica; e (d) os credores não aprenderam nada e continuam a repetir os mesmos erros. Mas essas críticas são justas?

Crítica 1: O programa de 2010 serviu apenas para elevar a dívida e exigiu um ajustamento fiscal excessivo.

Se você quer entender como a Grécia chegou na situação em que está, leia o nosso guia para entender a crise grega em menos de três minutos.

Mesmo antes do programa de 2010, a dívida grega era de cerca de 300 bilhões de euros, ou 130% do PIB. O a diferença entre o que o governo gastava e arrecadava – em economês chamado de – déficit orçamentário – era de 36 bilhões de euros, ou 15,5% do PIB. A dívida estava crescendo ao ritmo de 12% ao ano, o que era claramente insustentável.  Deixada à sua própria sorte, a Grécia simplesmente não teria tido condições de obter empréstimos.

Mesmo se tivesse suspendido por completo o pagamento de sua dívida, considerando um déficit primário superior a 10% do PIB, o governo teria tido de cortar seus gastos em 10% do PIB da noite para o dia. Tal conduziria a ajustes muito mais profundos e a um custo social muito mais elevado do que no âmbito dos programas, que concederam à Grécia mais de cinco anos para produzir um saldo primário.

A austeridade fiscal não foi uma escolha, mas uma necessidade. Não havia, pura e simplesmente, outra alternativa senão o corte dos gastos e a elevação dos impostos, porque o governo grego não tinha dinheiro suficiente para pagar suas despesas correntes. A redução do déficit foi expressiva porque o déficit inicial era muito elevado. “Menos austeridade fiscal”, ou seja, um ajuste fiscal mais vagaroso, teria exigido uma dose ainda maior de financiamento e reestruturação da dívida, e havia um limite político ao que os credores oficiais poderiam pedir que seus próprios cidadãos contribuíssem.

Crítica 2: O financiamento concedido à Grécia foi utilizado para reembolsar bancos estrangeiros.

Uma parte importante dos fundos do primeiro programa foi utilizada para pagar os credores de curto prazo e para substituir a dívida privada por dívida oficial. Em outras palavras, a dívida com o setor privado, que era grega, passou a ser dos outros governos europeus, e a dívida grega passou a ser com os governos europeus, a juros mais baixos. O resgate ao governo grego não beneficiou, porém, apenas bancos estrangeiros, mas também famílias e demais correntistas gregos, uma vez que um terço da dívida era detida por bancos gregos e outras instituições financeiras gregas e as famílias gregas corriam o risco de perder toda a sua poupança com a falência desses bancos gregos. 

Além disso, os credores privados não foram poupados. Em 2012, a dívida com os bancos sofreu uma redução substancial: a operação de 2012 resultou num corte (‘haircut’) de mais de 50% sobre cerca de 200 bilhões da dívida privada, o que levou a uma redução da dívida de mais de 100 bilhões de euros (ou, concretamente, a uma redução da dívida da ordem de 10 mil euros por cidadão grego).

E a transição da dívida que a Grécia tinha com bancos para a dívida que ela tem com governos europeus foi bastante vantajosa, pois os novos empréstimos foram feitos a taxas abaixo de mercado e com prazos de vencimento alargados. Vejamos desse ângulo: os pagamentos de juros sobre a dívida grega no ano passado foram de 6 bilhões de euro, mas eram de 12 bilhões de euros em 2009. Os pagamentos de juros da Grécia foram mais baixos, como proporção do PIB, do que os pagamentos de juros de Portugal, Irlanda ou Itália.

Crítica 3: Reformas estruturais inibidoras do crescimento, aliadas à austeridade fiscal, conduziram a uma depressão econômica.

Dado o fraco histórico da Grécia em matéria de crescimento da produtividade antes do programa, considerou-se necessário lançar uma série de reformas estruturais, desde a reforma da administração tributária, redução das barreiras de entrada em muitas profissões e reformas dos regimes de pensões, até reformas da negociação coletiva, do sistema judicial, etc. Muitas dessas reformas não foram implementadas, ou não o foram na escala suficiente.

Os esforços para aperfeiçoar a cobrança de impostos e a cultura de pagamento fracassaram por completo. A abertura de setores e profissões fechadas encontrou resistência ferrenha. Foram concluídas apenas 5 das 12 metas planeadas do atual programa com o FMI, e somente uma meta foi concluída desde meados de 2013, devido à não implementação das reformas.

A queda na produção econômica foi de fato muito maior do que se previra, mas a consolidação fiscal explica apenas uma fração do declínio da produção. Diversos fatores contribuíram para esse resultado: um PIB que, já de início, estava acima do seu potencial; crises políticas, políticas contraditórias, reformas insuficientes, o medo do ‘Grexit’, a baixa confiança empresarial, a fragilidade dos bancos. Tudo isso corroborou para a queda da economia.

Crítica 4: Os credores não aprenderam nada e continuam a repetir os mesmos erros

A eleição em 2015 de um governo abertamente avesso ao programa reduziu ainda mais a adesão ao programa vigente e exigiu que este fosse reavaliado, quer em termos de políticas, quer em termos de financiamento.  Um conjunto mais limitado de reformas estruturais, e/ou um ajustamento fiscal mais lenta implica, aritmeticamente, maior necessidade de financiamento e, consequentemente, de reestruturação da dívida.

Mas a Grécia não pode, sem ajuda externa, tornar esse ajuste mais lento. Ela depende dos credores europeus para garantir seu financiamento. Se os credores europeus estivessem dispostos a simplesmente perdoar toda a dívida existente e conceder novos financiamentos, não haveria necessidade de mais ajuste fiscal. Mas é óbvio que há limites políticos para que governos estrangeiros peçam que seus próprios cidadãos contribuam para os gregos. Assim, uma solução realista teria de envolver uma certa dose de ajuste, algum financiamento e algum alívio da dívida – uma abordagem equilibrada.

O papel do FMI nas negociações foi o de solicitar ajustes específicos e explicar claramente as implicações em termos de financiamento e alívio da dívida.  Um pequeno superávit primário, que aumentaria ao longo do tempo, era absolutamente necessário para manter a sustentabilidade da dívida. Até o referendo e suas possíveis implicações para o crescimento, acreditava-se que, dados estes pressupostos acerca do superávit primário, seria possível alcançar a sustentabilidade da dívida através da extensão da dívida.  Hoje, o FMI entende que a melhor solução é uma combinação de ajuste fiscal somada ao perdão de parte das dívidas. Uma parte dos governos europeus discorda disso.

O caminho a ser trilhado

Mesmo com os resultados do referendo, ainda há espaço para um acordo. A base deve ser um conjunto de políticas semelhantes às debatidas antes do referendo, com as devidas modificações para levar em conta o fato de que o governo solicita agora um programa de mais longo prazo, bem como o reconhecimento mais explícito da necessidade de mais financiamento e mais alívio da dívida.

A área do euro enfrenta, fundamentalmente, uma decisão política: reformas e metas fiscais mais baixas para a Grécia significam um custo mais elevado para os países credores. O papel do FMI nesse contexto não é recomendar uma decisão em particular, e sim indicar soluções de compromisso entre, por um lado, menos ajuste fiscal e menos reformas estruturais e, por outro, a necessidade de mais financiamento e mais alívio da dívida.

A margem para chegar a um acordo é extremamente limitada e o tempo urge. Não deveria haver sombra de dúvida de que a saída do euro teria um custo extremamente elevado para a Grécia e seus credores. A introdução de uma nova moeda e redenominação dos contratos suscitaria questões jurídicas e técnicas extremamente complexas, e possivelmente estaria associada a um declínio ainda mais acentuado do PIB. E talvez decorresse um longo tempo até que a depreciação da nova moeda produzisse uma recuperação substancial. Em resumo, ainda existe um longo caminho a ser trilhado, mas um acordo é a solução de menor risco para todas as partes.

 

Olivier Blanchard é um dos mais influentes macroeconomistas do mundo. Seu manual de macroeconomia é utilizado por estudantes no mundo todo. Ele é doutor em economia pelo Massachusetts Institute of Technology, professor de Universidade Harvard e foi economista-chefe do Fundo Monetário Internacional até o primeiro semestre de 2015.
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