Por Frank Bruni. Traduzido por João Pedro Lang.

Nas sombrias profecias dos escritores de ficção científica e nos avisos assustadores dos ativistas de esquerda, as grandes corporações dominarão o mundo – ou já dominam.

Por mim, não há nada de muito ruim nisso.

As corporações foram ótimas na questão da bandeira confederada. Recentemente, um atentado racista vitimou nove fiéis negros numa igreja de Charleston, nos Estados Unidos. O assassino vestia a bandeira usada pelo exército dos Confederados, associada à luta contra a abolição da escravidão negra nos estados do Sul dos EUA. Em seguida, algumas das maiores empresas do setor de comércio – como Walmart, Amazon, Sears e eBay – decidiram parar de vender a bandeira em suas lojas, ainda que muitos utilizem-na como símbolo regional dos estados do Sul. Outras fizeram manifestações fortes com o mesmo objetivo.

Nikki Haley – governadora da Carolina do Sul, estado onde ocorreu a chacina – disse que depois da tragédia a bandeira confederada não deveria mais ser usada por lá. Mas antes do seu discurso, ela já sabia que empresas como Boeing e BMW, duas das maiores geradoras de emprego no estado, a apoiariam. A câmara de comércio estadual havia insistido para que ela e outros políticos locais enxergassem a luz.

Eli Lilly, American Airlines, Intel e outras empresas foram cruciais para derrotar ou emendar projetos de lei de que permitiam discriminação contra gays. Lobistas dessas megacorporações pressionaram políticos, que tinham que se preocupar em perder investimento e emprego se companhias com operações em seus estados não gostassem do que o legislativo estava fazendo.

E, se dependesse das corporações americanas, os imigrantes latinos estariam melhor do que . No início do ano passado, a Câmara de Comércio dos Estados Unidos fez uma carta pública que urgia o Congresso a agir para “modernizar nosso sistema de imigração”. Foi assinada por 246 empresas, grandes e pequenas, incluindo Apple, AT&T, Caterpillar, Facebook, Goldman Sachs, Google, McDonald’s, Marriott e Microsoft.

Essas empresas estão agindo por interesse próprio? Com certeza. Estão tendendo garantir que leis e costumes locais não as impeçam de atrair e manter os melhores da força de trabalho. Estão construindo suas marcas de uma forma que, esperam, apelará aos consumidores.

Mas esses esforços, juntados ao pouco de altruísmo genuíno e obrigação cívica que alguns líderes corporativos sentem, geraram belos exemplos recentes de empresas sendo mais sensíveis à diversidade, à justiça social e às novas marés de opiniões populares que nossos legisladores conseguiriam.

As corporações não são paralisadas por disputas partidárias. Não são reféns de alguns grandes doadores de campanha, alguns poucos grupos de interesse ou de alguma ideologia inflexível.

“Elas são, no final das contas, mais responsivas a um grupo amplo de eleitores – e consumidores – do que os políticos”, afirma Bradley Tusk, cuja firma, Tusk Strategies, oferece consultoria a empresas privadas e agentes da política.

“Se você é um político e só se importa com manter-se no cargo, está preocupado com um pequeno grupo de eleitores do seu distrito que votam nas eleições primárias”, ele me disse, referindo-se a membros da Casa dos Representantes [N.T.: A Câmara dos Deputados dos Estados Unidos]. “Se você é uma empresa, precisa ser muito mais sintonizado com a opinião pública, porque estará apelando a pessoas ao longo do espectro político.”

E portanto, ele adiciona, “[i]ronicamente, muitas corporações têm que ser bem mais democráticas que políticos democraticamente eleitos”.

A Newsweek notou esse fenômeno numa reportagem desta semana, notando que a inclusão “pode não ser uma boa política nesses dias de polarização e política de nichos, mas parece ser um bom negócio. E isso tem feito da comunidade de negócios uma espécie de força política de grande alcance, algo que nenhum grande partido político pode dizer de si.”

Grandes instituições financeiras estavam bem à frente de Barack Obama, Hillary Clinton e outros políticos democratas na questão do casamento homoafetivo. Os líderes de bancos e fundos multimercado juntaram suas vozes – e somas consideráveis de dinheiro – a essa causa em 2011, no estado de Nova York.

E a Amazon, Starbucks, Nordstrom [N.T.: loja de roupas e acessórios femininos] e outras empresas contribuíram, no estado de Washington, para garantir a aprovação de um referendo local pelo casamento igualitário em novembro de 2012.

Sob a administração de Howard Schultz, o Starbucks foi um padrão de generosidade corporativa e consciência social em áreas que vão da educação superior às questões raciais. Em 2011, Schultz usou sua posição na empresa para criticar a lentidão do Congresso e para tentar levar a maior cooperação entre democratas e republicanos na questão da redução da dívida. Ele teve sucesso em convencer mais de 100 outros CEOs a se comprometer a não fazer mais doações políticas até que o Congresso fizesse progresso bipartidário.

Entre 2010 e 2014, a Unilever aumentou a parcela de materiais recolhidos de fazendas com práticas sustentáveis, de menos de um quinto para quase metade. E a companhia de informática Infor participou num programa multimilionário para dar ingressos do filme “Selma” [N.T.: que retrata o movimento negro por direitos civis], de graça, para alunos americanos.

A lista continua. E, embora ela não apague os danos que empresas causam no meio ambiente ou sua exploração de trabalhadores com baixos salários, ela nos obriga a admitir que as corporações não são sempre os vilões da história. Às vezes, elas se alinham com o bem comum, e agem pelo mais prático, mais sábio e mesmo pelo mais correto.

Publicado no The New York Times, sob o título “The sunny side of greed” (“O lado ensolarado da ganância”).

Nota final: Embora o artigo seja repleto de exemplos americanos, não é difícil encontrar paralelos no Brasil. No recente caso da Boticário, por exemplo, o apoio corporativo no debate contra o pastor homofóbico Silas Malafaia foi maciço, mas políticos fizeram pouco barulho.

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