Em 1997, o economista Milton Friedman escreveu um artigo apontando os possíveis problemas de uma moeda europeia comum, doze anos antes da crise da dívida na União Europeia. O texto pode fornecer úteis insights para compreender o contexto atual, de crise do Euro e de insolvência da Grécia.
Mas, primeiro, um pouco de contexto: os economistas internacionais costumam falar de uma “trindade impossível”, isto é, três políticas macroeconômicas que têm suas benesses, mas, se adotadas em conjunto, são insustentáveis no longo prazo. São elas: um câmbio fixo; a ausência de controles de capital; e uma política monetária autônoma. A vantagem de um câmbio fixo é diminuir os custos de transação inerentes à troca de moeda, facilitando o comércio e as operações financeiras.
Uma solução desse “trilema”, que costuma ser prescrita pelos economistas, é adotar um câmbio flexível, capaz de responder a choques externos. Ao entrar numa união monetária, os países da Zona do Euro abrem mão de uma política cambial flexível, e portanto, no longo prazo, precisam controlar capitais ou abrir mão de uma política monetária nacional.
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Uma moeda comum é um arranjo monetário excelente sob certas circunstâncias e um arranjo péssimo sob outras. Sua qualidade depende, em primeira instância, dos mecanismos de ajuste disponíveis para absorver os choques que impactam os países que pretendem adotar tal moeda comum. Um câmbio flexível, em que o preço de troca entre moedas varia, é um poderoso mecanismo de ajuste para choques que afeta cada país de forma diversa. Em alguns casos, vale à pena abrir mão dele para diminuir custos de transação, mas só na medida em que existam mecanismos alternativos de ajuste adequados.
Os Estados Unidos são um exemplo de uma situação favorável a uma moeda comum. Embora haja cinquenta estados federados, seus residentes falam, na grande maioria, o mesmo idioma, assistem aos mesmos programas de TV, veem os mesmos filmes, podem se movimentar de uma parte do país a outra (e de fato o fazem). Mercadorias e capitais se movem livremente entre estados. Salários e preços são moderadamente flexíveis. O governo federal arrecada e gasta duas vezes mais que os estados e governos locais. As políticas fiscais podem variar de estado para estado, mas as diferenças são mínimas em comparação com a política nacional comum.
Choques inesperados podem, de fato, afetar uma parte dos Estados Unidos mais que outra. Por exemplo, o embargo do Oriente Médio sobre o petróleo nos anos 1970 criou uma demanda maior por trabalho e crescimento em alguns estados, como o Texas, e desemprego e condições de recessão em outros, como os estados importadores de petróleo do Centro-Oeste americano. Mas os efeitos diversos de curto prazo logo foram mediados pela movimentação de pessoas e bens, por fluxos financeiros compensatórios do governo federal aos governos estaduais e locais, e por ajustes de preços e salários.
Já o mercado comum europeu exemplifica uma situação desfavorável a uma moeda comum. Ele é composto de nações separadas, cujos habitantes falam línguas diferentes, têm tradições diferentes, e são muito mais leais e ligados a seus próprios países que ao mercado comum ou à ideia de “Europa”. Apesar de ser uma área de livre comércio, os bens se deslocam com menos liberdade que nos EUA, assim como os capitais.
A Comissão Europeia, baseada em Bruxelas, gasta uma fração ínfima do total gasto por governos dos países-membros. São eles, não as burocracias da União Europeia, as entidades políticas importantes. Além disso, a regulação de práticas industriais e do mercado de trabalho é muito mais ampla que nos Estados Unidos, e difere muito mais de país a país que entre os estados americanos. Por essa razão, os preços e salários na Europa são mais rígidos, e o trabalho é menos móvel. Nessas circunstâncias, taxas de câmbio flexíveis são um mecanismo de ajuste extremamente útil.
Se um país é afetado por choques negativos que requerem, digamos, uma diminuição nos salários relativamente a outros países, esse objetivo pode ser atingido mudando um só preço – o câmbio -, em vez de serem necessárias mudanças em milhares e milhares de salários diferentes, ou a emigração de parte da força de trabalho. As dificuldades enfrentadas pela França devido à sua política do franco forte ilustram o custo de uma determinação política em não usar o câmbio para ajustar ao impacto da unificação alemã. O crescimento econômico da Grã-Bretanha depois do abandono do Mecanismo Europeu de Taxas de Câmbio há alguns anos para liberar a flutuação da libra ilustra a eficácia do câmbio como mecanismo de ajuste. [N.T.: A política de franco forte foi um plano do presidente francês François Mitterrand, no começo da década de 1990, para eliminar a inflação e fazer da moeda nacional, o franco, tão “forte” quanto o marco alemão. O Mecanismo Europeu de Taxas de Câmbio foi um acordo dos países da União Europeia para estabilizar suas taxas de câmbio, garantindo a estabilidade monetária mas inviabilizando o uso do câmbio como mecanismo de ajuste.]
Proponentes do “euro” costumam citar a era do padrão-ouro, de 1879 a 1914, como uma demonstração dos benefícios de uma moeda comum. Mas o padrão-ouro também teve seus custos. O período foi caracterizado por preços em queda de 1879 a 1896, inflação no período seguinte, e grandes flutuações durante toda sua duração, especialmente severas na década de 1890. O padrão só foi viável porque os governos eram pequenos (gastavam cerca de 10% da renda nacional, em vez dos atuais 50% ou mais), os preços e salários eram muito flexíveis, e a opinião pública estava disposta a tolerar (ou não tinha maneiras de evitar) choques amplos sobre a produção e o emprego. Tirando as lentes cor de rosa, fica claro que aquele o padrão-ouro não é um bom período para emular.
Hoje em dia, um subgrupo da União Europeia – talvez a Alemanha, os países do Benelux [N.T.: Bélgica, Países Baixos e Luxemburgo], e a Áustria – estão mais próximos de satisfazer as condições favoráveis a uma moeda comum que a UE como um todo. E eles têm, hoje, o equivalente de uma moeda comum. A Áustria e os três do Benelux vincularam, para todos os efeitos, suas moedas em marco alemão. Contudo, esses países ainda mantêm bancos centrais e podem, portanto, quebrar a vinculação se quiserem. Se algum país quiser vincular-se ao marco de forma mais firme, pode fazê-lo trocando seu banco central por um comitê monetário, como alguns países fora da UE já fizeram (caso da Estônia).
A pressão pelo euro tem tido motivação política, não econômica. O objetivo tem sido vincular a Alemanha à França de forma a tornar uma eventual guerra europeia impossível, e de forma a preparar o terreno para uma federação dos “Estados Unidos da Europa”. Acredito que a adoção do euro teria o efeito oposto. Iria exacerbar tensões políticas ao converter choques divergentes, que poderiam ter sido acomodados imediatamente por mudanças no câmbio, em polêmicas políticas internacionais. A unidade política facilitaria uma união monetária. Porém, uma união monetária imposta sob condições desfavoráveis se provará uma barreira à conquista da união política.