Por Jon Marcus, no Hechinger Report. Traduzido por João Pedro Lang.

Há um ditado na igualitária Noruega que Curt Rice, o futuro reitor da terceira maior cidade do país, gosta de repetir: “Estamos todos no mesmo barco”.

“Discriminar alguém, somos contra isso. Não combina com a alma norueguesa”, diz Rice, nascido nos Estados Unidos.

Todos os noruegueses têm acesso gratuito à universidade, independentemente de renda ou outras características. Todo estudante recebe o mesmo repasse para gastos corriqueiros.
 
Mas algo surpreendente está acontecendo na Noruega.
 
Embora a mensalidade seja quase totalmente grátis por aqui, um norueguês cujo pai não chegou à universidade é mais propenso a também parar os seus estudos antes, assim como os americanos.
 
O que esse enigma pode nos fazer entender sobre o acesso à educação ainda é pouco compreendido: dinheiro não é a única barreira que impede um adolescente pobre de ser o primeiro da família a cursar uma universidade.
 
Apesar da educação superior ser essencialmente gratuita – apenas 14% dos filhos das famílias menos escolarizadas no país estão matriculados em curso superior, contra 58% nas famílias mais escolarizadas, de acordo com uma análise da pesquisadora Elisabeth Hovdhaugen.

É quase exatamente a mesma proporção dos Estados Unidos, onde os estudantes e suas famílias arcam com o custo da educação universitária, e onde apenas 13% dos filhos de pais sem educação superior conseguem um diploma, segundo informe da Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

“Não acho que as pessoas entendam que não é uma questão de dinheiro”, disse John Gomperts, presidente e CEO da America’s Promise Alliance, uma coalizão de organizações tentando levar mais jovens à universidade nos EUA.

É uma questão importante, considerando que um terço de jovens de 5 a 17 anos nos Estados Unidos têm pais que não frequentaram a universidade, informa o College Board, num período em que os legisladores busca aumentar a quantidade de americanos com diplomas. Eles serão necessários para preencher os 65% de empregos que vão requerer, até 2020, algum tipo de treinamento universitário, conforme o Centro para a Educação na Força de Trabalho da Universidade de Georgetown.

“A Noruega é uma janela interessante para essa questão”, afirma Gomperts. “Se você vem de uma família na qual todo mundo vai à universidade, não há dúvida que você vai se formar também. Mas se você cresceu numa comunidade onde o sucesso no ensino superior é rara exceção, não há ninguém em sua casa que saberá como lhe ajudar. É preciso a quantidade exata de preparação social e apoio. É essa a mágica.”

O sistema norueguês elimina alguns obstáculos, além do custo. Exceto o jardim de infância, o ensino primário e secundário é financiado nacionalmente, não localmente, por exemplo, então não há grande diferença de qualidade entre cidades de baixa renda e de renda alta, como poderia haver entre bairros pobres e subúrbios abastados nos Estados Unidos. E o sistema norueguês de financiamento é fácil de entender, enquanto o sistema americano de empréstimos e subvenções é complexo e confuso, mesmo para famílias com experiência universitária.

Mas o princípio da igualdade social na Noruega também implica que não há nenhum programa de ajuda acadêmica específico para universitários de primeira geração ou de baixa renda, embora haja para imigrantes e para mulheres nos campos em que esses grupos são sub-representados.

“Ajudar alunos de baixo status socioeconômico não ocorre”, disse Hovdhaugen em seu escritório no Instituto Nórdico de Estudos sobre Inovação, Pesquisa e Educação, em frente ao palácio real em Oslo. “É a ideia da sociedade igualitária, na qual os estudantes são considerados adultos independentes de seus pais. Você poderia dizer que se estudantes cujos pais ricos não pudessem receber ajuda, isso seria visto como muito injusto.”

Além disso, porque os salários para cargos de trabalho manual são altos, ela afirma, há pouco incentivo financeiro para que alguns noruegueses se preocupem com a universidade. Afinal, eles podem ter um emprego mais rápido, e ganhar um salário semelhante, trabalhando como encanadores ou eletricistas. Defensores americanos do ensino superior estão preocupados que algo similar pode estar acontecendo nos EUA, à medida que as pessoas passam a questionar o retorno sobre o investimento num diploma; um recente relatório federal mostra que as rendas anuais de bacharéis de 25 a 34 anos de idade caiu de 53.210 dólares em 2000 para 46.900 em 2012, apesar do crescimento dos custos da universidade.

“Um bacharelado nos EUA foi visto como a única opção séria de entrada na classe média. Já na Noruega, tudo é um ingresso para a classe média, porque todos estão na classe média”, diz Rice. “Está ficando menos óbvio se a universidade é, realmente, um ingresso para a classe média nos EUA.”

A pontuação de estudantes americanos no SAT [N.T.: espécie de Enem dos EUA] e outros exames vestibulares tem correlação com o nível educacional de seus pais. Quanto mais educados são os pais de um aluno, mais alta será a pontuação dele ou dela no vestibular, de acordo com o College Board, que aplica o SAT.

Como a educação afeta a renda, filhos de pais que não foram à universidade também têm menos chances de ter um bom nível de vida, declara Margaret Cahalan, vice-presidente de pesquisa no Instituto Pell para o Estudo de Oportunidades no Ensino Superior. E famílias com menor renda são estatisticamente mais propensas a enfrentarem problemas de saúde, problemas legais e gravidez não planejada, entre outros desafios.

Estudantes com essas características “enfrentarão, em média, mais obstáculos que um aluno egresso de um contexto mais favorável”, incluindo contextos não financeiros, diz Cahalan.

Com um terço dos estudantes dos níveis fundamental e médio nos EUA vindo de famílias sem educação superior, a lição mais importante é que considerações culturais, e não só econômicas, podem impedir muitos deles de frequentar uma universidade.

Jovens com esses antecedentes familiares, quando ponderam ir ou não à universidade, às vezes “nem mesmo sabem que eles podem ir à biblioteca e pegar livros emprestados” em vez de comprá-los, diz Gomperts.

“Como você sabe disso? Você não nasce sabendo. E quem vai te contar? Tirar a variável dinheiro mostra como a questão é complicada.”

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