O panorama brasileiro

No Brasil hoje apenas 8% dos homicídios são resolvidos, ou seja, 92% dos homicidas ou não foram descobertos pela polícia ou chegaram à justiça e conseguiram provar sua inocência. O número é absurdo, mas real: dos 50.000 homicídios cometidos no Brasil em 2011, só 4.000 foram julgados e acabaram com a prisão de quem os cometeu.

Ao mesmo tempo, a população carcerária brasileira é a terceira maior do mundo, com mais de 700 mil presos. Ou seja, as cadeias estão cheias e os criminosos mais violentos soltos.

O índice de reincidência em crimes para quem vai preso no Brasil é de 70%. De cada 10 pessoas presas no sistema prisional tradicional, apenas 3 não voltam a cometer crimes. Já a reincidência de crianças e adolescentes que são internados por cometerem crimes na Fundação Casa varia entre 13 e 22%. [Link 1][Link 2][Link 3][Link 4]

Ainda assim, a redução da maioridade penal é vista como prioridade para segurança pública e vista por boa parte dos brasileiros e da classe política como uma das soluções para a violência no país, tanto é que ano passado boa parte dos candidatos que defendiam a redução da maioridade penal o faziam como sendo uma das suas propostas mais importantes para segurança pública. A razão para isso pode se dar pela noticiabilidade dada pela mídia por crimes cometidos por menores, que faz com que essa porcentagem pareça muito maior.

Mas será que o argumento de que a pessoa com 16 anos sabia o que estava fazendo quando cometeu o crime é um bom argumento para reduzirmos a maioridade penal? Olhando pra esses dados talvez possamos concluir até o contrário: se a reincidência em presídios normais é muito maior que nas Fundações Casa, existe chance de redução da maioridade penal colocar esses jovens em uma verdadeira escola do crime e com isso a criminalidade aumentar invés de diminuir.

Outros caminhos são possíveis. Eu acredito que mudar a prioridade de recurso material e humano das polícias para investigar e coibir crimes violentos invés de contrabando e drogas; descriminalizar as drogas; pensar na ressocialização e redução da reincidência; desmilitarizar a PM; desburocratizar o judiciário; além, claro de ações sociais para evitar que as pessoas cheguem a cometer os crimes parecem medidas que talvez possam ter algum impacto na segurança púbica invés da demagogia da redução da maioridade penal.

“Mas e nos outros países?”

Muitas dúvidas que surgem nesse debate são acompanhados de dados como os dessa imagem:

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Entretanto, se observamos com mais cautela vemos que ela traz a frase “responsabilidade penal”. Ora, de acordo com a responsabilidade penal o Brasil está na média dentre esses países. A idade de responsabilidade penal no Brasil é de 12 anos. A partir dos doze anos de idade, um menor infrator no Brasil já passa por um processo de responsabilização e pode ser condenado a detenção e processo de ressocialização em uma Fundação Casa.

Abrindo o debate para os outros caminhos possíveis

Infelizmente as bandeiras realmente importantes no que tange a segurança pública não são levantadas ou trazidas ao debate eleitoral, entretanto, acredito que passar um pouco por cada uma delas entendendo suas prerrogativas, seus argumentos e abrindo as questões para o debate, invés de fechar como uma solução pronta, faça sentido. Acredito que precisemos debater soluções, mas soluções reais e não discursos demagógicos. Essa parte da postagem será colaborativa: contribuições, caminhos e sugestões serão adicionadas ao post conforme forem comentadas.

Mudança de prioridade

Hoje a segurança pública brasileira tem o grande foco no combate às drogas e ao contrabando. Ora, se os recursos para a segurança pública não são infinitos e sim escassos, é necessário um foco. Afinal, a quantidade de horas de trabalho feitas pelos agentes de segurança é limitado, então é melhor investir essas horas em combater crimes violentos do que os chamados crimes sem vitima (contrabando, tráfico pacífico de drogas, pirataria, comércio ilegal de produtos e serviços e etc.).

A retórica de endurecer penas, punir cada vez mais forte – adultos e adolescentes – é falaciosa. Não adianta aumentar penas, tornar mais modalidades de crimes violentos hediondas. Haja vista o dado inicial de que 8% dos homicídios são resolvidos, o principal problema é a impunidade. Se ao matar alguém você tem 92% de chance de sair impune, a dureza da pena não faz tanta diferença. A certeza da punição é mais importante do que a dureza da pena. E uma vez para ser punida, a pessoa também precisa ser reintegrada para que se reduza o índice de reincidência, senão se cria um ciclo cada vez maior de violência.

Desburocratização do Judiciário

O Brasil hoje possui um dos judiciários mais morosos e ineficientes do mundo. O que é uma contradição, já que temos os juízes mais produtivos do mundo. Ou seja, faltam juízes, falta simplificação de processos e  diversos mecanismos de celeridade. É uma discussão também bastante em aberto, não tenho muito mecanismo para propor essa ou aquela mudança.

Entretanto, a mudança certamente se faz necessária. 40% dos presos no Brasil são presos temporários, ou seja, pessoas que estão presas sem sequer receber julgamento. Muitas delas passam mais tempo na cadeia de forma “temporária” do que a pena o condenaria, isso quando não são absolvidos, o que acontece com muitas prisões temporárias.

A maior parte dos presos temporários são pobres. Pessoas que não tem condição de pagar sua fiança, ou que ficam sem acesso à advogados e que sofrem ao precisar de defensores públicos para tira-los dessa condição, uma vez que no Brasil o déficit de defensores públicos é de 66%.

Descriminalização das drogas

O combate às drogas tem fracassado no Brasil e no mundo. A violência derivada da proibição, tanto pelos policiais, quanto por traficantes, quanto por usuários que depois de encarcerados passam a cometer crimes violentos só aumenta. O consumo de drogas ilícitas também só aumenta (portanto o argumento de que o combate à droga livra nossa população do consumo é falso).

Com o consumo e a comercialização das drogas descriminalizado, não existe mais a figura do traficante e não é necessário o uso da violência para manter o seu império de drogas. Tanto é que a legalização da maconha no Colorado (EUA) vem quebrando diversos cartéis no México. Já no Uruguai, a legalização da maconha reduziu a zero o número de mortes relacionadas ao tráfico, comércio, consumo ou transporte da maconha. Em Portugal, que o consumo de todas as drogas foi desregulamentado e a segurança pública mudou o foco do combate às drogas para outras medidas e a questão das drogas passou a ser vista como questão de saúde, o número de portugueses em tratamento por dependência subiu, o consumo de drogas entre jovens de 15 a 19 anos caiu (!).

Ora, se enquanto o consumo de drogas ilícitas no Brasil sobe e o consumo de cigarro (droga lícita) cai, talvez um combate mais efetivo ao uso das drogas seja através de campanhas de conscientização e da questão da saúde e não através da proibição e da repressão, que gera resultados perversos na segurança pública de um país.

Sobre tanto a questão da prioridade da segurança pública, quanto da descriminalização das drogas, sugiro ver esse vídeo (ativem as legendas, embora seja sobre a a realidade norte-americana, se encaixa no Brasil):

Ressocialização e redução da reincidência criminal

Como apontado inicialmente, a reincidência criminal no Brasil é de 70%. Nas Fundações Casa, mesmo com muitas críticas feitas a elas, a reincidência é bem menor, chegando no máximo a 22%. Ou seja, talvez medidas educativas, oportunidades de emprego e trabalho, técnicas para ressocialização como fazer faculdades e cursos fora façam mais sentido do que a lógica atual do encarceramento.

De nada adianta privar a pessoa de liberdade por um crime não-violento e/ou por um crime violento de pequeno dano e a cadeia ser uma verdadeira escola do crime que tende a piorar a situação da segurança quando aquele preso sai.

Uma das alternativas possíveis foi apontada pelo meu amigo pirata Paulo Crosara, um modelo em expansão em Minas Gerais e em São Paulo chamado APAC em que a reincidência é de 15%.

A principal diferença entre a APAC e o Sistema Prisional Comum, é que na APAC os próprios presos ( recuperandos) são co-responsáveis pela sua recuperação e têm assistência espiritual, médica, psicológica e jurídica prestada pela comunidade.

A segurança e disciplina do presídio são feitas com a colaboração dos recuperandos, tendo como suporte os funcionários, voluntários e diretores da entidade, sem a presença de policiais e agentes penitenciários. Fonte.

Esse modelo é interessante por estar sendo aplicado já no Brasil e demonstrando resultados. Mas existem diversos outros modelos mundo a fora que podem levar a um caminho mais interessante. O modelo Norueguês, por exemplo, consegue recuperar 80% dos seus presos.

Desmilitarização da Polícia Militar

Hoje o Brasil possui a Polícia Militar, que é responsável pela proteção da comunidade, prevenção de crimes e flagrantes. E a Polícia Civil, responsável pela investigação e apuração de infrações penais.

A Polícia Militar brasileira está entre as polícias que mais matam no mundo. São 5 homicídios por dia, sendo que a maior parte dos mortos pela polícia são negros. Em São Paulo, o índice de negros mortos pela PM chega a ser 3x maior do que o de brancos mortos pela mesma instituição. Além disso, os próprios policiais militares vivem numa situação de insegurança: a chance de um policial ser morto no Brasil é três vezes maior do que em outro país. Talvez por isso, 77,2% dos policiais sejam a favor da desmilitarização da PM. A pesquisa completa e destrinchada dá pra ser lida aqui, é bem interessante notar as razões pelas quais os policiais são a favor da desmilitarização.

A desmilitarização da polícia não pode vir sozinha. Apenas tirar os aparatos militares da polícia mas manter a lógica por trás da PM mudaria muito pouco. Uma completa reforma das polícias, suas prerrogativas, seus treinamentos e funcionamentos na questão de integração com as comunidades e da forma de lidar com o cidadão precisa ser pensada, e eu não tenho a fórmula para isso, acredito que a discussão nesse tema está muito em aberto. Mas certamente desmilitarizar é parte importantíssima desse processo.

Evitar que as pessoas comentam crimes

Para além da discussão filosófica da responsabilidade individual do infrator versus a sua condição social, o dado concreto é que em países em que há mais oportunidades de estudo, esporte e lazer para os jovens e trabalho e educação para os adultos, o índice de criminalidade é menor. É isso que deve ser buscado, oportunidades de estudo, e empregos dignos para todos.

No aspecto geral é interessante observar os países com menores criminalidades e observar como, mesmo em países tão diversos e com tantas dificuldades como o nosso, como a Índia, o índice de crimes bem mais baixo.

 

Resumo tl;dr:

  1. A responsabilidade penal no Brasil já é de 12 anos, entretanto a punição é feita na instância das Fundações Casa, em regime diferenciado dos adultos
  2. A reincidência de crimes de menores reformados pela Fundação Casa varia entre 13 e 22% enquanto nas prisões tradicionais é mais de 70%
  3. Por isso, empurrar os jovens infratores para esse sistema prisional falido pode fazer aumentar a violência invés de diminuir
  4. Talvez reformar o sistema punitivo, carcerário e prisional brasileiro – para adultos e jovens – mexer na efetividade das polícias e do judiciário, tirar o foco do combate ao crime do contrabando e da droga para o combate à violência, além de mais oportunidades de trabalho estudo e lazer para jovens e adultos podem ser alternativas mais importantes do que reduzir a maioridade penal
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