Recentemente (e mais uma vez) a Venezuela tomou os jornais mundiais com uma grave crise de falta de produtos básicos (como, por exemplo, camisinhas) durante o governo de Nicolás Maduro – o escolhido por Chávez para continuar a revolução bolivariana. O fracasso do bolivarianismo enquanto projeto econômico fica cada vez mais claro em um país cujo povo tem dificuldade para achar bens de primeira necessidade nos super-mercados [1]. Como se chega em uma situação tão calamitosa onde se possui petróleo em abundância? Como a população de um país abraça a liderança populista e com fortes traços autoritários do chavismo?

Para entender a situação, é preciso voltar aos anos 70, os anos de ouro na Venezuela. Com o boom do preço do petróleo, a Venezuela se torna um país rico com uma moeda forte e o Estado começa a gastar e promover a política de desenvolvimento receitada pela CEPAL: a Industrialização por Substituição de Importações (ISI), tendo um câmbio fixo. Por um momento, pareceu a receita para o sucesso e o PIB per capita venezuelano chegou, em 1981,  a 4.855 dólares, enquanto ao PIB per capita médio da América do Sul era de 2.281 dólares (em valores correntes).

A ruína veio em uma história que permite paralelos com vários países (inclusive a Grécia contemporânea). Em 1989, o PIB per capita venezuelano estava abaixo da metade do patamar de 1981 . Os fortes gastos públicos, a moeda sobre-valorizada e o déficit na balança comercial tornaram-se insustentáveis, ainda mais em um período com baixa do preço do petróleo no mercado internacional. O governo, a contra-gosto, torna o câmbio flutuante. Num cambaleante zig-zag de políticas econômicas ortodoxas e intervencionistas (variando conforme o preço do petróleo), o resultado alcançado em 1991 é calamitoso: 69,8% das famílias viviam na pobreza, das quais 35,8% eram classificadas como extremamente pobres. Além disso houve um agravamento da desigualdade social em que os 10% mais ricos detinham 43% do PIB, enquanto os 10% mais pobres detinham 1,8%. [2].

Soma-se isso, uma enorme repressão a manifestações. Em 1989, após o aumento da tarifa de ônibus acontecem as maiores manifestações em década no país que são duramente reprimidas pelo exército com diversos mortos e feridos. Esse evento conhecido como Caracazo marca a sociedade venezuelana.

É disso que surge Chávez. Surge em uma sociedade que culpa no antigo regime os fracassos políticos e econômicos e deseja, visceralmente, mudança. E consegue essa mudança. Uma nova constituição é aprovada, a renda da população volta a crescer e se iniciam as misiones – projetos sociais amplamente usados pelo regime chavista para ganhar as eleições [3]. A Venezuela vive um novo boom, o peço do petróleo volta a subir drasticamente graças à OPEP e às guerras no Iraque e Afeganistão. Com isso, o governo volta a aumentar os gastos públicos, a manter uma taxa de câmbio fixa, promover a industrialização.

O petróleo, no entanto, voltou a cair. E as contas públicas voltaram a ser insustentáveis, levando a uma grave crise econômica e o deterioramento dos avanços sociais. O atual caos político leva o presidente Maduro a sua menor aprovação [7] e ao crescimento das manifestações contra o governo chavista que levaram, recentemente, o governo voltou a utilizar os militares para inibirem manifestações com resultados desastrosos e que tendem a serem piores com a recente autorização para utilização de armas de fogo. Tudo isso em um Estado que tem recorrentes acusações de atentados contra os direitos humanos.

Karl Marx, uma vez escreveu: “Hegel observa em uma de suas obras que todos os fatos e personagens de grande importância na história do mundo ocorrem, por assim dizer, duas vezes. E esqueceu-se de acrescentar: a primeira vez como tragédia, a segunda como farsa.”. Isso sem dúvida é verdade para a Venezuela que sofreu e sofre com uma elite política irresponsável nos tratos das contas públicas e que reprime a população protestando contra essa irresponsabilidade.

O ano de 2015 tem tudo para ser um ano para novas mudanças na Venezuela. Ocorrem eleições parlamentares e, dada a alta rejeição ao presidente, a oposição tem tudo para se sagrar vitoriosa. Resta saber se o presidente Maduro vai respeitar o processo democrático e se a oposição vai, finalmente, aprender com os erros do passado.

 

Referências:

[1]  http://www.bbc.co.uk/news/world-latin-america-22526622 

[2] BUXTON, J. The Bolivarian Revolution as Venezuela’s Post-crisis Alternative. In: GRUGEL, J.; RIGGIROZZI, P.; (EDTS.) Governance after Neoliberalism in Latin America. New York: Palgrave Macmillan, 2009. Cap. 07, p. 147-173.

[3]  PENFOLD-BECERRA, M. Clientelism and Social Funds: Evidence from Chavez’s misiones. Latin American Politics and Society, 49, n. 04, 2007. 63-84.

 

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