Por Arthur Niculitcheff
Recentemente Hélio Beltrão escreveu um texto para o Instituto Mises Brasil explicando como o Banco Central poderia operar de maneira mais condizente com os princípios da Escola Austríaca.
Considero esse tipo de iniciativa extremamente importante: a maioria das mudanças na sociedade é marginal, e, por isso, devemos não só dizer aonde queremos chegar como também apontar os caminhos que levam na direção dos nossos objetivos.
Apesar disso, o texto tem alguns problemas. O texto se divide em 2 partes, a primeira apontando os problemas da existência do Banco Central, e a segunda propondo soluções para mitigá-las. Em ambas as há problemas, mesmo desconsiderando minhas discordâncias com a Teoria Austríaca dos Ciclos Econômicos.
O primeiro parágrafo descrevendo os problemas do Banco Central é:
“A teoria econômica ensina que monopólios legalmente protegidos e que não precisam prestar contas a ninguém serão sempre ineficientes. Sem estarem sujeitas à concorrência, ao monitoramento e ao escrutínio do mercado, tais organizações sempre tenderão a tomar decisões economicamente insensatas. Pior ainda: serão capturadas por interesses especiais.”
Há aí alguma confusão. Os monopólios em geral tomam decisões economicamente sensatas para maximizar seus lucros, mesmo os legalmente protegidos, e não faz sentido falar em captura por interesses especiais de monopólios. Há uma mistura conceitual entre os conceitos de monopólio e de agências estatais. Os monopólios maximizam seus lucros, mas de um modo que não é socialmente ótimo. Já agencias estatais podem tomar decisões economicamente insensatas e serem capturadas, basicamente porque não são regidas pela busca pelo lucro. Enquanto é verdade que essa crítica aplica-se ao Banco Central, isso não se deve somente por ele ser um monopólio, mas sim por ser uma agência estatal.
Além disso, sobre a ligação do Banco Central com aumento do governo, Helio Beltrão escreve:
“À medida que os bancos — protegidos pelo Banco Central — expandem o crédito, a quantidade de dinheiro na economia aumenta. Consequentemente, as receitas tributárias do governo aumentam. O aumento das receitas tributárias permite que os gastos do governo também aumentem. À medida que os gastos do governo aumentam, o tamanho do governo aumenta. À medida que o tamanho do governo aumenta, o número de leis, regras e regulamentações que ele cria também aumenta. À medida que o número de leis, regras e regulamentações aumenta, o número de transgressões e violações involuntárias também aumenta.”
Isso simplesmente não pode ser verdade. As receitas tributárias do governo estariam aumentando somente devido ao aumento de preços na economia. Os aumentos dos gastos do governo permitidos por isso será apenas o suficiente para o governo comprar as mesmas coisas que comprava antes. Apesar dos muitos males atribuíveis ao nosso atual sistema monetário, aumentar automaticamente o governo por meio da inflação não é um deles.
Sobre as propostas, acredito que elas vão em um sentido acertado de começar pelo término das funções regulatórias do Banco Central, tratando posteriormente de suas funções monetárias. Apesar disso, as propostas ficam bem aquém da pergunta: “Como o Banco Central poderia operar de acordo com os ensinamentos da Escola Austríaca?”.
Essa resposta não é dada, só os caminhos para um derradeiro fim do Banco Central. Especificamente, mesmo dentro da proposta de bandas para a SELIC, não há nenhuma descrição de sob qual critério a SELIC deveria ser decidida. Penso que poderia fazer uma proposta mais adequada e que os austríacos podem ver como uma melhora, apesar de não cumprir completamente os objetivos deles.
Ao invés do sistema proposto para a SELIC, proponho uma abstenção completa de intervenções governamentais no mercado interbancário, acabando com a manipulação da taxa de juros. A política monetária seria feita completamente por expansão e contração monetária, por intermédio da compra de títulos de dívida publica no mercado secundário, seguindo uma regra clara.
Uma proposta extremamente bem aceita pelos defensores do livre mercado para qual seria a melhor regra nesse caso, apoiada por importantes proponentes do movimento de Free Banking, é a meta de demanda agregada (ou PIB nominal). Nesse regime, o governo criaria contratos vinculados ao nível futuro da demanda agregada, e o Banco Central criaria e destruiria dinheiro ao comprar e vender esses contratos, garantindo que o preço deles fosse sempre fixo.
Isso garantiria que, sempre que a expectativa de demanda agregada fosse menor que a meta, o Banco Central criaria mais dinheiro, e, sempre que fosse maior do que a meta, destruiria dinheiro, acabando completamente com a discricionariedade da política monetária, ao permitir que mecanismos de mercado regulassem a criação e destruição de moeda.
Enquanto ainda tivermos de viver sob um Banco Central, penso que todos podemos concordar com uma política monetária que dê menos poder para os burocratas e mais poder para o mercado.
Arthur Niculitcheff é graduando em Ciências Econômicas na PUC-SP. Seus principais interesses, além de economia, são história, filosofia da ciência, e transhumanismo. Costuma passar o tempo livre lendo, estudando ou vagando pelas ruas do centro de São Paulo. Como todas as crianças criadas na blogosfera, é um monetarista de mercado e membro da conspiração bayesiana.