Por Matt Zwolinski

Tradução por Pedro Galvão de França Pupo, original aqui

Ontem (N. T: junho de 2013), na minha caixa de entrada, eu encontrei uma mensagem anunciando um futuro episódio de Frontline que explora “a realidade do estupro no ambiente de trabalho” para imigrantes que trabalham em campos, fazendas e fábricas americanas.

Por coincidência, eu recentemente havia lido esse ótimo ensaio de Charles Johnson sobre cultura de estupro, teoria social libertária, e o conceito hayekiano de ordem espontânea.

Encontrar esses dois itens juntos me fez lembrar do debate que aconteceu, quase exatamente um ano atrás, entre algumas das pessoas no site Crooked Timber e alguns  de  nós aqui no blog Bleeding Heart Libertarians sobre a capacidade que ideais libertários tem em reconhecer e lidar com coerção no ambiente de trabalho. E me fez perceber que eu precisava articular um ponto que eu considero importante e que não foi mencionado naquele debate.

O ponto é que tanto libertários quando a esquerda estão propensos a cometer um certo tipo de erro na hora de pensar sobre coerção no ambiente de trabalho. Os dois erros envolvem uma falha em apreciar a ideia hayekiana de ordem espontânea. Mas as falhas ocorrem em categorias diferentes de fenômenos, e resultam em prescrições legais e sociais diferentes (mas igualmente erradas).

A esquerda reconhece que poder, coerção, e opressão frequentemente são fenômenos sociais tanto quanto são fenômenos legais. E eles reconhecem o modo pelo qual atos dispersos de racismo e sexismo podem resultar em danos sociais cumulativos que ninguém pretendia e nem previu. O exemplo recorrente de Charles Jonhson é a “teoria Myrmidon” de Susan Brownmiller sobre estupro cometido por estranhos. Estupradores individuais certamente não estão tentando colocar as mulheres em uma posição de subordinação, mas isso não significa que a soma acumulada de suas ações não tem esse efeito.

De forma similar, compradores e vendedores de casas com uma pequena preferência por vizinhos da sua própria raça não pretendem criar vizinhanças racialmente segregadas, e patrões que restringem a liberdade de seus trabalhadores de várias maneiras podem estar só tentando reduzir gastos. De fato, a injustiça social pode ser uma propriedade emergente. Mas a esquerda presume com frequência que esses males dispersos exigem uma solução centralizada e coerciva. Para o problema de assédio sexual, ou salários baixos, ou condições de trabalho ruins, a solução padrão da esquerda é: “Devia haver uma lei para isso.”

Libertários, por outro lado, reconhecem que problemas sociais frequentemente podem ser enfrentados, e às vezes enfrentados com mais eficiência, por várias formas de atividades voluntárias descentralizadas. Criadores de gado no condado de Shasta resolvem disputas via normas informais sem precisas apelar para uma lei formal, indivíduos decidem usar certos bens como dinheiro sem nenhuma direção centralizada ou imprimatur legal, e firmas buscando apenas o lucro agem de maneiras que enriquecem a todos nós  sem que estejam tentando fazer isso.

Mas libertários tem dificuldades em reconhecer que comportamentos descentralizados e/ou não-coercivos também podem resultar em males sociais graves – daí sua dificuldade em levar a sério os problemas do sexismo, racismo, cultura de estupro, e o comportamento abusivo de empregadores privados. Se nosso esquerdista caricato afirma que todo problema social precisa ser resolvido por uma lei, nosso libertário caricato afirma que se algo não está na lei, então não é um problema de verdade.

Tanto o esquerdista quanto o libertário compreendem algo que o outro ignora.

E os dois cometem um engano que o outro evita. A esquerda fica com uma visão mais precisa e abrangente de vários males sociais, junto com uma fé ingênua na capacidade e no desejo dos legisladores de resolver esses problemas. Libertários tem uma visão mais realista da política, e uma compreensão melhor do potencial positivo da ordem espontânea, mas eles combinam isso com um foco estreito e exclusivo na coerção como a única fonte de males sociais – e geralmente apenas a coerção centralizada e estatal.

Para simplificar (um pouco demais), a esquerda tem uma compreensão melhor da natureza dos problemas sociais, enquanto que libertários tem uma compreensão melhor das forças e limites dos métodos voluntários e coercivos de resolver esses problemas.

Nós aqui no Bleeding Heart Libertarians somos criticados por nossos colegas libertários por levar a sério preocupações tradicionalmente de esquerda como a cultura de estupro. E, naturalmente, somos criticados pela esquerda por não nos preocuparmos o suficiente com problemas como abusos contra trabalhadores. Mas as duas críticas partem de uma compreensão errada do projeto BHL. Libertários presumem incorretamente que se nós estamos levando a sério as preocupações da esquerda, isso significa que nós também vamos adotar as soluções da esquerda para esses problemas. E a esquerda presume que se nós não estamos adotando as suas soluções, então não estamos sendo realmente honestos sobre nossa preocupação.

As duas respostas estão erradas, e as duas ignoram a possibilidade de uma visão que leva a sério as preocupações da esquerda, enquanto também permanece firme na análise libertária tradicional das dinâmicas sociais e políticas. É justamente essa combinação, eu acho, que tornam tão distintas e importantes a abordagem do libertarianismo bleeding heart e várias formas de libertarianismo de esquerda.

 

 

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