Por Leonardo Tavares Brown

Quais critérios você usa para avaliar o atual governo? Todos têm uma série de razões que usa para avaliá-lo, mas uma razão pouco abordada é, na verdade, singela: crescimento econômico. E você se pergunta ”por que eu deveria ligar pra isso?”.

Admitindo umas simplificações*, imagine o seguinte: Você tem 22 anos, acaba de sair da faculdade, consegue um emprego recebendo R$ 1000 e decide se aposentar com 60 anos. Suponha que o país crescesse na taxa média dos países emergentes, ou seja, aproximadamente 6% ao ano. Nesse cenário, você se aposentaria 7 vezes mais rico, ou seja, ganhando R$ 7.300. Por outro lado, se o país crescer dentro da estimativa para seu PIB potencial, 2,9%**, você vai trabalhar 38 anos e se aposentar ganhando R$ 2.400, quer dizer, 3 vezes mais pobre do que no primeiro cenário.

Isso importa mesmo se você for uma pessoa materialmente desapegada: o crescimento é uma variável que afeta tudo, inclusive as receitas do governo e a possibilidade de destinar mais gastos para educação, saúde e programas de distribuição de renda. Em outras palavras, crescimento econômico é o que vai dizer se seu filho vai nascer na Líbia ou na Coréia do Sul; é um problema tão sério quanto a inflação era na década de 90.

O Brasil depara-se com o seguinte drama hoje: o governo atual não vai desatar esse nó.

Não só porque o crescimento médio com Dilma vai encerrar em 1,6%. Não só porque ela articulou todo um discurso pra justificar isso e acostumar as pessoas com a ideia do crescimento baixo. O governo não vai resolver esse problema porque ele exige decisões difíceis e o PT não tem um bom histórico com esse tipo de decisão. Pelo contrário, ele lucrou politicamente atacando as decisões difíceis de seus adversários.

Para entender melhor o que seriam “decisões difíceis”, vamos voltar um instante para a década de 90. Vou evitar discutir política econômica em geral e lembrar só de algumas reformas institucionais que foram feitas nos dois governos de FHC: privatização de bancos estaduais, quebra de monopólio da Petrobrás, Lei de Responsabilidade Fiscal, tripé macroeconômico e PROER (Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento do Sistema Financeiro Nacional). Existem muitas outras, mas vou me limitar só a essas e colocá-las em contexto.

Em relação à Petrobrás, destaque-se que tamanha era historicamente a força política do monopólio da Petrobrás no Brasil, na década de 70 Geisel tomou a decisão consciente de quebrar o país para poder manter o controle da Petrobrás na exploração de petróleo. Na ocasião da quebra do monopólio, em 1997,  Bolsonaro chegou a dizer que “o erro da ditadura foi não ter matado Fernando Henrique”. Em um momento histórico no qual, mais uma vez, a esquerda brasileira deu as mãos com os setores mais reacionários do país, Lula, por pressão direta da então ministra Dilma, cancela os leilões de concessão, retrocedendo pra um cenário parecido ao que tínhamos décadas atrás.

Continuando, grande parte da inflação na década de 90 era impulsionada pelos bancos estaduais, portanto, a privatização desses bancos era imprescindível. O que pouca gente reconhece, no entanto, é que privatizar bancos estaduais era como mexer no caixa automático particular de gente como Brizola e Quércia, ou seja, “entrar nu na jaula do leão”.

A Lei de Responsabilidade Fiscal e o tripé macroeconômico, por vez, colocaram um fim em um legado de estupidez que durava mais de um século, afrontando os interesses de grandes setores econômicos e políticos que tiravam proveito da frouxidão das contas públicas e do controle do câmbio, que são ferramentas pra distribuir renda da vasta população pra uma elite politicamente conectada.

Como o PSDB conseguiu essas façanhas é um mistério, provavelmente comprou deputados no atacado. O importante é que você não vai ouvir sobre essas coisas na campanha eleitoral. Aécio Neves não vai gravar horário sobre isso. Sua professora com doutorado em sociologia não vai comentar sobre o assunto em sua declaração de “voto crítico” no facebook.

Apesar dessas decisões terem contribuído para tirar o país de uma selva secular, o ganho político que pode ser extraído delas é exatamente zero. Essa é a lição importante que o PT aprendeu. Com Collor, a cúpula do PT aprendeu que nunca deve ir contra interesses estabelecidos, principalmente aqueles bem representados no congresso. Com FHC, a cúpula do PT aprendeu que nada que não renda uma boa campanha eleitoral vale a pena ser feito.

No começo do primeiro mandato de Lula havia um consenso que, após a estabilização, o próximo desafio do país era o crescimento e, para isso, o ritmo de reformas difíceis precisava continuar. Dessa forma, talvez em 15 ou 20 anos o Brasil entraria no grupo seleto de países desenvolvidos, mais ou menos o tempo que a Coréia do Sul, partindo de um patamar similar, levou para entrar na OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico).

O que era necessário para isso? Uma reforma tributária, uma reforma previdenciária, uma reforma trabalhista e uma série de reformas microeconômicas pra prover os incentivos necessários pra um aumento da taxa da poupança, da escolaridade, da construção de infraestrutura, da formação de capital fixo e da produtividade.

Sabe quantas dessas medidas foram tomadas em uma década? Nenhuma.

Excetuando alguns progressos marginais na reforma previdenciária e a reforma do crédito – o que não é exatamente um ato de bravura, considerando a quantidade de gente que vai votar na presidente porque conseguiu financiar o carro em 80 vezes –, nada foi feito.

Durante todo esse tempo o Brasil se desenvolveu abaixo da média de outros países emergentes e, em alguns aspectos, piorou em termos absolutos. A principal coisa que o PT fez nesses 12 anos foi aproveitar a estabilização econômica e o aumento no preço das commodities para elevar a receita do governo e gastar. Todos seus índices de aprovação, toda sua base no congresso, todos os escândalos de propina de parlamentares não serviram para absolutamente nada, nenhum problema espinhoso foi resolvido.

É claro que existe mérito em um programa social bem focalizado e eficiente, como o bolsa-família, mas isso não é exatamente uma proeza política. Tendo receita, qualquer governo vai gastar, simplesmente porque isso dá voto. Ao contrário do que prega a cantilena dos ingênuos, antes não havia gasto porque não tinha dinheiro, não porque esse ou aquele político tem raiva de pobre. Qualquer partido tem incentivos pra tributar e gastar, isso não incomoda ou mobiliza ninguém, principalmente em um país onde o peso dos impostos se distribui, de forma invisível, mais entre os pobres do que os ricos.

A questão não é apenas da inércia do PT em resolver problemas que eram pra ontem, mas sim na persistência do partido em obter vantagem atacando a vontade política de seus adversários de resolverem esses problemas, geralmente se apoiando no medo e na falta de conhecimento da população.

Isso ficou bem claro durante essa campanha, mas é um padrão que se perpetua há muitos anos.

Lula costumava dizer, na década de 80, que “a CLT é o AI-5 dos trabalhadores”, mas Dilma não se sentiu constrangida em atacar Marina quando ela sugeriu a atualização de um código arcaico, baseado na legislação da Itália fascista. Apesar da própria Dilma ter reconhecido a importancia da autonomia do Banco Central, ela também não hesitou em mudar de opinião pra poder tirar proveito eleitoral da ignorância das pessoas no assunto. Durante a sua campanha, comemorou o recorde das exportações de ferro enquanto condenava a privatização da Vale. Frequentemente atacou o PROER, mas o sistema bancário brasileiro permaneceu resiliente na crise de 2008 por causa do saneamento que foi feito na década de 90. Chamou seus adversários de “marionetes de bancos” enquanto os ganhos de tesouraria (lucros obtidos com o financiamento da dívida mobiliária do governo) só aumentaram durante seu mandato.

Então é óbvio que o PT não vai resolver esses problemas nos próximos quatro anos. É um partido viciado em dividendos políticos, incapaz de ameaçar seu potencial eleitoral para realizar algo que dê frutos no longo prazo.

Entretanto, talvez o pior seja constatar a traição do projeto histórico de uma esquerda que lutou pela democracia.

Depois de tantos anos, o nosso país continua um dos lugares mais perigosos do mundo para jornalistas, o governo intimida e ameaça abertamente a imprensa, a política industrial emprega instrumentos que concentram renda nas mãos de grandes empresas politicamente bem relacionadas, a política externa apoia países que violam sistematicamente direitos humanos, pobres foram expropriados em nome de projetos oportunistas (como durante a Copa do Mundo), violência sem precedentes foi empregada contra estudantes e manifestantes, o trabalhador*** sofre mais do que qualquer um sob o peso de impostos, o casamento entre pessoas do mesmo sexo se tornou realidade por uma intervenção do judiciário e a guerra às drogas continua mais forte do que nunca.

Todos estamos menos prósperos (ou seja: mais pobres) do que poderíamos estar, e ainda continuamos vulneráveis às violações governamentais de direitos civis: a oportunidade de mudar esse cenário foi o que o Brasil perdeu nos últimos doze anos.

 

Notas

* Admitindo o PIB per capita como medida, projetando o crescimento pros próximos 38 anos e dividindo pela estimativa populacional do IBGE.

** Ainda é uma medida superestimada. A previsão de crescimento da PEA a partir de 2015 pelo IBGE é 1% ao ano, somado à tendência persistente de crescimento da produtividade por homem ocupado de 1,5%, você chega a 2,5% ao ano.

***Nota do Editor: A imagem que ilustra este artigo é a pintura “Operários”, de Tarsila do Amaral, 1933. Palácio de verão do Governo de São Paulo, Campos de Jordão. Se o Brasil perdeu uma oportunidade, foram principalmente os trabalhadores deste país que a perderam.

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Leonardo Tavares Brown é graduando em economia e uma sub-celebridade virtual.

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