Por Valdenor Júnior

Quando se analisa a redução da pobreza no Brasil ao longo dos governos do PT (ou do próprio PSDB), é necessário comparar isso com a redução da pobreza que houve no Brasil antes desses governos e a que houve em outros países subdesenvolvidos na mesma época.

O objetivo de fazê-lo não é tentar subestimar a importância da redução da pobreza e da extrema pobreza que ocorreu nos últimos 12 anos (ou 20 anos), mas sim colocá-la em perspectiva.

A extrema pobreza durante os mandatos do PT caiu de 15,2% da população para 5,3%, o que foi uma conquista muito importante para as pessoas de menor renda. Isso significa que mais da metade da proporção de pessoas que estavam na extrema pobreza em 2002 saiu dessa condição, uma vez que 10,1% é mais que a metade de 15,2%. Mas quando você olha em termos da população total, a redução da extrema pobreza não foi mais que metade da população, mas sim de 10,1% da população total que escapou dessa condição de miséria.

Por que ressaltar que foram 10,1% da população que saiu da extrema pobreza? Porque isso nos permite comparar com o Brasil do passado e com outros países subdesenvolvidos pós-1990 e pós-2000.

A proporção de pessoas na população na extrema pobreza já mudou consideravelmente nos últimos dois séculos. Até a revolução industrial, estima-se que 80% da humanidade vivia em extrema pobreza. Foi com o surgimento de economias de mercado modernas que esse panorama de miséria começou a mudar, uma vez que mais riqueza e renda foram criadas.

Então, se 80% da humanidade vivia na extrema pobreza, podemos supor que o Brasil antes de qualquer industrialização tinha essa mesma proporção de população na extrema pobreza. O motivo para essa opção é que não temos motivos para considerar que o Brasil estivesse em condições particularmente melhores ou piores que o resto do mundo. No caso, podemos dizer que a industrialização brasileira começou na 1ª República.

Portanto, nossa estimativa é que aproximadamente 80% da população brasileira estava vivendo em extrema pobreza no início da 1ª República, em 1889.

Isso significa que para chegar nos índices falados acima, 15,2% e 5,3%, muitas pessoas no passado já tinham saído da extrema pobreza no Brasil. Falando de forma mais clara: 64,8% foi retirado da extrema pobreza antes do governo Lula. Considerado que, com o FHC principalmente por conta do Plano Real, a pobreza extrema caiu de 20,3% para 15,2% em 1993-1994 e ficou oscilando próximo desse último valor (veja o gráfico), isso significa que, antes do PSDB e do PT na presidência, 59,7% já havia saído da extrema pobreza.

Caso você esteja se perguntando porque estamos usando proporção percentual, não quantidades absolutas, o motivo é que essa é a melhor forma de mensurar se estamos conseguindo resultados efetivos em relação a certo fenômeno. No caso da proporção da população na extrema pobreza, o número absoluto de pessoas nessa condição depende da quantidade total da população e da taxa de crescimento dessa população. Então, digamos que a proporção da extrema pobreza não tivesse caído (desde 1889) para 20,3% em 1993, mas tivesse continuado em 80%. Se o crescimento populacional fosse o mesmo que efetivamente ocorreu, a quantidade absoluta seria muito maior que aquela de 1889. Portanto, o fato de 59,7% da população (que estaria na extrema pobreza caso esta não tivesse sofrido nenhuma diminuição desde 1889) não estar na extrema pobreza em 1993 significa que dezenas de milhões foram poupados de estar na extrema pobreza em 1993.

Quais são os dados mais antigos que temos sobre índice de extrema pobreza e de pobreza no Brasil? O IPEA tem esse cálculo desde o ano de 1976: 18,42% na extrema pobreza e 42,85% na pobreza. No ano seguinte (1977), referidas proporções foram de 15,99% e de 39,06%, respectivamente. E os números foram se alterando ano a ano. Percebe-se da variação dos índices que houve um aumento na pobreza e na extrema pobreza com o péssimo cenário econômico ao final da ditadura militar (atenção: o índice de 1986 é uma distorção estatística decorrente do Plano Cruzado, veja no gráfico) que veio a ser diminuída novamente com a estabilização econômica por meio do Plano Real, chegando a um patamar próximo, mas menor, que o de 1977.

Isso significa que, antes de 1976, 61,58% já teriam saído da extrema pobreza, mas uma pequena parte destes (2%) voltaram para ela ou ficaram oscilando em torno dela em decorrência (principalmente) do péssimo cenário econômico da década de 80.

Portanto, a maior parte da extrema pobreza foi reduzida sem o PT na presidência (e sem o PSDB também).

Por outro lado, durante as últimas duas décadas, alguns países passaram por transformações incríveis. O mundo subdesenvolvido como um todo na verdade.

Você lembra dos “objetivos do Milênio” da ONU? O primeiro era “erradicar a extrema pobreza e a fome”. A meta da ONU para 2015 era cortar a pobreza extrema pela metade. Isso mesmo, pela metade, até o ano que vem. Mas,  em um relatório do ano passado acerca do andamento dos Objetivos do Milênio, você descobre que esse objetivo já foi alcançado há 3 anos atrás, em 2010. Para ser mais exato: em 1990, 47% das pessoas vivendo nos países subdesenvolvidos viviam na extrema pobreza; em 2010, essa proporção caiu para 22%!

Você pode ver isso em um gráfico disponibilizado no relatório, mostrando o declínio da extrema pobreza em todas as regiões do mundo:

extrema-pobreza

 

(vide o relatório já citado, p. 6)

Algumas regiões tiveram uma maior diminuição na pobreza extrema, outras menor. O interessante é que grande parte dessa redução vem de países asiáticos. E não há nenhum mistério aqui: grande parte disso está relacionado com a liberalização econômica, especialmente experimentada na China e na Índia, com quedas drásticas na pobreza extrema em ambos os países e milhões de pessoas saindo dessa condição. As políticas anteriores desses países, socialistas ou semi-socialistas, são responsáveis pelos números alarmantes que a pobreza extrema assumia ali em pleno final do século XX.

Vamos citar alguns números, nas palavras de Stephens Hicks:

“Deixe-me compartilhar contigo o número mais impressionante de nossa geração: 600 milhões.

Esse é o número de pessoas que foram retiradas da pobreza extrema nos últimos 25 anos. Nunca antes na história tantas pessoas alcançaram um nível mínimo de conforto. A linha de pobreza é uma questão controversa, já que não há consenso universalmente aceito, dependendo de cálculos sobre renda e poder de compra particulares a cada economista ou nação. No entanto, o número mais amplamente citado é o do Banco Mundial, em US$ 1,25/dia. As estatísticas do excelente site Gapminder estabelecem o valor de US$ 2/dia.

A maioria dos avanços foi feita pelas duas nações mais populosas do mundo, Índia e China. Há três décadas, a taxa de extrema pobreza na Índia era 60%; hoje, ela é de 33%. O progresso da China é ainda mais espetacular: em 1981, ela tinha uma taxa de pobreza de 84%; hoje, ela é de 12%. A América Latina também progrediu, assim como o resto da Ásia e o Norte da África. Somente na África Subsaariana, com poucas exceções (Botswana, por exemplo), é que o declínio da pobreza tem sido dolorosamente lento. No terceiro mundo, de forma geral, a taxa de pobreza diminuiu de 52% para 21%. Esses números foram retirados dessa reportagem do site do The Wall Street Journal.”

E como eram Índia e China antes disso? Novamente, citamos Hicks:

“A Índia era muito pobre porque tinha experimentado um socialismo moderado após a conquista da independência em 1947 por muitos anos, sob a liderança de Jawaharlal Nehru. Mas, na década de 1980 (e, especialmente, em 1991), relaxou sua oposição ao livre mercado e desregulamentou grande parte das indústrias. Como resultado, a iniciativa privada floresceu em alguns setores e o número de pobres caiu drasticamente.

A China era terrivelmente pobre porque tinha experimentado um socialismo forte quando os comunistas assumiram o governo em 1949 – mas, ao final da década de 1970, após a morte de Mao Zedong, relaxou as restrições à propriedade privada e ao comércio, permitindo maior comércio com, e investimento de países estrangeiros.”

Portanto, esses países tinham o triplo e quádruplo da taxa de extrema pobreza pré-FHC (e Plano Real) e o quádruplo e o quíntuplo da taxa de extrema pobreza pré-Lula. E, assim como no caso brasileiro, mas de forma mais impressionante dada a quantidade da população envolvida (tanto percentualmente como em números absolutos) ser substancialmente maior que a brasileira, foram políticas mais favoráveis ao mercado (seja no âmbito da política econômica ou social) que levaram  a essa redução ímpar da extrema pobreza.

Além disso, a pobreza no mundo (mensurada pelo $2 por dia) também vem caindo junto com a extrema pobreza (mensurada pelo $1,25 por dia), veja:

pobreza no mundo

Portanto, a redução da extrema pobreza e da pobreza durante os governos do PT (e do PSDB) no Brasil, enquanto uma conquista muito importante, não é um fato inédito, seja na história do Brasil, seja considerando outros países subdesenvolvidos e/ou o mundo subdesenvolvido como um todo ao longo do mesmo período.

junior

 

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