Por Jason Brennan
Tradução por Pedro Galvão de França Pupo, original aqui
Muitos libertários são hostis ao conceito de “privilégio”. Muitos dos textos sobre privilégio são ruins ou deliberadamente obscuros, então talvez esses libertários devam ser perdoados pela sua hostilidade. Mas o conceito básico de privilégio é bem claro, e eu acho que uma vez que ele seja definido em termos simples, vai ficar óbvio que ele existe.
O que acontece na sua vida depende de como as pessoas te tratam. Elas confiam em você ou não? Elas presumem coisas boas sobre você ou coisas ruins? Elas ficam confortáveis quando estão perto de você ou não? Elas costumam ser educadas com você ou rudes? Os grupos a que você (aparentemente) pertence fazem com que você seja visto com um status social mais alto ou mais baixo, e fazem com que você seja tratado de acordo?
Digamos que uma pessoa é privilegiada se essa pessoa desfruta de certas vantagens por causa de suas afiliações, traços externos, grupos a que pertence permanentemente, e coisas do tipo. Pertencer a certos grupos ou ter certos traços externos geralmente aumenta as chances de que outras pessoas te tratem bem. Pertencer a outros grupos ou ter outros traços geralmente aumenta as chances de que outras pessoas te tratem mal. (É claro que o que conta como “privilegiado” depende do contexto. Cristãos tem uma vantagem nos Estados Unidos, mas uma desvantagem na Arábia Saudita.)
Um exemplo pessoal de privilégio: Eu me lembro de ser seguido em lojas de CDs quando eu era um adolescente, e algumas vezes até pediram para eu esvaziar meus bolsos. Vendedores em lojas de guitarras eram rudes e não queriam ajudar, e se recusavam a deixar que eu mexesse nos aparelhos caros. (“Se você não vai comprar, não encosta!”) Eu tenho quase certeza de que os vendedores simpáticos da concessionária BMW não teriam me deixado fazer um test drive. Agora ninguém mais me segue. Vendedores são amigáveis. Eu nem precisei pedir antes de usar os amplificadores Diezel de $4500 no Rockville Guitar Center. Vendedores de carros atendem meus pedidos mesmo se eu falar que eu só quero fazer um test drive por diversão e que eu não tenho nenhuma intenção de comprar. A minha vida é mais fácil – eu ando com mais liberdade, e posso esperar receber mais gentileza, confiança, e cooperação de outros – simplesmente porque agora estou mais velho. (Nesse caso, discriminação estatística faz com que o comportamento deles seja pelo menos parcialmente racional.)
Agora imagine como é ser um adolescente ateu pobre negro e transgênero em vez de um homem cristão branco rico e cisgênero de 40 anos. Mesmo se os dois forem idênticos em talento, capital humano, virtude e motivação, o segundo vai ter uma vida mais fácil que o primeiro. Ou considere, se você for uma pessoa branca: mesmo se você gostar do som do nome “Shaniqua” (N.T.: nome tradicionalmente negro nos EUA), você estaria disposto a dar esse nome para a sua filha? Eu duvido – você provavelmente iria pensar que sua filha iria conseguir menos entrevistas de emprego. Você concorda que faz sentido para uma criança homossexual se preocupar mais com bullying do que uma criança hétero, se todas as outras condições forem iguais? Etc.
Algumas pessoas acabam levando vidas mais fáceis do que outras por causa de sua raça, sexo, gênero, classe social, religião, credo, modo de falar, aparência física. Elas desfrutam de certas vantagens e atingem sucesso com mais facilidade. E algumas pessoas – aquelas que tem a combinação errada desses fatores, no lugar errado – podem se sentir simplesmente oprimidas. Elas estão em desvantagem e tem mais dificuldade em obter sucesso.
Não vejo porque alguém negaria isso. O que pode ser debatido é o que deve e o que pode ser feito a respeito. Eu duvido que falar para as pessoas “checarem seus privilégios” é um bom começo – eu tenho quase certeza de que todas as vezes que eu li essa frase, ela mesmo era um ato de privilégio.
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NOTA: Eu acho que na maior parte do tempo as pessoas que escrevem sobre privilégio erram no seu diagnóstico do problema. O problema não é que policiais tratam mal negros e tratam bem brancos; é que eles tratam mal negros. Se eles tratassem mal a todos, ninguém estaria melhor. Se todos desconfiassem de todos do jeito que desconfiam de jovens negros, não haveria mais privilégio, mas o mundo não estaria melhor. Não estou negando que a desigualdade é um problema, mas eu não acho que é o problema principal. Então “privilégio” talvez possa ser uma palavra ruim para o problema que as pessoas querem discutir nessa situação.