Por Erick Vasconcelos

A primeira pergunta de Patrícia Poeta ao candidato Everaldo Pereira em sua entrevista no Jornal Nacional dizia:

“Candidato, o senhor nunca foi vereador, nunca foi deputado estadual, nunca foi deputado federal, nem senador. O maior cargo público que o senhor já ocupou foi subsecretário estadual. O Brasil já elegeu candidato sem nenhuma experiência executiva e também já elegeu candidato sem nenhuma experiência parlamentar. Agora, alguém sem uma coisa nem outra, nunca. Por que que o senhor acha que o eleitor iria acreditar que o senhor tem credenciais para ocupar a Presidência da República?”

Everaldo tergiversou e falou de sua trajetória por cargos que nada tinham a ver com postos de estado. Para alguém com suas pretensas credenciais “liberais clássicas”, Everaldo estava especialmente despreparado para lidar com uma pergunta tão óbvia e não foi capaz de perceber e traduzir a diferença categórica e abissal que existe na atuação do indivíduo dentro e fora do estado. Mas não vem ao caso divagar sobre o pastor aqui.

O ponto que quero salientar é outro. Como Patrícia Poeta sublinhou, é convencional que as pessoas, de maneira geral, considerem que apenas alguém com “experiência pública” (ou seja, em outros cargos estatais) seja capaz de desempenhar funções de governo. Mas quem baixou essa regra? Qual a necessidade prática palpável que obriga que políticos pulem de um cargo a outro dentro do governo para chegar a esferas de poder mais altas?

Na verdade, é absolutamente surpreendente que o mesmo indivíduo possa ser qualificado tanto para ser vereador quanto para ser prefeito de uma mesma cidade. Legislar em nível municipal tem algo a ver com o trabalho executivo? E por que o trabalho de deputado em nível estadual daria qualquer insight a um indíviduo sobre como “administrar” a gestão pública no executivo federal? E vice versa? Como prefeitos são capazes de, subitamente, adquirirem a expertise necessária para se tornarem governadores, tendo que tomar decisões para um número várias vezes maior de pessoas? Os problemas em cada nível federativo não são fundamentalmente diferentes? Como ex-governadores conseguem assumir sem grandes distúrbios cadeiras no senado? Eles subitamente se tornaram exímios legisladores?

Na prática, a atuação de vereadores, prefeitos, deputados estaduais e federais, senadores, ministros, secretários, governadores, presidentes e demais burocratas, em si mesmas, não se assemelham. São “funções”, se é que necessárias, desconectadas e mantidas em existência por uma inércia institucional e por uma crença um tanto absurda em sua funcionalidade.

É fantástico que se pense que os políticos podem saltar de uma posição para outra e desempenhar papéis diferentes a cada quatro anos sem maiores distúrbios e sobressaltos. E isso ocorre não porque os políticos sejam intercambiáveis (embora, realmente, não faça tanta diferença assim qual o cabeça do arranjo institucional do momento), mas porque todas as funções do estado estão amarradas e costuradas pelo fato de que o estado é a utilização da força legal em um país e de que seus componentes, justamente por serem parte desse aparato, estão em posição de privilégio em relação ao resto da população.

Portanto, Everaldo ser despreparado é irrelevante, porque, se ele chegasse à presidência, o que ia determinar sua atuação não é o que ele já fez ou deixou de fazer em outros níveis do estado, mas sua posição de absoluta desigualdade e poder em relação ao resto dos brasileiros.

Os políticos não são capazes de fazer tudo o que pensamos que o estado supostamente “deve” fazer (fornecer saúde, educação bem estar, infraestrutura, crescimento econômico, etc). Mas são capazes de manipular sua posição social e de transitar facilmente na escada do poder. É isso que une todos eles.

vasconcelos

Erick Vasconcelos é jornalista, tradutor e mestrando em comunicação pela Universidade Federal de Pernambuco. Gosta dos aspectos mais obscuros da filosofia e do movimento liberal, mas quando não está pensando neles, provavelmente está passando o tempo com algum jogo indie ou assistindo lutas de MMA, como todos deveriam. É dono dos blogs Manipulação, Contrapolitics e do finado Libertyzine. Também é editor do Centro por uma Sociedade sem Estado – C4SS.

Compartilhar