Por Valdenor Júnior
Este Mercado Popular hoje traz um texto muito importante: “A Grande Promessa das Cooperativas Sociais“, por David Bollier, tradução por nosso tradutor Pedro Galvão de França Pupo. A sua importância é melhor refletida quando contextualizado, pelo que justifica-se esse breve comentário.
Antes do Estado de Bem-Estar Social, os trabalhadores de baixa renda não ficaram parados, à espera do salvador estatal. As pessoas se organizaram em associações de ajuda mútua, que conseguiam prover de forma eficiente desde seguridade social até atendimento de saúde. Como Roderick Long aponta:
O princípio por trás das sociedades fraternais era simples. Um grupo de pessoas da classe trabalhadora formava uma associação (ou se juntaria a uma filial local, ou “loja”, de uma associação existente) e pagava uma taxa mensal para o tesouro da associação. Um indivíduo membro da associação poderia então, retirar recursos do tesouro quando tivesse necessidade. As sociedades fraternais, portanto, operavam como uma forma de uma companhia de seguro de auto-ajuda. (LONG, Roderick. Como o governo dos EUA “resolveu” a crise no sistema de saúde.)
Mas uma série de regulamentações favoreceram o fim desse modelo em favor de alternativas estatais mais centralizadas. Foi quando o Estado de Bem-Estar Social surgiu, e seus custos sociais, econômicos e fiscais hoje são cada vez mais evidentes. Então, seria benéfico voltar a um sistema mais livre e descentralizado, mas como fazê-lo? Uma alternativa podem ser as cooperativas sociais, que podem ser distinguidas em dois tipos:
Baberini classificou as cooperativas sociais em dois tipos: A – que trabalha com educadores, assistentes sociais, enfermeiros, cujo público são deficientes, idosos, menores de idade e dependentes químicos, tendo como atividades principais prestação de saúde, educação, entre outras; e B – que trabalha com a inclusão social de pessoas desfavorecidas, como desempregados, mendigos, entre outros. As atividades principais desenvolvidas por este tipo de cooperativa são a reciclagem de lixo, artesanato, limpeza, entre outras. (MATIAS, Beth. Cooperativismo social é a nova geração de cooperativas no mundo.)
Curioso? O texto abaixo dá boas razões para esperar que o futuro do bem-estar social esteja na mão de cooperativas sociais, não do Estado de Bem-Estar Social.
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A Grande Promessa das Cooperativas Sociais
Por David Bollier
Tradução por Pedro Galvão de França Pupo, texto original aqui
A agenda de austeridade costuma ser apresentada como inevitável, mas na verdade isso é só uma desculpa que corporativistas e conservadores usam para evitar qualquer discussão e debate. “Não existem alternativas!” eles trovejam. Mas como o site Co-operatives UK demonstra em um novo e brilhante relatório, existe uma diversidade crescente de alternativas práticas que são tanto viáveis financeiramente quanto efetivas socialmente. Elas são conhecidas como cooperativas multi-stakeholder (N.T.: de múltiplas partes), ou simplesmente como “cooperativas sociais”.
A maioria de nós está familiarizada com cooperativas de consumidores ou de trabalhadores, mas a cooperativa social é um pouco diferente. Em primeiro lugar, elas recebem de braços abertos vários tipos de membros – de funcionários pagos e voluntários a usuários de serviços e membros familiares e até investidores em economia social. Se, por um lado, muitas cooperativas se parecem e operam como suas primas no mercado tradicional, com um foco intenso em lucro e prejuízo, cooperativas sociais estão comprometidas com objetivos sociais como saúde, assistência a idosos, serviços sociais, e integração de ex-prisioneiros à força de trabalho. Elas conseguem misturar a atividade de mercado com o fornecimento de serviços sociais e com a participação democrática, tudo de uma vez.
Pat Conaty é o autor do relatório “Cooperativas Sociais: Uma Agenda de Coprodução Democrática para Serviços de Bem-Estar no Reino Unido” . Ele explica como as estruturas legais e organizacionais de cooperativas sociais — assim como seu ethos cultural — geram todo tipo de vantagem. Elas conseguem fornecer serviços de maneira mais eficiente que muitos negócios convencionais. Elas são mais adaptáveis e responsáveis que muitos programas do governo. E elas convidam a participação ativa e inclusiva de membros para decidir como lidar com suas necessidades — e para contribuir com seu próprio conhecimento e energias.
O relatório examina as melhores práticas de serviços cooperativos em saúde e bem-estar social, e traça um perfil do sucesso de cooperativas sociais na Itália, Japão, França, e Espanha, entre outros países, bem como em Quebec, Canadá.
A experiência italiana com cooperativas sociais é especialmente impressionante. Desde a aprovação de uma lei de 1991 que autoriza cooperativas sociais e oferece políticas públicas em apoio a elas, os italianos fundaram 14.500 cooperativas sociais que empregam 360.000 trabalhadores pagos e dependem de mais 34.000 membros voluntários. A cooperativa típica tem menos que 30 membros-trabalhadores, e fornece serviços para idosos, deficientes, e pessoas com doenças mentais. Algumas fornecem “empregos protegidos” para pessoas com deficiências e outros grupos vulneráveis.
Atualmente, cooperativas sociais estão fornecendo serviços para quase cinco milhões de pessoas na Itália. Elas trazem e gastam nove bilhões de euros anualmente. A sua taxa de sobrevivência após cinco anos é de 89 por cento.
Em Quebec, “cooperativas solidárias” tem construído uma economia alternativa de “solidariedade social” desde 1995. Essas cooperativas estão criando elos entre o movimento de cooperativas, sindicatos trabalhistas e o setor público enquanto atendem às necessidades das pessoas com eficiência e compaixão. O foco central do movimento de Quebec, Conaty escreve, é a criação de empregos e assistência domiciliar, mas elas também são usadas para “regeneração rural” ao ajudar a salvar lojas, correios e serviços sociais em áreas rurais.
O que é empolgante sobre as cooperativas sociais é sua habilidade de misturar de maneira criativa práticas públicas com a atividade de mercado – sem deixar que as forças de mercado dominem a agenda. Além disso, elas não simplesmente “administram serviços” no estilo de uma organização sem fins lucrativos tradicional; cooperativas são dirigidas por seus membros e respondem a eles.
“O modelo da cooperativa social transforma usuários de cuidados sociais em parceiros, juntos com a força de trabalho, com ambos tendo uma participação no capital da empresa e acesso aos frutos do sucesso”, diz Ed Mayo, Secretário Geral da Cooperatives UK, um grupo britânico que promove a economia cooperativa.
Por que cooperativas sociais funcionam? Claramente, existem vários fatores indo de políticas públicas esclarecidas a culturas nacionais e compromissos éticos. Mas a ideia de coprodução é um motor poderoso que sustenta essa instituição social. Como descrito por duas acadêmicas britânicas, Sarah Carr e Catherine Needham
“O termo coprodução é usado cada vez mais para se referir a novos tipos de serviços públicos no Reino Unido, incluindo novas abordagens a cuidados sociais para adultos. Ele se refere à participação ativa de pessoas que usam serviços, bem como — ou em vez de — aquelas que tradicionalmente os tem fornecido. Ele dá ênfase ao fato de que as pessoas que usam serviços têm recursos, que podem ser utilizados para melhorar esses serviços, e não só necessidades a serem satisfeitas. Esses recursos geralmente não são financeiros, mas sim habilidades, experiência, e apoio mútuo que usuários de serviços podem contribuir para serviços públicos.”
Não é preciso dizer que a maior parte dos mercados e burocracias estatais não conseguem compreender a ideia de uma “democracia associativa” participativa e a construção de instituições alternativas que incentivem a participação. Mas, como explica Henry Tam da Universidade de Cambridge:
“Comunidades inclusivas são formas mais eficazes de associação humana porque reconhecem o valor intrínseco de permitir que todos os seus cidadãos/membros/interessados interajam uns com os outros como iguais na hora de decidir como o poder vai ser utilizado por eles, pelo bem do todo e de cada um. Esse modelo comunitário é baseado na criação do pensamento cooperativos pelos socialistas utópicos de Owen e democratas cooperativos do final do século XIX/começo do século XX.”
O relatório de Conaty se aprofunda nos desafios organizacionais, legais e financeiros para o estabelecimento de cooperativas sociais de sucesso — e indica soluções disponíveis. Por exemplo, cooperativas sociais precisam de novos tipos de políticas públicas e de novos tipos de financiamento, tais como financiamento de risco e financiamento social.
Considerando o papel que cooperativas sociais podem desempenhar na reconstrução da cultura democrática, ao mesmo tempo em que satisfazem necessidades sociais urgentes e insatisfeitas, todos deveriam estar prestando mais atenção à grande promessa das cooperativas sociais. Esse relatório oferece uma análise factual importante para inaugurar uma nova conversa sobre uma alternativa atraente e de eficácia comprovada.
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Valdenor Júnior é advogado. Desde janeiro de 2013, escreve em seu blog pessoal Tabula (não) Rasa & Libertarianismo Bleeding Heart onde discute alguns de seus principais interesses: naturalismo filosófico, ciência evolucionária com foco nas explicações darwinianas ao comportamento e cognição humanas, economia, filosofia política com foco na compatibilidade entre livre mercado e justiça social. Também escreve para o Centro por uma Sociedade sem Estado – C4SS e o Liberzone.