Por Colin M. Snider
Publicado originalmente em Americas South and North, Junho de 2013.
Como os leitores desse blog sabem, tenho escrito extensivamente sobre a ditadura militar brasileira de vários ângulos, incluindo como a instituição militar subiu ao poder em meio a clamores civis para que a instituição militar removesse o presidente constitucional João Goulart. A ideia de intervenção militar não era nova, visto que os militares haviam anteriormente interferido na política presidencial com diversos níveis de sucesso ou fracasso em 1889, 1930, 1937, 1945, 1954, 1955, e 1961. Entretanto, a intervenção militar de 1964 levou a uma ditadura que empregou tortura, executou “subversivos” e reprimiu aqueles que a questionavam. Em suma, a última vez que o Brasil buscou a ajuda militar para “resolver” seus problemas, acabou governando por meio de ditadura, recorrendo ao uso institucional de repressão para assassinar centenas, torturar milhares e exilar dezenas de milhares mais, mesmo enquanto empregava políticas econômicas que causaram danos concretos de longo prazo para grande parte da sociedade brasileira.
Eis por que é desconcertante ver algo como isto em 2013. Sim, eles afirmam que “não apoiamos ditadura. Não apoiamos nenhum tipo de violência. Não defendemos torturadores”. Portanto, presumivelmente, eles acham que uma intervenção militar em 2014 seria diferente da de cinquenta anos antes (e mesmo se por acaso, o simbolismo de pedir um golpe militar cinquenta anos depois do último não é algo exatamente encorajador). No entanto, isso é: ou ingênuo ou de ignorância deliberada, ou trollagem, pura e simplesmente. Uma vez que os militares assumirem o poder, há poucos meios de forçá-los a sair, como os brasileiros aprenderam na década de 1960; as classes médias e as elites conservadoras que pediram intervenção militar esperavam que os militares deixassem o poder rapidamente, tão logo as coisas estivessem “estabilizadas.” Quando se tornou claro que líderes militares, como Artur Costa e Silva, não tinham intenção de fazê-lo, o público teve poucos meios para expulsá-los.
E se alguém estiver cansado da violência nas ruas, recorrer à uma instituição militar seja de qual cor não é exatamente o meio de se conseguir a paz. De fato, embora um pequeno número de vândalos tenha manchado as manifestações, uma esmagadora maioria de manifestantes permanece pacífica, embora tenha sido a polícia militar [um ramo da força policial militarizada] que tem estado por trás do opressivo e desproporcional uso de violência contra civis nas ruas. É difícil entender como uma militarização progressiva repentinamente levaria ao fim dessa violência.
E talvez, de certo modo ironicamente, a própria página do Facebook diz que comentários de pessoas que não gostem da página serão apagados. Você sabe … censura. Como as do tipo que os governos militares usaram não apenas durante a ditadura militar do Brasil, mas em intervenções militares tais como a criação do Estado Novo em 1937 ou em regimes de intervenção militar em toda a região ao longo do século 20.
A hipocrisia, a ignorância e a desconsideração pela história do Brasil fazem-me pensar que essa página é apenas trollagem. Mesmo que assim seja, todavia, a pior parte é que ela ainda está contribuindo para um discurso perigoso que vê a instituição militar como de índole salvadora e algumas pessoas considerarão essa ideia seriamente, mesmo que os criadores da página não a considerem (e não há nada indicando que não a considerem). De qualquer modo, no século XX, como o Brasil em particular e a América Latina de modo geral repetidamente deixaram claro, recorrer à instituição militar para intervenção política foi efetivamente danoso para a estabilidade política, para a democracia (em diversas formas) e para os direitos humanos. Que tais ideias ainda estejam circulando no século XXI é simplesmente um horror.
Traduzido por Murilo Otávio Rodrigues Paes Leme. Revisado por Rodrigo Viana e Matheus Pacini.