Por Rodrigo Viana

Eu vejo o liberalismo clássico como uma doutrina morta e datada. Não vale a pena levantar uma bandeira para defendê-lo. Funcionou em alguns momentos de modo mais ou menos razoável quando necessitava derrubar a Antiga Ordem e o seu poder político absoluto, os abusos da igreja e do mercantilismo. Claro que houve outros fatores que contribuíram para a destruição do velho jeito de se fazer política, porém o liberalismo teve o seu valor.

Foi colocado à prova no século dezenove, no entanto não soube lidar de forma satisfatória com a realidade da época. O poder político, mesmo sob uma constituição e uma estrutura de poder limitada e dividida, continuou a manifestar abusos discricionários em outras formas até mais penetrantes e funcionais do que o modo antigo, de forma a moldar o mundo atual. O poder da igreja deu lugar para o poder econômico. Hoje não é mais o papa, os cardeais e as igrejas, mas o CEO, o banqueiro e as corporações que se utilizam das estruturas criadas para favorecimento próprio de forma tirânica. O mercantilismo deu lugar ao capitalismo corporativo. A facilidade para se acumular riqueza sob um mecanismo viciado, aparelhado e ilícito gerou uma disparidade gigantesca de renda entre uns poucos privilegiados e muitos desprovidos. O capitalismo atual é fruto daquilo que os “visionários sociais” do passado, sejam eles liberais, comunistas ou social-democratas, tentaram ir contra, falhando de forma veemente.

Mas uma grande lição que os liberais deixaram foram suas ideias iluministas de buscar a redução do poder centralizado e deixar disperso no menor grau possível na sociedade. Ora, não era esse uma das reivindicações dos levellers? Um propósito que lembra a posição dos primeiros protestantes em não se verem monopolizados pelo cristianismo ocidental do catolicismo romano?

Aliás, esse foi um dos maiores erros (se não o maior) do comunismo em renegar as lições desses iluministas. Achar que, por se integrar nas entranhas do poder, da hierarquia e da força faria florescer uma sociedade mais justa é escarrar no próprio prato em que comeu. É não entender a natureza humana e muito menos os mecanismo sociais que nos envolvem.
Bem, há de se fazer justiça e reconhecer que os social-democratas modernos perceberam os erros cometidos pelos comunistas. Erros que fizeram surgir uma consciência sobre a realidade, é verdade. Mas que veio através da dor e do sofrimento alheio. Erros que custaram caro para muitas gerações.

Mas o liberalismo não está a salvo também. Ele não soube lidar com esse acúmulo de riqueza obsceno e, consequentemente, da criação do tirânico poder econômico. Os liberais parecem ainda não entender esse behemoth e visam propostas muitas vezes pueris em não perceber o causador de fato. Não entenderam de fato como a natureza do poder, seja ele político ou econômico, funciona. Seus mecanismos de contenção não surtiram efeito e tampouco surtirá. Podemos enxergar isso dado a situação vigente em todo o mundo. Em suma, não existe esperança para o liberalismo.

Mas apesar disso tudo o liberalismo teve um papel muito importante em sua época e nos deixou grandes lições (por isso merece todo o nosso respeito). E uma dessas lições é a eterna busca pela diminuição do poder. Ademais, não é essa a base que o anarquismo se mantém em buscar na sua plenitude? Não a simples diminuição, mas a extinção? Tentar fazer com que esse poder se estenda e mantenha no nível individual, limitado pelo poder do próximo? Mais do que extinguir o poder coercivo do estado, visar também a extinção dos poderes para-políticos na sociedade, seja ele de natureza coerciva ou não. A busca pela liberdade deve vir de maneira ampla e envolvente.

No entanto, há algo de importante a ser dito sobre a natureza da liberdade tão valorizada pelos liberais. Ela sequer devia ser vista como dependente das realizações ou reformas de instituições diversas (sejam elas coercivas ou voluntárias) ou de idealizações do indivíduo enquanto conceito. A liberdade individual deve vir da própria pessoa enquanto indivíduo concreto, como um ser único que é. Ela é pessoal, intransferível e dependente primeiramente da posse distinta do indivíduo (concreto, e não conceitual) sobre a sua própria vida. Pois é a ação desta posse que dará a possibilidade dele estar livre não apenas da coerção, mas também livre da subordinação, seja de um indivíduo ou de um coletivo, e das restrições morais que reprimem o seu eu. Tudo isso resultando num ser aberto à sua própria vontade. Enfim, uma pessoa livre.

Como fim o liberalismo é limitado, incompleto e ingênuo. Como base ele continua sendo a semente de uma nova sociedade. Uma sociedade mais livre, igualitária e solidária.

 

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Rodrigo Viana é programador de software e blogueiro. Em seus interesses incluem disciplinas como história, sociologia, economia e filosofia política. Já colaborou escrevendo para outros blogs políticos e atualmente colabora no Portal Libertarianismo, além de manter os blogs A Esquerda Libertária e Libversiva!. Quando não está falando sobre política, provavelmente está falando de música ou algum assunto relacionado a cultura pop. Seu twitter é @VDigo.

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