Nos últimos anos, a venda de guitarras no Brasil vem de mal a pior. As importações de guitarras e baixos caíram mais de 70% em cinco anos, de acordo com os dados disponíveis na plataforma AliceWeb do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e do Comércio (MDIC), mostrando a derrocada desse setor no país. Enquanto 18.696 guitarras foram vendidas, em média, no início de 2012, no segundo semestre de 2017 esse número caiu para apenas 5.260.

Desde que esses dados foram divulgados, muitas hipóteses foram lançadas para explicar a crise das guitarras e baixos no país. Dentre as principais causas, está a taxa de câmbio no país e seu aumento vertiginoso nos últimos anos, como mostra o gráfico abaixo. Apesar do pico e queda entre 2015 e 2016, a tendência é de subida desde 2011. Importar, portanto, ficou mais caro em reais, e boa parte desse mercado depende de importações.

Outra das causas apontadas, muito mais controversa, seria a perda de interesse dos jovens nos últimos anos pelo rock, estilo musical que naturalmente privilegia a guitarra. Recentemente, o lendário Eric Clapton, afirmou que “Talvez seja o fim das guitarras”. O guitarrista da banda Ira!, Edgard Scandurra, endossa essa hipótese, tendo afirmando em entrevista:

“A música pop hoje em dia não é uma música tocada mecanicamente. Em boa parte, ela é executada no computador. E acho que há um perfil da sociedade também, porque o rock é uma música contestatória. Existe uma atitude de contestação que não vejo muito hoje em dia. Essa moçada fica no computador e no videogame, acho que a juventude anda muito preguiçosa. As pessoas não têm nem muita paciência para ler uma coisa longa, quanto mais pegar uma guitarra, sentar numa cadeirinha e ficar treinando”

Será, no entanto, que Eric Clapton e Edgard Scandurra estão corretos? É possível avaliar se as preferências dos jovens por música teve influência sobre a demanda por esses instrumentos? Felizmente, a resposta é sim, pois os economistas desenvolveram métodos para fazer esse tipo de previsão tanto teórica quanto empiricamente.

O modelo empírico

Como testar se uma mudança nas preferências influenciou a demanda por guitarras e baixos no Brasil?

Para isso, nós utilizamos como “proxy”, uma variável que assumimos acompanhar razoavelmente a variável de interesse – no caso, a preferência por rock. Escolhi a procura no google pelo termo “rock”. Como se pode observar, de fato essa variável tem caído ao longo dos últimos anos, como profetizaram os guitarristas mencionados anteriormente, tendo inclusive sido ultrapassada pela procura do termo “sertanejo”.

Para que o resultado tenha significado real, além da variável de preferências, precisamos saber sobre as de renda e preços. Para a renda, vamos usar aqui a Massa Salarial Ampliada (ou seja, a soma dos salários e benefícios recebidos no país em um período de tempo), obtida na PNAD Contínua. Já a Taxa de Câmbio Real Efetiva, obtida no Banco Central, representa os preços. Essa última foi escolhida devido ao alto coeficiente de importações no mercado de guitarras, além da hipótese de que não houve grandes mudanças nos preços nominais desses produtos durante o período. Todos os dados foram recolhidos para o período de 2009 a 2017.

O modelo estimado é chamado de “autoregressive–moving-average” (ou ARMA), que significa que ele irá incorporar autocorrelação das observações ao longo do tempo, para que não tenhamos correlações espúrias – aquelas sem grande significado real subjacente às variáveis.  Foram testadas diversas especificações, com resultados parecidos. Para ver a especificação do modelo do qual vamos expôr os resultados, veja o Apêndice 2.

No nosso modelo, testamos se a variação anual da importação de guitarras é explicada linear e não linearmente pela variação anual de três meses anteriores da procura por Rock no Google, pela variação da massa salarial ampliada e pela variação da taxa de câmbio real efetiva. O que encontramos foram os seguintes resultados:

Resultados

Efeito É estatisticamente diferente de zero?
Procura pelo termo “Rock” Relação linear -0.22 Não
Relação não linear -2.76 Não
Massa Salarial Ampliada Relação linear 7.43 Sim
Relação não linear -85.26 Não
Taxa de Câmbio Real Efetiva Relação linear -2.29 Sim
Relação não linear 3.74 Não

Pelos resultados, pode-se dizer que, dentre as variáveis escolhidas, os dados mostram que há apenas um efeito linear entre a variação da Massa Salarial Ampliada e da Taxa de Câmbio Real Efetiva. Mesmo em outras especificações, em nenhuma delas houve significância estatística do efeito da variação da pesquisa do termo “Rock” no Google sobre a variação das importações de Guitarras e Baixos. Isso significa que a trajetória das vendas desses instrumentos não pode ser explicada por uma mudança das preferências dos consumidores brasileiros.

Para tornar nossos resultados mais visuais, estimamos a trajetória da importação de guitarras e baixos entre 2012 e 2017 caso não tivesse havido mudança na Massa Salarial Ampliada e caso não tivesse havido mudança na Taxa de Câmbio Real Efetiva. O Gráfico abaixo demonstra visualmente como se deu essas simulações:

A tabela, abaixo, sumariza as simulações do Gráfico. De fato, como se vê, do primeiro semestre de 2012 ao segundo semestre de 2017, a média das importações guitarras e baixos teria caído apenas 36% caso tivéssemos mantido a mesma Massa Salarial do início do período. Por sua vez, se a taxa de câmbio real efetiva fosse a mesma do início de 2012, na verdade as importações de 2017 teriam crescido 11%. Nada mal, frente à queda de 72% que de fato ocorreu no período.

O principal ponto que os dados revelam é simples: a massa salarial e a taxa de câmbio parecem explicar bem a queda nas vendas de guitarras; já no caso das pesquisas sobre rock no Google, a influência é estatisticamente indistinguível de zero.

Variação das importações de guitarras e baixos do primeiro semestre de 2012 ao segundo de 2017 observada e simulada

Observado -71.87%
Caso a Massa Salarial Ampliada não tivesse variado -36.1%
Caso a Taxa de Câmbio não tivesse variado +10.92%

Conclusão: É a economia, estúpido!

É possível sim que o Rock esteja perdendo sua popularidade, perdendo cada vez mais espaço no coração dos jovens e nos top10 da música para outros gêneros musicais, como o pop e o sertanejo. No entanto, os dados sugerem que isso não tem influenciado na preferência dos consumidores por esses instrumentos, de modo que não pode ser atribuída essa causa à derrocada desse mercado.

De fato, o que explica a grande queda da importação de guitarras e baixos no Brasil é, definitivamente, a economia. Com a crise de 2015 em diante, os salários foram comprimidos e o desemprego aumentou abruptamente, fazendo com que as famílias tivessem menos renda para comprar guitarras. Ao mesmo tempo, com o real se desvalorizando progressivamente frente ao dólar, as importações foram encarecendo na mesma proporção, impactando diretamente o preço das guitarras e baixos, quase exclusivamente importados no Brasil.

Portanto, pelo menos no Brasil, os guitarristas podem suspirar aliviados: a perda de influência do Rock não parece ter causado a queda das vendas de guitarras, mas a economia. Portanto, com o crescimento voltando, os salários subindo, o desemprego se reduzindo e a taxa de câmbio se estabilizando, podemos esperar em algum grau a recuperação do setor de instrumentos para as bandas de rock no país.


Texto escrito com a contribuição de Mateus Paape


Apêndice 1: Aplicando-se o multiplicador de Lagrange, para otimizarmos a função Coubb Douglas.

Lagrange:

L(G,Y,λ)= U(G,Y) – λ(Pg G+  Py Y – M) = 0

Condições de Primeira Ordem:

∂L/∂G= α G^(α-1)  Y^β – λPg = 0

∂L/∂Y= β Y^(β-1) G^α- λPy = 0

∂L/∂λ= Pg G+  Py Y – M = 0

Combinando as três equações chegamos que:                           

αY / βG= Pg/Py   ⇒ Py Y=  β/α Pg G

Substituindo na Restrição orçamentária (2)

M = Pg G + Py Y ⇒ Pg G +  β/α Pg G = M

M = Pg G (1+β/α)  ⇒   M/Pg G = (1+ β/α)  ⇒  M/(Pg G)= ( (α+ β)/α  )   

Pg G =  M/( ( (α+ β)/α  ) )   ⇒

G = α/(α+ β)  M/Pg  e    

Y=  β/(α+ β)  M/Py      

 

Apêndice 2: Especificação do modelo utilizado na regressão:

 

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