Em outubro de 2012, os jornais explicaram como funcionaria o “novo regime automotivo brasileiro”, um programa chamado Inovar Auto. A Nova Matriz Econômica reorientava a política monetária e fiscal. Medidas protecionistas e desonerações fiscais ousavam o desenvolvimento. No linguajar dos políticos que apoiaram a ideia, aquele era um projeto de nação, oficialmente batizado como Plano Brasil Maior.
Com a estranha missão de “internacionalizar as empresas brasileiras e proteger a indústria local”, o governo federal lançou mão de um coquetel de medidas. Para indústria automotiva, o resultado esteve no SuperIPI, um alto imposto aplicado às montadoras que não produziam no Brasil.
No front do pré-sal, muitas foram as exigências de produção nacional dos equipamentos de exploração. Bilhões foram investidos em portos e estaleiros. Universidades públicas expandiram enormemente sua oferta de cursos de engenharia para tentar acompanhar a demanda esperada.
O coquetel era fruto de uma interpretação simplista sobre o desenvolvimento de alguns países asiáticos. Segundo ideias que faziam a cabeça do governo, um país prospera por ter indústrias de transformação, indústria naval ou por exportar bens de capital. Dilma seguiu na contramão da melhor evidência científica, segundo a qual o desenvolvimento vem de boas instituições, que propiciem regras do jogo econômico que premiem quem se educa e poupa, não quem consegue conexões com o poder.
Embora não seja confortável atribuir más intenções, é difícil acreditar que esses 4 anos de política econômica mal-desenhada vieram somente por ignorância. As faculdades de economia do Brasil não podem ser tão ruins assim.
Essa questão é também sobre economia política, conflito distributivo e como grupos de pressão conseguem benesses e privilégios às custas do resto da sociedade. Antes disso, vale olhar a teoria econômica.
Todo produto tem origem num insumo. Estes “ingredientes” são os fatores de produção, como capital (máquinas, terras, etc) e trabalho. Quando esses fatores são empregados para produzir bens e serviços, eles são remunerados. A remuneração da terra é o aluguel; a do trabalho, o salário; a do capital, o lucro. Essa nomenclatura pode soar marxista, mas é usada extensamente por todo economista.
O que faz alguns salários, aluguéis ou lucros serem mais altos ou baixos? É um processo complexo, mas podemos simplificar de tal maneira que: o preço de um fator deve se igualar à sua produtividade marginal. “Produtividade marginal”, no linguajar do economista, é quanto se produz com um aumento na quantidade contratada de algum fator.
Para uma explicação mais clara, precisamos também entender retornos marginais decrescentes. Contratar um trabalhador provavelmente aumenta a produção. Contratar um segundo trabalhador também, mas esse aumento deve ser menor que no caso anterior. Eventualmente, a fábrica pode estar tão cheia que contratar mais um diminuirá a produção. O retorno marginal por cada nova contratação é decrescente.
Dada certa quantidade de terra, capital ou trabalho, novos insumos tem um limite máximo em que conseguem incrementar a produção.
Imagine que o preço do trabalho, o salário, é um número W. Se a produtividade marginal de um trabalhador vale mais que W, vale a pena contratar mais um. Sem aumentar a quantidade dos outros insumos (máquinas, terra, escolaridade, etc), eventualmente o retorno marginal cairá, até ficar menor que W. Quando contratar um trabalhador custar mais do que ele retorna em produto, não faz sentido contratar mais um, certo? Logo, o preço ao qual qualquer pessoa está disposta a contratar um insumo é dado pela sua produtividade marginal.
Em países que poupam muito e, por consequência, investem muito e tem um grande estoque de capital, as taxas de lucro e de juros são menores justamente por isso. O retorno marginal do capital é menor por lá. Um efeito similar acontece com salários. Como falta de mão de obra em países desenvolvidos e o estoque de capital por trabalhador é maior, a produtividade marginal do trabalho fica maior, logo, salários aumentam.
Em 1941, Wolfgang Stolper e Paul Samuelson (que mais tarde viria a ganhar o prêmio Nobel de Economia) publicaram o trabalho “Proteção e Salários Reais”, com um resultado ousado.
O trabalho é razoavelmente técnico, mas a ideia central é de que comércio internacional serve como um atenuador de escassez de fatores. Poder comerciar com o resto do mundo permite adquirir produtos que dependem muito de capital ou de trabalho, vindos de onde esses fatores são abundantes e, portanto, capital ou trabalho são mais baratos.
O efeito disso é, de certa maneira, aliviar a escassez de um fator no país que se abre mais ao comércio e passa a importar mais de bens que antes eram feitos domesticamente a um custo maior. Em resposta, ele também passa a exportar produtos que são mais intensivos nos fatores que ele tem em maior abundância.
É por isso que os EUA exportam principalmente bens de capital, filmes de ação cheios de efeitos especiais, consultoria e design. Eles tem as melhores universidades do mundo, são muito ricos e muito atrativos para o capital global. E mais: por isso o trabalho se interessa em fluir para lá, sob a forma de imigrantes, dada a abundância de fatores. Ser atendente de fast-food numa cidade de engenheiros extremamente produtivos da Califórnia faz sentido até para trabalhadores escolarizados de países pobres.
Da mesma maneira, o Sri Lanka exporta bens intensivos em trabalho para aliviar os sintomas da escassez de capital e escolaridade, portanto importando bens intensivos nos fatores que lá faltam. O Sri Lanka não exporta o que os EUA exportam porque é um país com pouco capital e escolaridade.
É justo que Sri Lanka ou Brasil queiram acumular capital e escolaridade. A questão é sobre meios: a estratégia do Estado deve ser focada em poupar e educar, ou em financiar capitalistas de determinados setores? Vale reparar que essas opções, no contexto prático, são antagônicas. Educação, poupança e subsídios concorrem pelos mesmos recursos escassos.
Medidas desastrosas de Dilma, como o SuperIPI ou o Plano Brasil Maior, não vieram apenas de economistas ruins. São frutos do lobby bem sucedido de grupos de interesse que têm muito a perder com abertura comercial brasileira. Encabeçando esse grupo de entidades patronais, está a FIESP. Esse lobby é materializado em comunicados da própria FIESP fazendo repetidos pedidos de proteção ao governo Dilma que, por sinal, foram inteiramente atendidos. Em um seminário patrocinado pela própria FIESP em 2012, o então Ministro da Fazenda, Guido Mantega, abriu dizendo:
Desvalorizamos o câmbio em cerca de 20% nos últimos doze meses. Isso significa que os nossos manufaturados estão 20% mais baratos em dólar, a nossa mão de obra também.
Isso se conecta com uma narrativa mais profunda sobre o Brasil, que infelizmente não está restrita à abertura comercial. A FIESP é um exemplo de como nossas instituições são vulneráveis a grupos de interesse articulados.
Poupamos pouco – logo, acumulamos pouco capital. É um fator escasso. Por termos muito trabalho para pouco capital físico e humano, os salários são baixos. Dentre as grandes democracias, o Brasil tem a economia mais fechada do mundo. Comerciamos absolutamente pouco, o que agrava nossa escassez, e isso está muito conectado com lobbies bem articulados, como a FIESP.
Os recursos públicos destinados a incentivar a produção de bens complexos geralmente se perde em lobbies ou doadores de campanha. Não se ataca as causas do problema.
Essa é a saga brasileira: a necessária agenda de reformas de combate às elites. É nosso grande desafio para o desenvolvimento. Não trato de elites caricatas que desprezam pobres em aviões, como tentaram fazer na nossa vizinha Venezuela. Falo dos interesses unidos para extrair bens privados do Estado. Se a estratégia de desenvolvimento brasileira fizer algum sentido, provavelmente será por que enfrentamos esses privilégios.