Em janeiro deste ano a empresa inglesa Rolls-Royce assinou acordo de leniência com as autoridades do Reino Unido, EUA e Brasil, no valor agregado de £671mi (cerca de R$ 2.6bi). Com isso, uma das maiores companhias do ramo admitiu ter pago propina para assegurar contratos no mundo inteiro, especificamente entre os anos 1989 e 2013.
Apesar das diversas críticas que esse acordo pode vir a ensejar – tal como a ausência dos principais países afetados pelas más condutas da empresa inglesa -, o caso é um exemplo excelente para se perceber como que mudanças organizacionais podem prevenir a corrupção e, ainda assim, não prejudicar os lucros.
Essa história começa com o advento da United Kingdom Bribery Act (UKBA), que entrou em vigor em 2010, trazendo inovações quanto a responsabilidade empresarial por práticas de corrupção; nos moldes semelhantes à brasileira Lei Anticorrupção (Lei 12.846/13). A partir desse momento, as autoridades inglesas podem punir suas empresas por pagarem propina e até mesmo por terem sido ineficientes para prevenir tal conduta, o que tem forçado o ambiente corporativo inglês a rever suas próprias práticas.
Uma das evidências dessa mudança são as chamadas iniciativas de ação coletiva (ou collective action initiatives). Em poucas palavras, trata-se de iniciativas que juntam empresas e outras instituições interessadas para trabalhar de forma conjunta no desenvolvimento das condições necessárias para um objetivo legítimo em comum. No caso de medidas anticorrupção, por um ambiente corporativo ético e transparente.
A grande dificuldade dessa alternativa é superar o medo de que nem todas as empresas do ramo adotariam tais medidas, dando uma suposta vantagem competitiva de continuar com práticas corruptas e, ainda assim, poder se beneficiar de avanços indiretos na condição de free-rider. Entretanto, com a aplicação da lei sendo cada vez mais incisiva, transnacional e com importantes empresas adotando critérios rígidos de integridade, a decisão de se manter fora desse ambiente pode causar problemas para a imagem da empresa e, cada vez menos raro, perder negócios com instituições que se neguem a arriscar a assinar contratos com quem não tem o mesmo cuidado com a ética. Além do mais, recente pesquisa da Ponemon Institute mostrou que os custos de investimento em compliance chegam a ser até três vezes mais barato do que não investir nessa área.
A Rolls-Royce se viu nesse cenário de transformação quando relevantes competidores se engajaram em iniciativas coletivas como a International Forum on Business Ethical Conduct for The Aerospace and Defence Industry, que iniciou seus trabalhos em 2009 e conta com as maiores companhias do setor, como a Boing e a Airbus. Não coincidentemente, em janeiro de 2013, justo o ano que marca o limite temporal das práticas de corrupção admitidas no acordo de leniência, a Rolls-Royce fez mudanças drásticas em sua estrutura e modelo de negócios, com destaque para a contratação de um reconhecido especialista da área de compliance, Lord Gold.
Dessa forma, a gigante inglesa conseguiu demonstrar às autoridades que tem buscado adotar melhores práticas de integridade, reduzindo os impactos de um longo processo judicial e que poderia resultar em sanções ainda mais pesadas. Para os investidores, sugere maior segurança nos negócios a serem firmados daqui em diante e transparência, critérios essenciais no ambiente corporativo. E o resultado disso não poderia ser diferente: o valor das ações da Rolls-Royce chegaram a subir 4,5% no dia seguinte à divulgação do acordo de leniência.
Em sentido oposto, a Odebrecht parece se enrolar cada vez mais com seu passado, trazendo pouquíssima efetividade para se reerguer depois de tantos escândalos e, consequentemente, enfrenta dificuldades para atrair investimento e voltar a fazer bons negócios. Justamente por isso, as autoridades se sentem cada vez menos propensas a realizar acordos de leniência equilibrados. Prova disso é a resolução mais vultuosa da história da Foreign Corruption Practice Act (FCPA) norte-americana, no valor de USD3.6bi, assinado mesmo depois de anos desde o início das investigações da Operação Lava-Jato terem dado início.
Por não ser uma empresa listada na bolsa de valores, é impossível perceber os efeitos imediatos de sentenças como essa contra a Odebrecht. Mesmo assim, com base nas medidas divulgadas no próprio site da empresa logo antes da assinatura do acordo nos EUA, é possível prever que o próximo balanço apresentará ainda expressivas dificuldades no desempenho de suas operações.
Essa situação poderia ter sido evitada ou mitigada se, da mesma forma que a Rolls-Royce, medidas preventivas e pró-ativas no tratamento com as autoridades investigativas tivessem sido adotadas. Pode-se afirmar que se fosse possível para as autoridades envolvidas na negociação do acordo perceber mudanças no comportamento empresarial da construtura brasileira, as penas e os termos acordados poderiam ser diferentes. Não obstante, a Odebrecht ainda tem condições de passar a limpo esse passado tenebroso e demonstrar comprometimento com a ética para além de notas de esclarecimentos.
Nunca houve momento mais seguro para o setor privado investir em anticorrupção, especialmente no Brasil. Considerando que a aplicação de leis e multas cresce cada vez mais, pensar em iniciativas coletivas pode ser uma forma complementar eficiente para se pressionar companhias ainda reticentes em serem mais íntegras, principalmente se contar com o verdadeiro apoio de empresas de grande porte, capazes de influenciar não só dentro do próprio setor, mas cadeias de produção inteiras.
Além disso, é essencial que as autoridades tenham equilíbrio na imposição de multas, de modo que seja suficiente para demonstrar aplicabilidade da lei, forçar um dos elementos do combate à corrupção, mas que reconheça e incentive quando uma empresa já estiver tomando as atitudes cabíveis para se prevenir esse mal. Perder esse balanço pode trazer insegurança para investidores e enfraquecer os motivos de se ter um programa de integridade em curso.
United Nations Global Compact (2015). A Practical Guide for Collective Action against Corruption.
Ponemon Institute (2011). The True Cost of Compliance: A Benchmark Study of Multinational Organizations.
http://www.odebrecht.com/pt-br/comunicacao/releases/odebrecht-foca-em-liquidez-com-venda-de-ativos-e-reestruturacao-de-dividas
https://www.rolls-royce.com/sustainability/better-business/abc-compliance/standards-and-behaviours.aspx