Artigo de Daniel Duque e Marcelo Moraes

Ontem, 05 de dezembro, foi apresentada pelo governo federal a Reforma da Previdência, que visa mudar as regras vigentes da previdência pública, que trata-se de um dos direitos sociais assegurados pelo artigo 6º da constituição. A necessidade da reforma tem pouco a ver com ideologia e muito a ver com demografia. Como pode se observar no gráfico abaixo, na próxima geração o Brasil vai deixar de ser um país com muitos jovens para se tornar um país com muitos idosos.

Tal reforma tem como objetivo acabar com o déficit previdenciário que atualmente está próximo de R$ 100 bilhões de reais,  podendo chegar aos R$ 140 bilhões em 2017. A ideia da reforma é impedir que, no futuro, tenhamos graves problemas fiscais, que gerariam, a necessidade, por exemplo, de aumentos de impostos que impactariam nossos filhos. Em outras palavras, a reforma previdenciária é essencial para garantir a aposentadoria da próxima geração.

Com a reforma, passaremos a idade mínima de 65 anos para que se possa requerer aposentadoria e haverá  elevação do tempo mínimo de contribuição de 15 para 25 anos. Ela afetará todos os trabalhadores ativos com menos de 50 anos. Assim, para quem tem 50 anos (ou 45 para o caso das mulheres) ou mais, haverá uma regra de transição: o trabalhador poderá se aposentar pelas regras atuais caso pague uma espécie de “pedágio” de 50% do tempo que ainda falta para a aposentadoria.

Vale ressaltar que o cálculo do benefício previdenciário também será alterado, gerando incentivos para que o trabalhador contribua por mais tempo e receba mais por isso.

Atualmente as aposentadorias da previdência podem ser obtidas a partir da chamada “regra 85/95”. Basicamente ela determina a soma da idade do contribuinte mais os seus anos de contribuição necessária para se aposentar. Assim, para obter o benefício é preciso pontuar 85 anos no caso das mulheres e 95 no caso dos homens. Com a reforma apresentada essa fórmula será extinta e a nova regra de idade mínima com tempo de contribuição entrará em vigor. Isso valerá tanto para funcionários do mercado privado quanto funcionários públicos, com tempo de contribuição de 35 anos (homem) e 30 anos (mulher) para estes últimos.

A reforma promoverá o fim da paridade entre servidores ativos e inativos, não importando se ingressaram antes ou depois de 2003, quando, hoje, pela regra atual, o mesmo reajuste é garantido para todos.

Essa regra é benéfica no sentido de acabar com o fenômeno brasileiro dos aposentados aos 50 anos. As aposentadorias ativas da população de 50 a 59 anos representam quase 20% de todas os aposentados urbanos com mais de 50 anos, uma parcela sem igual na grande maioria dos países do mundo, especialmente os com a pirâmide etária brasileira. E, como quem costuma se aposentar nessa faixa de idade tem renda maior, uma vez que ao longo da vida teve empregos formais estáveis, a despesa com essa parcela da população representa mais de 22% o gasto de todas aposentadorias urbanas.

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Salienta-se que pelas regras atuais os professores têm o benefício de se aposentarem 5 anos antes dos demais trabalhadores. Essa prerrogativa será extinta e eles estarão sob regras iguais aos demais trabalhadores. Já policiais militares e bombeiros não entrarão na reforma, o que fragiliza bastante os resultados possíveis da previdência social. O governo federal espera que os Estados busquem a reforma dessas categorias, uma vez que, junto representam grande ônus para as previdências estaduais, que em regra enfrentam graves problemas.

A maior crítica neste primeiro momento se refere justamente ao fato dos militares estarem fora da reforma proposta. Eles são em grande parte responsáveis pelo rombo atual. A ideia é que as regras dessa corporação passem por revisão em um projeto à parte, que deve elevar o tempo para solicitação de transferência para reserva de 30 para 35 anos e aumentar a alíquota de contribuição, hoje em 7,5%, para igualá-la aos dos funcionários públicos. Além disso, a idade mínima para permanecer na ativa deve ser extinta.

Outro fator importante da reforma é a pensão por morte. O especialista em previdência social Paulo Tafner pontua que a despesa orçamentária brasileira com pensão por morte é equivalente aos gastos do governo com a saúde pública. Assim, ela deve ser reduzida em 50%, mais 10% por dependente para todos os segurados, além de ser desvinculada ao reajuste do salário mínimo. Essa mudança também é positiva, por corrigir uma grande distorção da regra atual, na qual, com a morte do familiar, a renda familiar per capita aumenta, devido à manutenção do valor da renda total por meio do benefício unido à redução do número de pessoas na família (já que um deles morreu).

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Em relação aos trabalhadores rurais, atualmente podem se aposentar aos 60 anos (homem) e 55 anos (mulher), desde que provada sua atividade o campo. Vale ressaltar que parcela significativa tem dificuldades em provar, sendo a maioria das aposentadorias rurais sendo obtida judicialmente. A reforma propõe que a idade subirá para 65 anos e estes também deverão contribuir com o regime previdenciário com uma alíquota de 5%.

Outro ponto controverso se refere aos benefícios assistenciais dos idosos ou deficientes de baixa renda, que hoje possuem o benefício (LOAS) sem a necessidade de qualquer contribuição, com seu ganho vinculado ao salário mínimo. Com a reforma, a vinculação se dará apenas pela inflação e a idade deve subir de 65 anos para 70 anos. Essa mudança irá afetar mais de 4 milhões de brasileiros nessa condição de vulnerabilidade.

Em relação a todos os outros casos, não haverá desvinculação do piso previdenciário em relação ao salário mínimo.

Por fim, na reforma propõe um aumento da alíquota de contribuição previdenciária de 11% para 14% para os funcionários públicos federais e, por consequência, para os estaduais. Com grande parte do déficit previdenciário vindo dos servidores públicos, essa proposta poderá melhorar significativamente as contas da Previdência, apesar de não ser a solução definitiva para o problema do sistema previdenciário tupiniquim.

Conclusões

Ao não abranger os militares, a legitimidade da reforma começa desde já ameaçada, passando a mensagem de que os privilégios dos “de cima” serão mantidos, e os “de baixo” pagarão a conta. Salientamos que, caso uma reforma similar para os militares não seja aprovada, a sociedade brasileira estará apenas adiando um problema, e que isso cobrará seu preço.

Por outro lado, analisando apenas o que a Reforma da Previdência propõe, a despeito a ausência dos militares, pode-se considerar que ela no todo ela será benéfica. Se aprovadas dessa forma, as mudanças serão capazes de corrigir distorções que não só aumentam exageradamente a despesa previdenciária, como também a torna mais regressiva, atacando os mecanismos presentes hoje na previdência e que transferem renda da população mais pobre para a mais rica. No entanto, será preciso rediscutir a questão dos benefícios assistenciais do LOAS, os únicos cuja remuneração passará a ter ganho real zero, reduzindo o potencial redistributivo da Previdência.

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