Apesar da polarização existente hoje no Brasil, a vida não é binária. Ela é feita de nuances; é heterogênea. A ascensão e a queda do PT como fenômeno de ampla popularidade está relacionada com a heterogeneidade existente na própria história do PT.
O PT tem sua origem no socialismo radical – que levou sua bancada a votar contra a Constituição de 1988 por considerá-la demasiadamente “burguesa”. Isso não é estranho, já que o PT tem sua origem no chão da fábrica, nos sindicatos, nas universidades e nas comunidades eclesiásticas de base. Mas, depois de várias derrotas eleitoriais, o PT se modificou – alguns diriam que se “deteriorou”; outros, que “amadureceu”.
A corrente liderada por Lula (chamada inicialmente de “Campo Majoritário” e depois rebatizada de “Construindo um Novo Brasil”), que é dominante no partido, decidiu, ao início dos anos 2000, modificar sua retórica e sua política. Em 2002, Lula lançou uma Carta ao Povo Brasileiro em que ele prometia “respeitar os contratos”, se engajar num “combate à inflação” e “preservar o superávit primário o quanto for necessário para impedir que a dívida interna aumente e destrua a confiança na capacidade do governo de honrar os seus compromissos”. Uma virada de 180 graus em relação ao PT socialista. Nascia o “PT cor-de-rosa” e o Lulinha-paz-e-amor.
Após as eleições, Lula indicou Henrique Meirelles, um banqueiro eleito deputado pelo PSDB, para o Banco Central. Seu Ministro da Fazenda, Antonio Palocci, sempre elegiou a atuação de seu antecessor – o Ministro da Fazenda de FHC, Pedro Malan. Lula respeitou a estrutura macroeconômica estabelecida em 1999 por FHC, chamada de tripé macroeconômico (metas de inflação, superávits primários e câmbio flutuante). Por isso, ele conseguiu aproveitar o bom ambiente externo, expandir as políticas de transferência condicional de renda, ver o país crescer e reduzir a pobreza enquanto distribuía renda e terminar seu mandato como o presidente mais popular da história. O país conseguiu alongar o perfil da dívida e acumular amplas reservas internacionais – o que tornou o país menos propenso a crises – e aprovar algumas reformas importantes – como a nova Lei de Falências.
Mas, já ao fim do governo Lula, sob o comando de Guido Mantega, essa história de sucesso começava a ser desmontada. Durante e depois da crise global de 2009, o governo iniciou diversas políticas “anti-cíclicas”. Mas, como diz o nome, gastos anti-cíclicos só devem ser usados quando há uma recessão. E o PT, já sob Dilma e Mantega, continuou tentando intervir na economia: regulando preços, dando desonerações específicas para setores amigos (como a indústria automobilística ou a “linha branca”), usando bancos públicos para expandir o crédito ao consumo e aumentando os gastos públicos cometendo fraude fiscal com as famigeradas “pedaladas” – que, ao fim, levariam ao impedimento da Presidenta. Ao mesmo tempo, o governo abandonou os superávits primários e a dívida pública disparou. Isso deteriorou a confiança dos consumidores e do empresariado – e o país entrou na maior recessão de sua história.
Este artigo traz a história da ascensão e queda do Partido dos Trabalhadores em 13 gráficos.
Durante os anos do governo FHC, a base do PT criticava a política de superávits primários como uma política “para banqueiros”. Superávits são economias que o governo faz gastando menos do que arrecada em impostos. Esse excedente é utilizado para abater os gastos com os juros da dívida pública – evitando, assim, com que ela cresça em demasia. O governo Lula entregou superávits ainda maiores dos que o de FHC. Se essa política é “neoliberal”, Lula foi um campeão de neoliberalismo.
Lula escolheu Henrique Meirelles, ex-Presidente do BankBoston e então deputado eleito pelo PSDB, para chefiar o Banco Central. O recado ao mercado era claro: eles não iriam ameaçar a política econômica nem dar espaço para inflação.
Henrique Meirelles também comandou o período de amplo acúmulo de reservas internacionais pelo país. Isso tornou o país menos vulnerável a crises cambiais, já que os investidores internacionais sabem que podem conseguir dólares sempre que quiserem entrar e sair do país – e, por isso, podem programar seus investimentos a mais longo prazo, sem precisar sair repentinamente por medo de uma falta de moeda estrangeira no país. Durante o governo Lula, a dívida externa pública do Brasil foi zerada em termos líquidos.
Além de manter as bases da política econômica, Lula contou com um céu de brigadeiro no ambiente externo. Esse gráfico abaixo mostra os “termos de troca” da economia brasileira. Os “termos de troca” são a razão entre os preços das exportações brasileiras e os preços das importações brasileiros. Quando esse índice sobe, isso significa que, pelo mesmo volume de bens exportados (sejam eles soja ou aviões), se pode importar um volume maior de bens e serviços. Isso estimula as exportações brasileiras, dá um impulso ao crescimento econômico e faz com que os brasileiros se sintam mais ricos ao importar qualquer coisa do exterior.
O futuro Ministro da Fazenda de Dilma e então Secretário do Tesouro de Lula Joaquim Levy deixou um legado positivo para o país. Ele comandou o período inicial do Tesouro, em que se organizou o alongamento do prazo da dívida brasileira. Alguns anos depois de Levy deixar o Tesouro, depois de atingido o grau de investimento, o governo conseguiu emitir títulos nominais de longo prazo. Por que isso é importante? Porque torna o governo menos vulneráveis a mudanças nos juros presentes, tornando as contas do governo menos expostas quando o Banco Central tem que subir os juros para combater a inflação. Até 2010, o prazo máximo dos títulos nominais brasileiros (isto é, aqueles que não flutuam com a inflação ou a taxa de juros) era de cerca de três anos. No fim do governo Lula, esse prazo chegou a 10 anos.
Crescimento é a melhor receita para reduzir a pobreza. No Brasil, não é diferente. Quando a renda per capita subiu, a pobreza tendeu a cair. Com Lula, como o crescimento foi forte e a pobreza caiu significativamente.
Durante todo o período do governo Dilma, a inflação esteve acima da meta e numa trajetória ascendente. Mas sua pior manobra ocorreu entre 2013 e 2014, quando, antes das eleições, o governo reprimiu artificialmente os preços regulados (como eletricidade, gás e gasolina, por exemplo), para evitar que uma inflação alta em ano eleitoral pudesse arriscar suas chances de re-eleição. Após a eleição, os preços regulados foram corrigidos, subindo até 18% em 2015, e a inflação geral em 2015 passou dos 10% – o que não acontecia desde 2002.
Enquanto durante toda a era Lula o governo gastou menos do que arrecadou em impostos (ou seja, teve um “superávit primário”), no governo Dilma, a partir de 2014, o governo passou a gastar muito mais do que arrecada e a situação fiscal no Brasil se deteriorou.
Além dos déficits primários cada vez maiores, Dilma também adotou uma prática que não era comum antes dela. Ela deixava amplas dívidas com bancos públicos, como a Caixa, o Banco do Brasil e o BNDES, que eram contratados para fazer pagamentos de programas específicos do governo. Com o atraso, a situação fiscal do governo parecia melhor do que era. Só que essas operações, entendidas como empréstimos pelo TCU, violam a Lei de Responsabilidade Fiscal e são crimes de responsabilidade (embora não crimes comuns). Operações nesse volume – grandes o suficiente para maquiar a situação do governo e serem caracterizadas como empréstimos – não foram observadas em nenhum governo anterior. No fim, elas foram a justificativa jurídica mais forte pelo impedimento da Presidenta.
Com déficit primário e fraudes fiscais, a dívida pública do governo explodiu. Em apenas dois anos, ela foi de 50% a 67% do PIB.
Com a situação fiscal, empresários e consumidores pararam de investir e comprar, respectivamente. Sem saber o que viria no futuro – inflação ou moratória da dívida -, eles preferiram deixar de gastar.
Desde a Grande Depressão não há dois anos seguidos de crescimento negativo do PIB. E, somados, 2015 e 2016 serão o momento de maior retração da economia brasileira desde que a série do PIB começou a ser estimada.
O gráfico abaixo sumariza a ascenção e queda do PT. Lula saiu do governo como o presidente mais popular da Nova República. Dilma, em seu ocaso, tinha uma popularidade similar à que tinha Collor logo antes de seu impeachment.