“A vida é incerta, não importa como ela seja vivida. A ideia de que o processo político, que é uma das coisas mais volúveis da face da terra, pode fornecer as bases para a certeza e para a estabilidade é uma ideia que só pode ser defendida por quem vive em alguma espécie de dimensão paralela.”
(William L. Anderson)
Uma das principais justificativas das pessoas para intervenções do governo em setores da economia é a correção de supostas desigualdades existentes entre os agentes do mercado, principalmente as diferenças de poder aquisitivo dos consumidores de bens e serviços. Algumas pessoas clamam por intervenções na saúde e na educação quando não existem hospitais sem filas ou escolas de qualidade para os pobres, por intervenções nos transportes quando a passagem fica mais cara e o “trabalhador” agora terá de pagar mais, na previdência quando as pessoas não conseguem economizar dinheiro para se aposentar e tem de continuar trabalhando na velhice, entre tantos outros casos… Mas será que essas demandas estão corretas?
Classicamente, defende-se que o governo pode intervir num setor da economia quando houver algo denominado falhas de mercado. Elas são em geral caracterizadas em três grandes áreas:
A escassez, em outras palavras a reduzida quantidade de algo em relação a sua demanda, não é uma falha de mercado visto que é a condição natural da economia — bens são escassos por excelência. Portanto, ela não é motivo para justificar intervenções do poder estatal, por mais que seja a principal justificativa de todas as pessoas que pedem que o governo se intrometa nos mercados. Da mesma forma, a desigualdade é condição inerente aos seres humanos, pois somos todos diferentes. Por mais que em um momento igualássemos tudo — como era o caso assim que os primeiros acestrais dos seres humanos deixaram de viver nas árvores –, pouco tempo depois teríamos novamente diferenças originadas de trocas voluntárias e de preferências pessoais — e essas diferenças tendem a ficar um pouco mais proeminentes com o tempo, apesar de se estabilizarem em longo prazo.
Com base nisso, as intervenções do governo só se tornam razoáveis quando elas atuam diretamente para combater a falha de mercado existente e não tentam redesenhar o sistema para “corrigir” problemas que não são solucionáveis, nem para torná-lo mais agradável aos olhos do regulador.
Assim, posteriormente a identificação da falha de mercado, devemos analisar duas coisas essenciais antes de propor qualquer intervenção: pode o governo com suas ações corrigir o problema encontrado? Se sim, qual é o custo dessa correção a curto, médio e longo prazos?
Se o governo realmente conseguir adereçar a falha de mercado e conseguir fazê-lo com custos baixos tanto no presente, como no futuro, então aquela intervenção é razoável e pode ser defendida. Caso contrário, ela será apenas uma tentativa de políticos e grupos de interesse de controlar a vida de outras pessoas e reduzir a liberdade individual de todos. Além disso, mesmo que a intervenção seja razoável, ela deve ser constantemente revisitada e deve-se colocar na balança se ela ainda é necessária e se o governo é realmente deve se manter naquele mercado.
Infelizmente, na maior parte dos casos o que vemos é a incorreta identificação de uma suposta falha, seguida da implementação de políticas públicas que não resolvem o problema identificado e que muitas vezes pioram a situação daquele mercado. Elas são acompanhadas por outras políticas que tentam corrigir as novas falhas de governo geradas e que vão aumentando os custos para a sociedade e dilapidando a liberdade, como uma bola de neve.
Um exemplo simples de intervenção governamental para solucionar algo que não é uma falha de mercado se dá quando da implementação de políticas públicas para reduzir a taxa de desemprego entre jovens, em geral a maior da economia.
Normalmente, jovens são precificados fora do mercado porque sua falta de experiência não compensaria o valor de salário que deve ser pago devido às leis de salário mínimo. Esses jovens têm, portanto, dificuldade de serem contratados, de ganhar experiência e de se tornar mais produtivos — a fim de justificar o valor pago pelos seus empregadores. Com isso os números de desempregados nessa faixa etária aumentam quanto maior for o salário mínimo e quanto pior for o sistema educacional.
Quando o governo vai e decide facilitar a contratação de jovens, principalmente com incentivos fiscais — e sem adereçar o real problema que são os custos trabalhistas e a legislação draconiana feitos pelo próprio governo —, ele torna mais atrativo a empresas contratar jovens do que adultos — muitas vezes pessoas quase idosas, com experiência, mas sem educação formal –, alterando basicamente o ponto em que o desemprego se localiza — não são novos empregos que surgem, apenas os ocupantes dos postos de trabalho que mudam. A empregabilidade de jovens até aumenta, mas agora pessoas mais velhas e muitas vezes já com famílias formadas se vêem sem emprego porque o governo criou uma distorção no mercado de trabalho.
Essa situação é um exemplo claro do governo intervindo em mercados sucessivas vezes para corrigir problemas que não são falhas de mercado e gerando consequências indesejadas pela maioria das pessoas da sociadade — embora, às vezes, um governante possa querer um desemprego maior entre chefes de família para conseguir vender o seu peixe político com programas de “assistência social” e de compras de voto.
Como então deve ser feita a intervenção?
Cada mercado apresentará suas particularidades, mas em todos os casos que deve acontecer é a busca em solucionar exatamente a falha de mercado encontrada e não tentar reformular o sistema como um todo. Um exemplo simples de política pública efetiva e que ataca diretamente uma falha de mercado é a exigência de bulas de medicamento — com linguagem simples e direta — em todos os remédios vendidos no Brasil. A bula contém as explicações sobre dosagem, efeitos da droga, efeitos colaterais e quais medidas devem ser tomadas em caso de problemas, sendo uma solução para a assimetria de informação. Ela não distorce o mercado, tem custos baixíssimos e é eficaz em seu propósito. Outro exemplo nessa mesma área são os comerciais de medicamentos nos EUA que são obrigados a listar os efeitos colaterais da droga no mesmo tom de voz e velocidade da fala dos atores, muitas vezes passa-se até mais tempo listando as contra indicações do remédio do que seus efeitos positivos.
Outra política pública eficaz é a vacinação contra doenças infecto-contagiosas comuns e de alto dano — caso de sarampo, caxumba, difteria, coqueluche, etc. A vacinação é um exemplo de externalidade positiva, visto que um maior número de pessoas imunizadas em uma comunidade leva a redução do risco de disseminação de doenças para os membros que não podem ser imunizados — como idosos e recém nascidos. O governo consegue prover eficientemente esse serviço — apesar de não necessariamente ser o melhor provedor — e a baixos custos — economia de escala se aplica na compra de vacinas. Assim temos um exemplo de intervenção que está direcionada a uma falha de mercado — a externalidade –, que pode ser implementada pelo governo a custos baixos tanto presentes como futuros.
Apesar de eficazes, as políticas de obrigatoriedade da bula de remédios e de vacinação não devem em momento algum ser tomadas como perfeitas e imutáveis. Elas devem ser, em todos os momentos, alvos de análise, de questionamento e de aperfeiçoamento — e isso é função essencial de toda a sociedade. Há de sempre existir um ceticismo relativo a qualquer intervenção estatal que seja feita na economia, principalmente intervenções que possam ser vistas como permanentes.
E o que fazer com situações que não são falhas de mercado?
A resposta simples e direta é reduzir todas as distorções artificiais já criadas pelo governo nessas áreas que atrapalham o funcionamento do sistema de trocas e deixar o mercado funcionar o mais livremente possível. É só olhar como a economia informal no Brasil consegue suprir muitos dos serviços que as pessoas necessitam, por mais que ela não seja contabilizada nos cálculos do PIB e não seja considerada nas análises de bem estar social da população.
Para termos mais escolas de qualidade atendendo às crianças pobres, a solução não é fechar escolas privadas das comunidades carentes e aumentar o investimento em educação estatal, mas sim permitir a concorrência entre estabelecimentos de ensino e criar mecanismos para que a avaliação da qualidade seja feita de forma constante — afinal de contas, normalmente as escolas estatais tem menos accountability e piores resultados em exames padronizados. O mesmo vale para a existência de hospitais e serviços de saúde comunitários — muitas vezes proibidos pela Anvisa –, para a presença de profissionais de qualquer especialidade disputando por consumidores — por mais que não tenham a titulação formal — e com a disponibilidade de bens nos mercados. A concorrência é o único mecanismo que consegue aumentar a oferta e melhorar a qualidade para os clientes, diminuindo os preços, não as regulamentações.
Se o governo sair do caminho, reduzir o peso regulatório e deixar as pessoas empreenderem, com certeza teremos mais crescimento e prosperidade. Óbvio que políticos, intelectuais e funcionários públicos vão perder grande parte do seu poder nesse cenário e vão reclamar muito no processo, usando de entidades de classe e movimentos sociais para manter o status quo. Mas a população merece a liberdade de caminhar com suas próprias pernas e não ser controlada por tiranos que se escondem atrás de livros, diplomas e supostas boas intenções.