Por Ana Luisa Dassié e Luan Sperandio

O debate sobre a adoção homoparental – ou sobre o direito de casais homossexuais adotarem uma criança – com frequência ignora um detalhe importante: a psicologia. Por isso, repetem-se argumentos sem qualquer fundamento – “Pode fazer mal à criança, pois ela necessita ou do pai ou da mãe”; “Ela irá sofrer com o preconceito” e o eterno “Ela poderá se tornar homossexual!’”.

Raramente se fala da ampla literatura científica que contraria esse “senso comum”. Alguns exemplos:

O Parlamento Sueco, vale dizer, após longa pesquisa, concluiu possuírem os casais homoafetivos igual preparo para a criação de uma criança ou adolescente, assim como os casais heterossexuais[1].

Igualmente, pesquisas realizadas nos Estados Unidos, as quais visavam obter informações referentes à existência de psicopatologia e ajustes psicológicos, apontaram não haver indícios que diferenciassem pais heterossexuais de pais homossexuais.[2]

Outro estudo, mais recente, coordenado por Ryan Light, professor de sociologia da Universidade do Oregon (pode ser acessado diretamente aqui), indicou que a diferença entre filhos criados por casais homossexuais e casais heterossexuais é insignificante. Ou seja, adultos que foram criados por dois pais ou duas mães podem ser tão saudáveis e bem-sucedidos quanto os que conviveram a vida inteira com uma família de arranjo tradicional.

Vale ressaltar que eventuais dificuldades enfrentadas por um indivíduo adotado por um casal de homossexuais, muitas vezes, são decorrentes do sentimento de rejeição, ausência e do abandono dos pais biológicos, e não da sexualidade do casal que o adotou.

Ou seja, o trauma da criança após ser desamparada por sua família biológica e viver anos em abrigos durante o período de formação de personalidade na primeira infância pode ser o motivador de possíveis problemas no futuro, independentemente dela ter sido adotada por héteros ou homossexuais

Historicamente, a instituição do casamento foi responsável por transmitir status na sociedade, e há muito vigoram restrições à formação das famílias reconhecidas pelo Estado. O recurso geralmente teve o fim explícito de atingir determinadas minorias.

Por exemplo: são fatos notáveis ao longo da história que, na Roma Antiga, os pobres plebeus eram proibidos de se casarem com os nobres patrícios até 445 a.C.; há menos de 50 anos, vigoravam leis da miscigenação, que proibiam casamentos inter-raciais nos Estados Unidos; atualmente, em apenas 22 países no mundo o casamento entre pessoas do mesmo sexo é permitido.

Grupos de maior poder e influência política sempre utilizaram destas para fazer definições arbitrárias do casamento, embora isso venha regredindo paulatinamente, principalmente no ocidente. Mesmo no Brasil, já há um histórico de decisões judiciais favoráveis a adoção homoparental, sendo a questão, inclusive, já analisada pelo STJ (Resp 889852 RS 2006/0209137-4).

Em um fragmento, Carbonera resume bem o papel do ordenamento jurídico no tocante à família:

“[O] Direito não deve decidir de que forma a família deverá ser constituída ou quais serão suas motivações juridicamente relevantes (…). Formando-se uma [família] que respeite a dignidade de seus membros, a igualdade nas relações entre eles, a liberdade necessária ao crescimento individual e a prevalência das relações de afeto entre todos, ao operador jurídico resta aplaudir, como mero espectador.” (CARBONERA, 1999, p. 23).[3]

Os argumentos contra a adoção por casais gays não encontram sustentação em estudos empíricos e são enfraquecidos pela história. Se estivermos verdadeiramente interessados na harmonia social e na saúde das crianças, precisamos falar sobre adoção homoparental.


 

[1] SILVA JÚNIOR, Enézio de Deus. A Possibilidade Jurídica de Adoção por Casais Homossexuais. 3ª Ed. Juruá. 2008.

[2] UZIEL, Anna Paula. Homossexualidade e Adoção. Rio de Janeiro. Garamond, 2007, p.75.

[3] SILVA JÚNIOR, Enézio de Deus. A Possibilidade Jurídica de Adoção por Casais Homossexuais. 3ª Ed. Juruá. 2008.

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