À época de sua aprovação pelo Congresso, o Marco Civil da Internet recebia apoios fervorosos de autoridades políticas, técnicos especialistas, órgãos de imprensa, formadores de opinião, organizações de sociedade civil e celebridades diversas. Descartada a improvável hipótese de uma mega conspiração de agentes do mal, resta reconhecer que o projeto foi alimentado por boas intenções de pessoas honestas, muitas delas motivadas por uma alegada urgência de um marco regulatório para as redes.

Bons propósitos são importantes, mas podem ser contraproducentes se ignoram as consequências jurídicas de fatos e processos que os redatores da lei não podem controlar, como ensina a Teoria da Escolha Pública. As boas intenções provavelmente estiveram presentes no inquérito aberto pelo Ministério Público da Bahia contra a TIM, punindo a oferta de um plano de Internet mais barato e com acesso ilimitado ao WhatsApp, ressaltando a proteção do princípio de neutralidade da rede. Com ele, Marco Civil da Internet inevitavelmente prejudica os consumidores enquanto defende a padronização ordeira da oferta de conexão, impedindo descontos personalizados aos interesses de cada cliente.

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A proibição arbitrária de promoções, sites e aplicativos geralmente derivam dos “conceitos jurídicos indeterminados” presentes no Marco Civil. Fora do juridiquês, eles consistem basicamente em definições vagas/imprecisas contidas em uma norma. Alguns trechos da legislação abrem espaço para discussões sobre seu conteúdo, mas esta imprecisão não impede que sejam determinadas consequências e punições para quem violar esses princípios de significado incerto.

O art. 2º do Marco Civil, por exemplo, inclui como fundamento a “finalidade social da rede”. Essa expressão permite toda sorte de interpretações e, com isso, concentra imenso poder de arbítrio na mão dos juízes que interpretam a lei. A incerteza inibe investimentos no fornecimento de conteúdo e acesso à internet, dado que gera insegurança jurídica. Aplicando a doutrina conveniente para interpretar o “interesse da coletividade”, o juiz pode fazer com que este signifique qualquer coisa. É mais um termo subjetivo que não tem critério definido.

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Em um momento de crise política, por exemplo, uma interpretação particular do “interesse da coletividade” pode justificar restrições judiciais ao acesso a determinado portal de notícias, sob a alegação de que ele não estaria em conformidade com a “finalidade social da rede”.

A decisão que motivou o bloqueio do aplicativo Whatsapp foi um pedido do Ministério Público após o aplicativo não liberar dados sobre investigados após determinação judicial de quebra de sigilo. Por complicar o acesso da Justiça aos dados privados de um usuário, o aplicativo foi bloqueado em todo o território nacional, sob a acusação de não atender à sua finalidade social. Não se trata da primeira tentativa, vale dizer. Houve caso semelhante no Piauí, em fevereiro deste ano e provavelmente teremos outros.

Menos de 24 horas após suspensão, o WhatsApp voltou a funcionar. No entanto, o Marco Civil da Internet, com seus institutos jurídicos com conceitos indeterminados, permanece vivo e suas brechas continuam à disposição dos agentes do Estado, que poderão tomar decisões análogas quando for conveniente.

A campanha pelo Marco Civil, com apoio efusivo de grande parte das elites formadoras de opinião, concedeu ao Estado brasileiro um passe livre para interferências na internet. Grande parte dos avisos sobre a lei, rejeitados à época como meros esbirros de quem defende o retrocesso, mostraram-se precisos.

Pense bem: você acha que alguma autoridade merece controlar a internet?

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