O ex-presidente uruguaio, José “Pepe” Mujica, em sua última visita ao Rio de Janeiro, fez um grande discurso para um público de mais de 5 mil jovens. Entre tantos outros ditos, ele afirmou, sendo ovacionado em seguida: “Nós temos que pensar como espécie e não como países. E isso engloba o mundo inteiro. Os pobres da África não são da África, são do mundo inteiro. Os homens que atravessam o Mediterrâneo são nossos. Todos são nossos conterrâneos. A liberdade não se vende, se ganha fazendo algo pelos demais”. De fato, entre o pensamento progressista, muitos têm pensado na pobreza e na desigualdade como problemas de todo o planeta. No mesmo sentido mundialista, o rock star da economia Thomas Piketty sugere um imposto global sobre ganhos de capital para limitar a desigualdade global.
Mujica está certo. A pobreza e a desigualdade não são temas para se limitar às fronteiras nacionais. E o ex-presidente uruguaio incluiu ainda nesse discurso outra grande tragédia da humanidade, muito mais ligada à primeira do que se pensa: os homens e mulheres que tentam atravessar ilegalmente mares e fronteiras tentando emigrar para a Europa. O terrível caso da criança síria que morreu nas praias da Turquia, a tentar fugir da guerra civil com seus pais, simboliza esse tragédia humanitária. As mortes dos migrantes no Mediterrâneo e a desigualdade e pobreza que assolam o mundo, de fato, estão intrinsecamente ligadas.
Em 1867, Karl Marx publicava o primeiro volume de O Capital. Em linha com a percepção de Marx, a desigualdade era, então, marcadamente um problema de classes. Em qualquer lugar do mundo capitalista, a pobreza era uma constante entre os operários, de baixa produtividade. Porém, passados mais de 100 anos, essa não é mais a realidade. O gráfico abaixo evidencia que o caráter atual da desigualdade se dá pelo país em que os indivíduos vivem. Dois proletários podem ter rendas (e condições de vida) profundamente diferentes, não devido a sua classe social, mas dependendo se vivem na China ou na Austrália.
Agora imagine um mundo em que, por exemplo, marroquinos assolados por baixos salários e longas horas de trabalho pudessem livremente buscar a felicidade na França, com quem compartilham uma mesma língua. Imagine um mundo onde brasileiros demitidos pudessem pegar um ônibus e passar a viver no Chile ou no Uruguai, sob o governo dos esquerdistas Bachelet e Vázquez (sucessor de Mujica). Por fim, imaginem o que ocorreria se não houvesse muro separando o México dos Estados Unidos.
De fato, com a livre mobilidade da população mundial, homens e mulheres livres seguiriam em direção aonde há melhores condições de vida na percepção de cada um. O problema atual da desigualdade se resume ao fato de que muitas pessoas vivem no lugar errado – em países com instituições pouco favoráveis à sua prosperidade. Países que oferecem baixos salários perderiam mão de obra, o que obrigaria as empresas lá instaladas a oferecer cada vez maiores remunerações para atrair trabalhadores. A convergência mundial de salários e remunerações seria, portanto, um dos efeitos da livre migração.
Outro grandioso efeito seria a intensa movimentação de potenciais pequenos e médios empreendedores em busca de países com condições mais favoráveis à livre iniciativa, sem grandes impostos, pesadas regulações ou substanciosa burocracia. Com isso, todos os países estariam efetivamente concorrendo entre si para criar um ambiente institucional atrativo aos empreendedores. Isso levaria prosperidade a muitas populações que ainda sofrem com legislações excludentes que determinam licenças legais em excesso para a prestação de serviços – até os mais triviais, como a venda de pipoca ou limonada em praça pública.
Esses seriam apenas os efeitos econômicos positivos da livre circulação de pessoas. Um mundo onde crianças sírias não precisam morrer tentando chegar à Turquia é um mundo onde salários seriam menos desiguais e o empreendedorismo, cada vez mais facilitado. Mas também é um mundo em que jovens negros não precisariam se sujeitar a uma polícia responsável por 15% dos homicídios de um país racista, em que guerras civis fariam cada vez menos sentido, ao passo que a população sairia em êxodo.
Por que, então, existem até hoje tantas barreiras à imigração, especialmente na Europa? Para se ter uma ideia, desde agosto deste ano o partido mais popular na Suécia é o Democrata Sueco, o mais radical nas políticas anti-imigratórias. Seu discurso é que há, no país, “muitos imigrantes e demasiados pedintes da Europa Oriental”. Ainda, segundo um levantamento do The Guardian, há um fator ideológico que junta todos os partidos vencedores das eleições recentes nos países nórdicos: o radicalismo anti-imigração.
Todo esse sentimento contra a livre migração nesses ditos “modelos de país bem sucedido” têm uma origem em comum, para a surpresa da esquerda latino-americana: os Estados de Bem-Estar Social. Como este Mercado já abordou anteriormente, para que as políticas de welfare tenham sucesso, precisam ser implementadas em países fechados, com uma população altamente qualificada e homogênea. É uma estrutura de Estado que se assemelha a um condomínio de luxo, onde não há pobreza ou desigualdade dentro dos muros, mas que pouco contribui para mitigar esses flagelos fora de suas fronteiras.
A contradição existente entre a livre migração – que beneficiaria os pobres e desesperados de todo o planeta – e as políticas de welfare é essencial para entender por que cada vez mais se fortalece esse sentimento anti-imigração na Europa social-democrata. Nas últimas décadas, os países europeus que têm recebido mais imigrantes precisaram rever seus modelos de bem-estar social e, também não coincidentemente, isso gerou uma reação típica de moradores de condôminos: a tentativa de exclusão daqueles que podem ameaçar o belo quadro social que há dentro dos muros.
Mesmo nos Estados Unidos, o discurso anti-imigração ganha cada vez mais força, fazendo voz também entre a esquerda. O senador norte-americano Bernie Sanders, pré-candidato democrata à presidência, e ídolo dos jovens de esquerda daquele país por defender uma expansão da rede de proteção social, reconhece essa contradição:
[Abrir as fronteiras] faria todo mundo na América mais pobre – você descartaria o conceito de um Estado nação… O que as pessoas de direita nesse país adorariam é uma política de fronteiras abertas. Traga todos os tipos de pessoas, trabalhando por 2 ou 3 dólares por hora, isso seria ótimo para eles. Eu não acredito nisso.
Em realidade, as barreiras imigratórias são uma reserva de mercado: servem para manter privilégios, geram ineficiência e são a causa de grande parte da ausência de bem-estar para mais da metade da população mundial – em benefício dos poucos afortunados que tiveram a sorte de nascer dentro dos condomínios europeus.