Donald J. Boudreaux é o diretor do departamento de economia da Universidade George Mason. Em parceria com Ordem Live.

Assim que eu terminei de ler Anything that’s Peaceful, o extraordinário livro de Leonard Read, me veio um imenso sentimento de gratidão e honra. Gratidão pela vida e obra de um homem tão sábio, e honra de haver conduzido a organização fundada por ele. Leonard Read foi verdadeiramente um grande liberal. Conforme Read expressou em sua filosofia liberal, todas as ações voluntárias e pacíficas entre adultos devem ser imunes à interferência estatal. O uso da força física é apenas justificável para defender alguém da ação coercitiva alheia.

Que princípio maravilhoso e funcional sobre o qual se pode construir a sociedade civil! Tanto a teoria quanto a história provam que esse princípio promove a paz, a estabilidade, a prosperidade e uma cultura rica e diversa. Mas, ainda assim, muitas pessoas permanecem hostis a esse princípio.

A hostilidade da esquerda é previsível. Afinal, os esquerdistas virtualmente se definem como aqueles que enxergam a coerção iniciada pelo Estado (ou sua ameaça) como uma poção mágica capaz de invocar todo o bem imaginável e de exorcizar a humanidade de tudo o que é maligno.

O que incomoda é encontrar essa mesma hostilidade entre aqueles que se dizem amigos da liberdade e do livre mercado. Durante os últimos anos, um número de escritores pró-mercado criticaram a política de imigração aberta. Apesar do debate entre diferentes lados a respeito da imigração ser algo bastante útil, eu pessoalmente acho que o argumento que se apresenta contra a imigração não é nem um pouco persuasivo, e, em alguns casos, fortemente anti-liberal.

A versão mais popular do argumento contra a imigração “libertário” é mais ou menos assim:

Cada proprietário tem o direito moral (ou deve ter o direito moral) de expulsar de sua propriedade, ou de admitir em sua propriedade, qualquer pessoa que ele escolher. Numa sociedade livre, ninguém é coagido a se envolver com pessoas não desejadas. Assim, como em uma sociedade livre toda a terra seria propriedade privada e o governo se limitaria a (no máximo) manter a paz, a política de imigração nessa sociedade seria o que quer que cada proprietário decida. Se eu desejar que 100 irlandeses pouco capacitados entrem na minha propriedade, assim seja. Se meu vizinho decidir que ninguém do outro lado da sua rua pode entrar na sua propriedade, assim seja. O número de políticas sobre imigração em uma sociedade livre seria proporcional ao número de proprietários. Na prática, os imigrantes seriam pessoas que contribuiriam com os cidadãos de uma localidade por meio dos ganhos do comércio.
Mas nós não vivemos em uma sociedade livre. Queira-se ou não, nós estamos atrelados a um governo intrusivo. E esse mesmo governo possui enormes faixas de terra e imóveis públicos. Dado que o governo excessivo é uma realidade que não vai desaparecer logo, a melhor esperança para os cidadãos de uma sociedade democrática é que o governo imite as políticas imigratórias que uma sociedade livre adotaria. Como não haveria livre entrada em uma sociedade completamente livre, não deve haver livre entrada na sociedade não-livre em que vivemos. Na verdade, a imigração aberta é uma monstruosa integração coercitiva. Os cidadãos que não querem se associar com estrangeiros são forçados a agirem dessa forma por um Estado que livremente admite a entrada de imigrantes. E já que o uso da força é algo ruim, a integração forçada (ou imigração aberta) seria algo ruim.

Esse argumento é apresentado em diferentes versões, mas o resumo acima captura a tese principal. E o argumento está errado.

1. O Estado não é um proprietário

Primeiro, pedir que o governo imite os resultados de um sistema de pura propriedade privada é ignorar o motivo mais importante pelo qual o governo deve ser estritamente limitado. Diferente de um proprietário, o Estado não pode recorrer à força para aumentar o tamanho de sua posse e o valor de seu portfólio. O Estado não é um proprietário. As restrições contra a arbitrariedade do governo são justificável exatamente porque o governo possui um monopólio sobre o uso da coerção.

Considere, por exemplo, a proteção constitucional da liberdade de expressão. Seria razoável dizer que, já que cada proprietário possui o direito de regular o que é dito em sua propriedade, o governo em nosso mundo menos-que-libertário deveria ter o poder de regular o que é dito em lugares públicos ou através de ondas eletromagnéticas? É claro que não. Mas esse argumento é análogo ao argumento a favor da restrição estatal sobre a imigração.

2. Rotular a imigração de “integração forçada” é uma desonestidade

Em Segundo lugar, rotular a imigração de “integração forçada” é uma desonestidade. Seria a mesma coisa que rotular a proteção à liberdade de expressão como “audição forçada”. Acontece que impedir que o governo regule o que falamos não é a mesma coisa que forçar as pessoas a nos ouvirem. Da mesma forma, permitir que as pessoas imigrem para os Estados Unidos não é a mesma coisa que forçar os americanos a se associarem contra a sua vontade. Sob um regime de imigração aberta, eu não preciso empregar ou jantar com alguém com quem eu não quero ter uma relação de emprego ou uma refeição. Na verdade, quando o governo restringe a imigração, ele está me prevenindo de contratar alguém que eu poderia querer empregar. Um imigrante que não recebe dinheiro de assistência social apenas participa de atos capitalistas consensuais com aqueles (e somente com eles) cidadãos que escolhem se relacionar com os imigrantes. Assim como as restrições sobre o comércio internacional são, no fundo, restrições sobre a liberdade doméstica dos cidadãos, assim também as restrições sobre a imigração são restrições sobre a liberdade doméstica dos cidadãos.

3. Afinal, por que as decisões imigratórias estatais seriam boas?

E em terceiro lugar, mesmo que alguma justificativa coerente pudesse ser oferecida em abstrato sobre em favor de um maior controle imigratório, é curioso que, no extremo, qualquer proponente da liberdade esteja disposto a confiar ao Estado o poder de escolher com quais estrangeiros nós podemos nos relacionar dentro do território doméstico. Não há razão alguma para acreditar que o Estado exercerá esse poder com maior prudência e inteligência que exerce os outros poderes.

Se a imigração aumenta ou não o PIB ou a renda per capita é uma pergunta empírica que apenas pode ser respondida por meio de um estudo empírico rigoroso. (O economista Julian Simon realizou boa parte desse estudo, e suas descobertas indicam que os imigrantes promovem a prosperidade). Mas o argumento moral para a imigração aberta é supremo. Uma divisão geopolítica é um motivo arbitrário para prevenir as pessoas de se relacionarem umas com as outras de qualquer maneira pacífica que elas assim escolherem.

 

* Publicado originalmente em 22/04/2008.

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