O perigo da liberdade moderna está em que, absorvidos pelo gozo da independência privada e na busca de interesses particulares, renunciemos demasiado facilmente a nosso direito de participar do poder político. […] Perdido na multidão, o indivíduo quase nunca percebe a influência que exerce. Sua vontade não marca o conjunto; nada prova, a seus olhos, sua cooperação. – Benjamin Constant

Durante o debate que acompanhou a Comissão da Reforma Política, a discussão sobre a representatividade política tinha o objetivo de criar um sistema de votação em que o voto dos brasileiros fosse dinamizado, de forma a representar proporcionalmente o maior número de pessoas. Pretendo, neste artigo de minha estreia no Mercado Popular, provar que a representação política tem problemas maiores dos que os que foram discutidos nos últimos três meses.

Em uma das palestras do Bruno Garschagen na publicação de seu novo livro, Pare de Acreditar no Governo, foi apresentado o seguinte gráfico, do IBOPE, mostrando que 66%, ou seja, a maioria dos brasileiros (dependendo da amostragem, 71% pelo Datafolha) não se identificam com nenhum partido político e o partido com mais identificação apresenta 15% de simpatizantes (ou 9% pelo Datafolha).

GRÁFICO 1 ARTIGO

O que causa estranhamento ao olhar esse gráfico? Uma pesquisa recente do Instituto GPP realizada entre os dias 9 e 10 de Maio indica que 89% dos eleitores cariocas não sabem citar nenhum nome dos 51 vereadores da capital. Só 3,8% citaram o nome da vereadora Rosa Fernandes (Solidariedade), campeã da última eleição com 68 mil votos e até mesmo o ex-prefeito que por mais tempo ocupou o cargo, Cesar Maia, só foi citado por 2% dos eleitores cariocas entrevistados, ficando em segundo lugar na pesquisa.

Embora não tenha encontrado pesquisas similares Brasil afora e que o Rio de Janeiro seja uma cidade com menor participação política (é umas das regiões com maior número de abstenções e votos nulos), é possível criar duas sentenças com tais dados: 1) A maioria dos brasileiros não conhecem seus políticos, incluindo seus posicionamentos; 2) A maioria dos brasileiros não se sentem representados por nenhum partido específico; e por conseguinte, 3) A maioria dos brasileiros não se sentem representados por políticos e por partidos que não conhecem.

O cientista político Alberto Carlos Almeida, da FGV, demonstra em seu livro Reforma Política: Lições da História Recente que 71% dos eleitores esqueceram em quem votaram para deputado federal quatro anos antes e que a “amnésia eleitoral” é maior entre os de menor escolaridade. Mas, 53% das pessoas com nível superior também não se lembram de seu voto. E isso é algo fácil de comprovar com outras pesquisas pelo Brasil: O Instituto Sondage, de Goiás, mostra que, em 2014, 72% dos goianos não foram capazes de dizer qual foi o candidato escolhido nas eleições de 2010 para deputado federal e 66% não lembram em quem votaram para senador. Uma pesquisa do TSE em 2010 realizada há pouco mais de um mês do primeiro turno, mostrou que já naquele momento, um pouco menos de um quarto dos eleitores não lembrava em quem votou para deputado federal (23%), estadual (21,7%) e senador (20,6%).

É de se imaginar que cidades com maior número de filiados proporcionais também serão as cidades em que a participação política é mais ativa, correto? Um artigo do cientista político e professor da UFPR Emerson Cervi, no Blog Em Público demonstra nos municípios do Paraná que existe uma correlação positiva entre os índices de analfabetismo e os índices de filiação partidária, ou seja, conforme aumenta taxa de analfabetos no município, cresce o percentual de filiados. Não apenas, também existe uma correlação positiva entre o aproveitamento de votos (ou seja, maior proporção de votos para vereadores eleitos) e os últimos 2 índices citados: É possível concluir, com isso, uma tendência, em que municípios menos desenvolvidos apresentam maior filiação, mas também maior relação e dependência entre os eleitores locais e as lideranças locais, como vereadores, secretários e prefeitos.
Analfabetos X Filiados X Eleitos [Paraná]
Porém, nada mais natural. O Estadão Dados, em um levantamento, indica que 41% dos filiados de alguma sigla estão nas menores cidades – aquelas com menos de 20 mil votos válidos para prefeito. Nas cidades pequenas, para cada ponto percentual a mais no número de filiados em relação ao total de eleitores locais, um partido aumenta em 24% sua votação. Esse mesmo levantamento reconhece as eleições municipais como as mais importantes no ciclo de filiações – das 13,8 milhões de pessoas que desde 1995 assinaram a ficha de adesão a alguma legenda, 70% o fizeram no ano anterior a uma eleição municipal.

Isso mostra que, nas cidades com pior condição de desenvolver um debate público, são as que maior relação existe com partidos. E não por motivos mais honrosos que a pura dependência local. E nas cidades em que existe melhor condição de haver um debate político proveitoso, menos ligado a dependências em líderes com algum poder legal, é onde existe menor ligação entre a população e os partidos.

Benjamin Constant, em seu escrito Da liberdade dos antigos comparada à dos modernos, já alertava a facilidade em se perder, em lugares mais desenvolvidos economicamente, a participação política, já que nada prova, nessas regiões, nossa influência na construção local de políticas ou espaços públicos.

Reitero, então, que a maior barreira para o aperfeiçoamento da representatividade política do país é o desconhecimento da população, principalmente as camadas mais educadas e mais abastadas, com a política em todos os seus aspectos. E o abandono da discussão pública que envolve o Estado em todos os seus âmbitos e da participação partidária, é o que a população majoritariamente já pratica e esse esforço de tentar esquecer o governo não tem dado os melhores resultados.

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