Por Renata Ramos

É recorrente, nos dias atuais, o protesto de algumas mulheres contra o pensamento libertário que visualiza múltiplas possibilidades em relação ao gênero feminino, para além dos papéis tradicionais definidos pela sociedade.

Confesso que fico assustada quando escuto moças jovens manifestando contrariedade à “revolução dos sutiãs”. Para essas mulheres, a submissão política e econômica, por um sem número de motivos, merecia ser conservada.

Conquanto o desejo conservador dessas jovens seja legítimo, na medida em que os indivíduos possuem o direito de se movimentar no mundo como bem entendem desde que, sobretudo, não causem danos a terceiros, penso que a defesa intransigente em relação às fantasias de príncipes encantados e princesas sorridentes é daquelas atitudes que empobrecem e menosprezam as potencialidades femininas em sociedades mais abertas.

Além disso, essa mentalidade conservadora acaba por reforçar a cultura do patriarcado que, não obstante a insistência de muitos em negar, é um dado um tanto quanto evidente em países como o Brasil, onde inúmeras mulheres ainda sofrem violências diversas também em razão da falta de independência econômica. Valdenor Júnior, em excelente texto nesse Mercado Popular, apresentou algumas das características dessa pressão social à conformidade.

Muitos liberais/libertários identificam o Estado como o único ente capaz de subjugar os indivíduos em consequência do monopólio do uso “legítimo” da força que detém; todavia, um exame um pouco mais sutil do tecido social revelará que nos encontramos presos a inúmeras relações de poder. Isso porque coerções morais também são coerções e, por vezes, apresentam-se de modo até mais brutal que as coerções jurídicas.

A compreensão de que violências simbólicas e reais também se materializam em famílias, associações e religiões pode despertar nossas forças criativas rumo a dinâmicas sociais menos hierarquizadas, suficientes para substituir eventuais relações de dominação.

Desse modo, não se pode ignorar o papel do livre mercado como ente capaz de promover uma maior autonomia e cooperação entre seres humanos.

No âmbito do universo feminino, como já foi explorado em texto recente, a busca pelo lucro das empresas do tabaco no século passado contribuiu para quebrar o tabu do cigarro em relação às mulheres. A filosofia inclusiva dos mercados livres por vezes demonstrou que os preconceitos se mostravam ineficazes na percepção de lucros.

Com efeito, a Revolução Industrial fomentou uma alteração definitiva na cultura e nas leis, na medida em que muitas mulheres abandonaram o campo em busca de emprego e educação e, assim, deixaram para trás a imagem passiva que possuíam em relação aos homens. Não há dúvidas de que houve perdas diversas com a Revolução Industrial a depender da perspectiva de análise que se adote. Contudo, as conquistas e os avanços para a mulheres não podem ser desprezados, como bem explica a feminista individualista Wendy McElroy no texto “A Revolução Industrial e as minorias oprimidas”.

O economista Steven Horwitz sugere que o incremento das forças femininas no mercado de trabalho, ocorrido nos últimos 100 anos, conferiu poder às mulheres de diferentes modos, como a alteração na dinâmica do casamento. Nessa nova lógica, as mulheres podem abandonar relacionamentos indesejáveis porque se encontram livres da dominação econômica exercida pelos homens, situação impensável em tempos pretéritos. [1]

“O capitalismo também proporcionou condições que facilitaram os labores domésticos. O maior problema encarado pelas mulheres casadas, especialmente com filhos, eram os afazeres domésticos caso pretendessem trabalhar fora. Na virada do século passado as mulheres não dispunham de instrumentos suficientes no sentido de diminuir a jornada integral de trabalho doméstico que desempenhavam. O período entreguerras, todavia, promoveu o desenvolvimento de todo tipo de novidades eletrodomésticas, as quais reduziram de maneira drástica o tempo exigido para limpar e cozinhar. A tarefa de lavar roupas, que anteriormente demandava três dias e vários envolvidos, reduziu-se a poucas horas. Essas inovações liberaram as mulheres para que trabalhassem fora.” [2]

Outro exemplo bastante ilustrativo, e até curioso, sobre como o livre mercado pode favorecer a liberdade feminina, é a indústria da moda. A estilista Coco Chanel, em 1920, inspirou-se nos marinheiros e idealizou calças largas para as mulheres, a fim de facilitar os movimentos e conferir conforto às vestimentas. A ideia revolucionária da estilista foi imediatamente incorporada aos armários das mulheres, de modo a assentar as bases para uma nova economia do vestuário.

Sem falar na indústria farmacêutica e na disseminação dos métodos contraceptivos. No Brasil de hoje, por exemplo, as mulheres podem adquirir essas medicações a preços módicos, a fim de se desobrigarem da maternidade compulsória, caso assim desejem.

Muitas feministas coletivistas apregoam que o livre mercado somente promove uma nova servidão às mulheres. Afirmam que os padrões impostos pelas indústrias da beleza e da moda não passam de uma nova escravidão.

Essa fala não se encontra desprovida de razão, ao passo que, consoante já se pontuou, encontramo-nos enredados em diversas relações de poder e coerção. Em texto recente, Bianca Araújo analisou a coerção simbólica, não menos opressiva, dos padrões entoados pela indústria da moda como formas inquestionáveis de beleza.

A despeito disso, o papel do livre mercado na promoção de relações mais igualitárias entre homens e mulheres não pode ser desprezado. Em grande parte das democracias liberais, as mulheres atualmente podem escolher seus relacionamentos por afeto sem se submeter às dominações econômicas impostas por terceiros.

O economista Ludwig Von Mises igualmente reconheceu a importância do livre mercado no processo de emancipação das mulheres:

“A batalha das mulheres, no sentido de preservar sua individualidade no casamento, encontra-se compreendida na luta pela preservação da integridade pessoal caracterizadora de uma sociedade racional da ordem econômica, fundada na propriedade privada dos meios de produção. Não é no interesse exclusivo da mulher que ela deve lograr êxito nesse empreendimento; é bastante estúpido contrapor os interesses de homens e mulheres tal qual as feministas radicais tentam fazer. Toda a humanidade sofreria se as mulheres fracassassem em desenvolver suas potencialidades e fossem incapazes de se unir aos homens em parcerias de igualdade.” [3]

Ao possibilitar às mulheres o auto-sustento, o livre mercado contribuiu decisivamente para uma revolução sem precedentes na dinâmica dos relacionamentos sociais e afetivos. Por tudo isso, sonhar com o príncipe encantado é uma opção um tanto quanto modesta para as mulheres na atualidade, uma vez que a liberação das forças empreendedoras e a descoberta de faculdades criativas sugere um livre mercado aberto de possibilidades para o universo feminino, bem mais plural, anárquico e envolvente do que os papéis outrora a elas conferidos.

Portanto afirmo, sem medo de censuras, que o abandono das fantasias de príncipes encantados pode criar relações mais honestas entre homens e mulheres, na medida em que reforçará a autonomia individual feminina conquistada principalmente pela emancipação econômica em relação aos homens, tornando possível a cooperação em relacionamentos mais voluntários e criativos, para além das estruturas convencionais em todos os tempos.

 Referências

[1] HORWITZ, Steven. Free Markets Are a Woman’s Best Friend. Disponível em: <http://www.fee.org/the_freeman/detail/free-markets-are-a-womans-best-friend>. Acesso em: 16 ago. 2014.

[2] Ibidem.

[3] MISES. Ludwig Von. Socialism: An Economic and Sociological Analysis. Disponível em: <http://mises.org/books/socialism/part1_ch4.aspx>. Acesso em: 16 ago. 2014.

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