Por Matt Zwolinski
Tradução por Valdenor Júnior, revisão por Lucas Senra. Artigo original.
Em algumas de minhas postagens mais recentes neste blog, eu disse que o libertarianismo é compatível com o comprometimento a algum tipo de justiça social. Mas eu fui deliberadamente vago sobre o que o compromisso com “justiça social” implicaria.
Nesse texto, eu quero examinar algumas maneiras pelas quais a ideia de justiça social se tornaria mais clara. Eu não irei defender essas abordagens, e minha apresentação delas será, por necessidade, bastante simplificada. Mas eu espero que as ideias aqui possam fornecer um pano de fundo para discussão futura.
Antes que eu comece, entretanto, eu quero esclarecer uma questão muito importante. Alguns de meus amigos libertários economistas têm expressado um profundo ceticismo sobre a ideia de justiça social. (Veja, por exemplo, a linha de comentários nessa postagem do blog Coordination Problem) Eles preocupam-se, por exemplo, que faltarão aos agentes do governo o conhecimento ou os incentivos necessários para implementar a teoria de justiça social preferida pelo filósofo. Ou eles temem que preocupação em relação à justiça social seja baseada em um mal entendido sobre como os mercados funcionam.
Deixe-me ser claro. Ao defender justiça social, não estou desafiando qualquer das reivindicações empíricas que economistas fazem sobre a virtude dos mercados e as patologias do governo. De fato, penso que tais pretensões são na sua maior parte verdadeiras, e profundamente importantes. Mas são importantes para pensar como nós deveríamos tentar realizar justiça social, não para pensar no que é justiça social ou mesmo se ela existe. Ciência econômica é sobre meios, não fins. Ela pode nos dizer como alcançar nossos objetivos, mas não quais poderiam ser nossos objetivos. Ela pode nos dizer quais políticas “funcionam”, mas não o que significa para uma política “funcionar”. A especificação do critério pelo qual processos e resultados sociais são julgados é um trabalho da filosofia moral. E isso é um trabalho em grande medida, se não inteiramente, independente das preocupações empíricas levantadas por meus amigos economistas.
Então, com esse esclarecimento já fora de discussão, deixem-me dizer um pouco sobre duas maneiras nas quais uma preocupação por justiça social poderia ser concretizada. Perceba que eu estou deixando o igualitarismo estrito – entendido como a ideia de que pessoas deveriam ser feitas iguais a respeito de certos resultados tais como felicidade ou riqueza – fora da lista. Há duas razões para tal. Primeiramente, não penso que seja plausível que esse tipo de igualitarismo seja realmente compatível com o libertarianismo. Segundo, ao contrário da impressão que muitos não filósofos parecem ter a respeito, esse tipo de igualitarismo tem relativamente poucos aderentes, mesmo entre os filósofos inclinados à esquerda. (Veja, para uma boa discussão sobre o tipo de igualdade que os filósofos encontram atrativa,a seção sobre Igualdade na Stanford Encyclopedia of Philosophy)
Prioritarianismo – Essa visão é mais associada com Derek Parfit. Prioritarianismo é costumeiramente compreendido como um tipo de consequencialismo “welfarista” (do bem-estar). Ele é, dito de outro modo, uma visão que determina a bondade ou maldade de um resultado ao olhar para o bem-estar agregado das pessoas afetadas pelo resultado, e define a ação correta como aquela que produz os melhores resultados. O que distingue prioritarianismo de outras formas de consequencialismo, entretanto, é que ele dá um “peso” extra ao aumento no bem-estar dos indivíduos em pior condição. Então, com todo o resto igual, uma melhora no bem-estar de alguém que é pobre, inválido, e infeliz, é preferível à melhora do bem-estar de alguém que já está relativamente em boas condições. E isso é assim não meramente por razões relativas à diminuição da utilidade marginal. Veja mais aqui e aqui. Note também a similaridade com a ideia católica de “opção preferencial pelos pobres”, especialmente como expressa em “Economic Justice for All”, uma carta dos bispos católicos dos Estados Unidos de 1986: “A obrigação de prover justiça para todos significa que os pobres têm uma pretensão econômica única mais urgente sobre a consciência da nação”.
Suficientarianismo – Prioritarianismo foca na melhora da condição daqueles que estão em pior situação. Como tal, concentra-se em corrigir desvantagens relativas. Mas desvantagens relativas podem existir em uma sociedade na qual ninguém esteja absolutamente em desvantagem. Considere uma comunidade em uma ilha na qual cada um desfruta de confortos sociais e materiais equivalentes àqueles disponíveis aos bilionários americanos, mas algumas pessoas estão duas ou três vezes melhores do que outras. Em uma sociedade como essa, nós não pensaríamos que desvantagens relativas tivessem qualquer significado moral por si só. Suficientarianismo, uma visão mais associada com Harry Frankfurt, é capaz de acomodar essa visão por estabelecer que a moralidade exige de nós que asseguremos que as pessoas tenham o suficiente. “Suficiente” pode ser definido em termos de um nível determinado de recursos, ou bens primários, ou utilidade, ou qualquer número de outras coisas. E uma pessoa pode ter o suficiente mesmo que outras tenham muito mais que o suficiente. Novamente, veja mais aqui e aqui.
Essa lista está longe de ser exaustiva. Uma discussão mais completa poderia incluir a aplicação de Rawls do princípio da diferença à estrutura básica da sociedade, e a ideia de Richard Arneson de oportunidade igual ao bem-estar. Entretanto, nenhuma dessas ideias parece defensável como uma abordagem dotodo da moralidade. Prioritarianismo deve ser uma boa interpretação de uma importante parte da moralidade – a parte que diz respeito aos nossos deveres para com os menos afortunados. Mas, certamente, há mais na moralidade do que isso. Por exemplo, qualquer abordagem adequada de moralidade provavelmente precisará incorporar alguma ideia de responsabilidade pessoal, pelo que talvez nossas obrigações políticas para com os pobres sejam em grande parte dependência sobre a extensão em que sua pobreza seja resultado de sorte bruta e não de más escolhas.
Adicionalmente, ao pensar sobre o que essas visões implicam para a política pública, vale a pena manter em mente os pontos que Jason fez aqui e aqui. O fato de que um sociedade justa ou boa é uma na qual todo mundo tenha acesso a recursos suficientes não significa que nós queremos que os políticos façam seja lá o que eles acreditem (ou acreditem que possam nos convencer de que eles acreditam) que assegurará que isso aconteça. Se os economistas libertários estão corretos, então políticos vão fazer um trabalho pior em alcançar esse resultado do que nós poderíamos esperar, e os mercados farão um trabalho bem melhor do que nós poderíamos pensar.
Mas esta não é a questão aqui. A questão com a qual estou preocupado não é como podemos tentar alcançar justiça social, mas sim como nós podemos entender o que ela é. E isso é uma questão filosófica, não uma questão econômica.
Filosofia pode nos dizer o que nós podemos estar almejando, mas não como chegar lá. Economia pode nos dizer como conseguir ir aonde nós queremos ir, mas não onde nós poderíamos estar tentando terminar. Nem economia nem filosofia por elas mesmas poderiam nos dizer com o que nossas políticas públicas deveriam parecer.
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Tradução originalmente publicada no Portal Libertarianismo.