N. do Editor: No início deste ano de 2014, saíram os resultados da maior pesquisa já realizada sobre mobilidade de renda nos Estados Unidos, o Equality of Opportunities Project (Projeto Igualdade de Oportunidades), por uma equipe de economistas da Universidade de Havard. O resultado geral foi surpreendente: apesar do grande aumento na desigualdade de renda desde a década de 70, a mobilidade de renda nos Estados Unidos hoje permanece a mesma que a da década de 70. Não era um resultado esperado, pois o que se pensava era que a mobilidade teria diminuído com o aumento da desigualdade. Entretanto, entre as diferentes regiões dos Estados Unidos, há lugares com mais e outros com menos mobilidade de renda. O New York Times fez um gráfico interativo onde você pode verificar isso, clique aqui. E isso levanta a questão: de onde vem essas diferenças? Descubra no texto abaixo.
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Questões de Família
Qual é o fator mais importante impedindo a mobilidade social? De acordo com um estudo recente, pais solteiros.
Tradução por Pedro Galvão de França Pupo, original aqui
Semana que vem (N.T.: artigo originalmente publicado em janeiro de 2014), em seu discurso sobre o Estado da União, espera-se que o Presidente Obama retorne a um tema que ele e muitos progressistas tem atacado com força nos meses recentes: que o Sonho Americano está passando por dificuldades e que a maior parte da culpa é da desigualdade econômica crescente. Em discurso dado mês passado ao Centro Para o Progresso Americano, Obama disse: “As tendências conjuntas de desigualdade crescente e mobilidade decrescente constituem uma ameaça fundamental ao Sonho Americano.” Além disso, o colunista do New York Times Paul Krugman recentemente escreveu (http://www.nytimes.com/2013/09/13/opinion/krugman-rich-mans-recovery.html) que a nação “afirma recompensar os melhores e mais brilhantes, independentemente de seus históricos familiares”, mas na prática está de portas fechadas para “crianças das classes média e trabalhadora.”
Progressistas como Obama e Krugman claramente estão corretos ao argumentar que o Sonho Americano enfrenta dificuldades. Hoje em dia, crianças pobres tem chances limitadas de subir a escada econômica até a classe média ou alta. Um estudo descobriu que a nação faz com que 70% das crianças pobres continuem abaixo da classe média como adultos. Outro fato que confirma essa visão é que crianças pobres crescendo em países como Canadá e Dinamarca tem uma chance maior de subir a escada econômica do que as crianças pobres nos Estados Unidos. Como Obama notou, essas tendências criam dúvidas sobre a “história americana” de que nossa nação é excepcionalmente boa em oferecer oportunidades iguais para seus cidadãos.
Mas a pergunta mais difícil é: Por quê? Quais são os fatores impedindo a ascensão social de crianças pobres? Um importante estudo recente de Harvard que analisa os melhores dados disponíveis sobre mobilidade e comunidades nos EUA – publicado neste último fim de semana – sugere uma causa que progressistas podem achar desconfortável, especialmente se eles estão interessados em reviver o Sonho Americano no século XXI.
O estudo, “Onde Fica a Terra da Oportunidade? A Geografia da Mobilidade Intergeracional nos Estados Unidos“, escrito pelo economista de Harvard Raj Chetty e colegas de Harvard e Berkeley, explora as características com maior probabilidade de prever mobilidade para crianças de renda baixa.
O estudo se concentra especificamente em dois resultados: mobilidade absoluta para crianças de baixa renda – isso é, até que ponto da escada de renda eles conseguem subir como adultos; e mobilidade relativa – isso é, quão distantes, na escada econômica, crianças que cresceram em famílias pobres e ricas na mesma comunidade ficam enquanto adultos. Quando se trata dessas medidas de mobilidade nos EUA, o novo estudo de Harvard pergunta: Quais “fatores preveem com mais precisão a mobilidade social em regressões com múltiplas variáveis”?
1) Estrutura Familiar. De todos os fatores que melhor preveem mobilidade econômica nos EUA, um fator se destaca com clareza: estrutura familiar. Pela análise, quando se trata de mobilidade, “o preditor mais forte e robusto é a fração de crianças com pais solteiros.” Eles descobriram que crianças criadas em comunidades com altas porcentagens de mães solteiras tem chances significativamente mais baixas de se moverem de forma absoluta ou relativa na escada econômica. Além disso, “filhos de pais casados também tem taxas mais altas de mobilidade para cima se eles vivem em comunidades com menos pais solteiros.” Em outras palavras, como a imagem abaixo indica, parece que comunidades onde predominam pessoas casadas têm mais chances de melhorar as perspectivas econômicas de uma criança pobre.
O que torna esse estudo particularmente significante é que esse é o primeiro estudo grande mostrando que taxas de pais solteiros na comunidade estão ligadas às oportunidades econômicas de crianças durante suas vidas. Muitas pesquisas – incluindo novos estudos da Brookings Institution – nos mostraram que crianças tem mais chances de subir a escada de renda quando elas são criadas por dois pais casados. Mas esse é o primeiro estudo que mostra que crianças de renda baixa, tanto de famílias com pais casados quanto de famílias com pais solteiros, tem chances maiores de sucesso se elas vem de uma comunidade com muitas famílias com pais casados.
2) Segregação residencial, racial e econômica. De acordo com esse estudo, segregação residencial, racial e econômica, também são características importantes de comunidades que não favorecem a mobilidade econômica. Crianças crescendo em comunidades que são racialmente segregadas, ou que agrupam várias crianças pobres juntas, não tem muitas chances de atingir o Sonho Americano. Na verdade, em seu estudo, segregação racial é um dos dois fatores chaves – o outro sendo estrutura familiar – que é consistentemente associado com mobilidade absoluta e mobilidade relativa nos EUA. A imagem abaixo demonstra a associação bivariável entre segregação racial e mobilidade econômica.
3) Qualidade das escolas. Outro preditor poderoso de mobilidade absoluta para crianças de baixa renda é a qualidade de escolas em suas comunidades. Chetty e os demais analisam isso no estudo olhando taxas de desistências no colegial. Sua conclusão: Crianças pobres tem chances maiores de atingir sucesso nos EUA quando elas tem acesso a escolas que as educam bem.
4) Capital social. Em uma descoberta que vai agradar seu colega de Harvard, o cientista político Robert Putnam, Chetty e sua equipe descobriram que comunidades com mais capital social tem níveis significativamente mais altos de mobilidade absoluta para crianças pobres. Isso é, comunidades americanas que tem altos níveis de religiosidade, participação cívica, e envolvimento de eleitores tem mais chances de melhorar as vidas de seus membros mais pobres.
5) Desigualdade de renda. Finalmente, de acordo com os diagnósticos de Obama e Krugman, Chetty e sua equipe notam que desigualdade de renda dentro de comunidades está correlacionado com níveis mais baixos de mobilidade. No entanto, seu poder preditivo – medido, no estudo, por um coeficiente Gini – é relativamente fraco: De acordo com seus resultados, em modelos estatísticos com todos os cinco fatores que eles consideraram mais importante, desigualdade econômica não era um preditor estatisticamente significante de mobilidade absoluta ou relativa.
Chetty, que recentemente ganhou a Medalha John Bates Clark por suas conquistas como um economista com menos de 40 anos, fez questão de enfatizar que essa pesquisa não pode provar que existe uma relação causal – que remover ou acrescentar esses fatores vai causar uma mudança na mobilidade nos Estados Unidos. O estudo também reconhece que muitos desses fatores chave estão correlacionados uns com os outros, tais como desigualdade de renda e a porcentagem de mães solteiras em uma comunidade. Isso significa que desigualdade econômica pode prejudicar a família tradicional ou que um aumento no número de pais solteiros pode aumentar a desigualdade econômica. Mas o que fica claro nesse estudo das “terras da oportunidade” nos EUA é que comunidades caracterizadas por uma classe média forte, integração racial e econômica, boas escolas, uma sociedade civil vibrante, e, especialmente, famílias com dois pais tem mais chances de oferecer o tipo de igualdade de oportunidade que recentemente chamou a atenção tanto de democratas quanto de republicanos.
Durante sua presidência, Barack Obama enfatizou seu compromisso com uma ideologia que toma decisões com base em dados concretos. De forma similar, progressistas como Krugman enfatizam sua honestidade científica, em contraste com a visão “anti-ciência” da direita. Se progressistas como o presidente e o vencedor do Nobel estão falando sério sobre reviver as oportunidades do Sonho Americano no século XXI com base nos dados, esse novo estudo sugere que eles vão precisar aplicar lições tanto do manual da direita quanto do da esquerda, em questões que vão de zoneamento a reformas educacionais.
O mais importante é que esses novos dados indicam que quaisquer esforços para reviver oportunidades nos EUA precisam passar por duas áreas onde o poder do governo é limitado – a sociedade civil e a família americana. Com certeza é um desafio difícil, mas a não ser que o Presidente Obama e os progressistas em geral consigam o apoio de líderes políticos, cívicos, empresariais e culturais – para não falar dos pais – nessa empreitada, esse novo estudo sugere que eles não vão conseguir atingir um de seus objetivos mais desejados: reviver os EUA como uma “terra de oportunidades.”