Por Daniel Coimbra

Nas últimas semanas tenho reservado parte de meus dias para estudar o Programa Bolsa Família (doravante PBF). Como é um assunto onipresente no debate público, sempre debatido de maneira rasa e imbecil, resolvi colocar aqui algumas coisas que aprendi.

Em termos de pauta eleitoreira, o PBF já se tornou ponto neutro: tanto Marina Silva quanto Aécio Neves defendem não só a manutenção do programa, como também sua expansão ou aumento dos valores dos benefícios. Até se estuda fazer o PBF virar uma política de Estado, i.e., um direito constitucional. Aliás – pasmem -, até o candidato Everaldo apoia o programa (estou chocado com os comentários defendendo um liberalismo retrógrado e brutalista). Se bem que isso até faz sentido, considerando que F. A. Hayek e Milton Friedman bêtes noires de intervencionistas –, junto com muitas outras pessoas pensadoras liberais, apoiam políticas de proteção social (social safety net) e redistribuição de renda. Até Margaret Thatcher, apesar de seu conservadorismo político, proferiu as seguintes palavras:

O governo também tem o claro dever de ajudar a cuidar dos doentes e dos velhos, e de providenciar uma rede de proteção para todos aqueles que, sem culpa alguma, caem no desemprego, na pobreza, e na privação.

Um problema é que muitas pessoa beneficiárias não sabem disso, ficando com medo de votar em outros partidos, fato que age contra sua emancipação como agentes políticos. Enfim, isso revela o sucesso do programa com a população, que gasta apenas 0.4% do PIB e beneficia cerca de 14 milhões de famílias (56+ milhões pessoas beneficiárias), que já recebeu prêmios internacionais, foi reconhecido pelo Banco Mundial (e mais de uma vez!) e pela ONU (saímos de seu mapa da fome), e está sendo copiado mundo afora, inclusive em New York.

O PBF foi implementado pelo governo Lula, que consistiu na unificação e expansão de cinco programas sociais: Fome Zero, Bolsa Escola, Auxílio Gás, Bolsa Alimentação, e Cartão Alimentação – os últimos quatro sendo programas do governo FHC (quem diria?) -, e a ideia da unificação foi até dada pela primeira dama do governo FHC, Ruth Cardoso. Dentre modificações que melhoraram a efetividade dos programas, se destaca uma: se dar dinheiro vivo, que pode ser gasto como a família quiser, ao invés de gás, leite, etc. efetivamente empoderando indivíduos e, no caso, as mães de família nesse mundo machista.

Ele beneficia famílias em extrema pobreza (renda familiar per capita de até R$77) e em pobreza (de R$77,01 até R$154). Para que as pessoas leitoras tenham uma noção do que esses valores representam, para uma pessoa almoçar e jantar no bandejão da Unicamp todos os dias do mês se precisaria de R$120 reais!

Os benefícios parecem pouco, mas para essas pessoas nada mais é do que a salvação. Eis eles:

  • Básico: 77 reais pra famílias em extrema pobreza;
  • Variável: 35 reais por pessoa até os 15 anos, gestantes, e nutrizes (se encarrega da criança de terceiras pessoas), com o teto de 175 reais (5 pessoas);
  • Variável para Jovem: 42 reais pra cada pessoa com 16 ou 17 anos, com teto em 84 reais (2 pessoas);
  • Superação da Extrema Pobreza: O valor varia em razão do cálculo realizado a partir da renda per capita da família e do benefício já recebido no programa, hoje deixando a renda per capita igual ou superior à R$77,01.

O valor máximo que uma família já recebeu foi de R$1332, para 19 membros (70 reais por pessoa). Conclusão: ninguém vive confortavelmente apenas com Bolsa Família, que concede apenas uma fração do salário mínimo. Se alguém largou o emprego por causa disso, é porque trabalhava em situação análoga à escravidão. Ele também não cobre os custos de se criar uma criança, então de onde tiraram que ficam fazendo criança pra não perder benefício!? (sério, dúvida legítima, estou curioso pra saber se isso tem algum fundo de verdade). Sendo que o número médio de filhxs entre as mulheres mais pobres diminuiu 10 pontos percentuais a mais que a média nacional

Neste mesmo artigo agora citado, há uma informação importante para quem acha que pessoa beneficiária do PBF não trabalha: mais de 75% delas trabalham, e até cita como o PBF é um estímulo ao empreendedorismo. E ah, a maior parte da renda extra dada pelo PBF às famílias vai para alimentos, material escolar, e roupas comuns, e não “TVs de LCD” e “jeans de R$300“.

O programa não é chamado de redistribuidor condicional de renda a toa: para receber os benefícios, é necessário que se cumpra algumas coisas, como ter as crianças na escola com alta frequência, vaciná-las, e pessoas grávidas fazerem o pré-natal. Isso ajudou a reduzir os índices de mortalidade infantil (vide Findings), doenças relacionadas à pobreza (inclusive deficiências cognitivas relacionadas à má nutrição durante a infância), melhorou a qualidade de dieta, e ajudou no combate à fome e a miséria. Ela também melhorou a economia de cidades pequenas e pobres, ao aumentar a renda das pessoas que lá vivem.

Apesar da ONU reconhecer a efetividade do Bolsa Família a curto prazo, existem dúvidas sobre seu efeito a longo prazo. Só que de uma coisa eu sei: durante o governo Lula, passou-se a requerer também, como supracitado, alta frequência na escola para as crianças (ao invés de apenas a matrícula). Duas consequências positivas foram reportadas para estudantes cuja família está no PBF: menos evasão e maior aprovação, ambos com índices melhores que a média nacional! O Bolsa Família, então, contribui para que a pessoa pobre tenha uma boa educação e qualificação, o que abre porta para melhores empregos, cursos técnicos, e graduações – essencialmente, ensina a criança e a pessoa adolescente a pescar. 😉

Neste parágrafo, linko para quatro artigos. Recomendo muitíssimo a leitura dos três primeiros.

O cartão do programa, que é recarregado todo mês, é geralmente entregue para a mãe da família. Resultado: criou-se uma independência financeira e social, portanto existencial, antes inexistente para as mulheres do sertão brasileiro, criando lá efetivamente uma revolução feminina. Agora elas podem decidir o que fazer com o dinheiro, se divorciar, e decidir por usar anticoncepcional. A antropóloga Walquiria Leão Rêgo fala mais sobre isso em seu livro Vozes do Bolsa Família e numa entrevista à Folha de S. Paulo – nesta última também fala sobre como o PBF enfraqueceu o coronelismo, empoderou as mulheres, fala da vontade de se deixar o programa (assim como o diretor do Banco Mundial notou, o PBF não gera dependência), e do desmantelamento da cultura de resignação.

As únicas críticas que podem ser feitas são as seguintes: fiscalização imperfeita, porta de saída inadequada (apesar de mais de 1.6 milhão de famílias beneficiadas já teremvoluntariamente se desligado do programa), e uso eleitoreiro. Também pode-se dizer que o programa pode melhorar. Não nego nada disso: o presente artigo apenas visa quebrar mitos e preconceitos em relação ao programa e sua origem.

Agora, munidos de informação, podemos assistir de forma crítica Rodrigo Constantino e suas críticas duvidosas ao programa ou um artigo da revista VEJA sobre o mesmo assunto. E aí, o que dizer para essa direita tacanha?


Nota: Este texto está escrito em gênero neutro, inclusive quando se refere a pessoas gestoras – afinal, alguns homens também têm útero! Ele também foi escrito com o intuito de informar e estimular o debate honesto e crítico.

Publicado originalmente no Laboratório Irreverente.

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Ex-estudante de Física pela UNICAMP, Daniel é fascinado por Humanas, em especial filosofia analítica e ciência política. Se considera esquerdista e liberal, uma combinação rara – porém a essência do Mercado Popular. Escreve, dentre muitas outras coisas, sobre pautas LGBT em seu blog pessoal e Facebook. Não foi a toa que largou o curso para prestar Filosofia.

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