por Valdenor Júnior

Na última terça foi entrevistado na Rede Globo o candidato à presidência da República Pastor Everaldo, que defende um amplo programa de privatizações e, em suas próprias palavras, “o Estado mínimo”.

William Bonner questionou sua adesão ao liberalismo, ao que o candidato reiterava que, apesar de ter estado junto à esquerda brasileira de tradição trabalhista durante a maior parte de sua vida política, sempre acreditou no empreendedorismo e na meritocracia, que teriam sido prejudicados pelo agigantamento do Estado com o governo do PT.

Já o Candidato a Deputado Estadual Paulo Batista tornou-se, ontem, viral nas redes sociais, sendo citados por inúmeros sites incluindo o Terra e o Não Salvo, com seu vídeo do “Raio Privatizador”, onde aparece como um super-herói que dispara um raio laser de seus olhos, com os quais torna grevistas da USP pública em formandos de uma USP privatizada, entre outras façanhas. Seu slogan: “Contra comunista, vote no Batista”.  Ele mostrou em sua página no facebook que seu resultado do Diagrama de Nolan o apontaria como libertário.

Alguém poderia, então, pensar que o liberalismo está em alta na mídia e nas eleições, certo?

Não, não está. Preste atenção nos detalhes, caro leitor, pois o diabo está nos detalhes.

Na mesma entrevista, Pastor Everaldo deixou claro que sua principal defesa é a “da família” e pelo casamento conforme está na Constituição, em clara referência às suas pautas anti-progressistas no que diz respeito às questões LGBT. Além de contrário ao casamento e adoção por homossexuais e ao aborto, também se expressa contrário à legalização de qualquer droga, incluindo a maconha.

Aliás, na page de seu partido no facebook é afirmado explicitamente o ideal de um Brasil conservador, chegando a dizer que “O PSC defende uma sociedade em que a ordem moral tradicional e os costumes sociais sejam respeitados e preservados. Se você também defende esses valores para manter a ordem social, compartilhe!” com a seguinte imagem:

10406757_750916808303049_6959632005933217506_n(encontrado na page do partido do candidato aqui)

Há também a sugestão de que importantes conquistas das minorias seriam uma ameaça à família:

10464319_745576642170399_7180984675325740128_n(encontrado na page do partido do candidato aqui)

Uma das supostas ameaças à família adviria da Lei nº 12.845/2013. Uma lei que foi criada para proteger vítimas de violência sexual, preservando seu direito de receber atendimento hospitalar, inclusive para a realização do aborto que, nesse caso, é legal no país, mas que, pelo conservadorismo existente aqui, não se permitia fosse realizado pela rede pública de saúde. Mas o Pastor Everaldo deseja revogar essa lei, deixando milhões de mulheres desprotegidas ao negar um direito básico em face da violência sexual sofrida, especialmente as mulheres mais pobres.  Veja na imagem:

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(encontrado na page do partido do candidato aqui)

De fato, o suposto “Estado mínimo” do Pastor Everaldo parece ser um “Estado máximo” quando se trata de negar liberdade de ação às minorias e de regular estilos de vida sob a suposta proteção da família.

Por outro lado, em outro vídeo, o candidato Paulo Batista apresenta um cigarro de maconha falante, instigando universitários a fazer greve. O que está sugerido nesse vídeo é uma das bandeiras da campanha de Batista: o fortalecimento da política proibicionista de guerra às drogas, especialmente em uma cruzada para o fim do que denomina como “bolsa crack”, dentro de uma política de “tolerância zero”. Veja por si mesmo:

10494419_741168895942795_3271208850464404973_o(encontrado na page do candidato aqui)

A incoerência é até maior porque referida proposta está contida em imagem onde Batista se autoproclama de “candidato da liberdade”. Lembrando que a proposta de “abolição da bolsa crack” deve ser lida conforme a imagem anterior. Veja:

10580094_739964939396524_5751130550296533704_n(encontrado na page do candidato aqui)

Em outra imagem, ressalta ainda mais que o substituto à “bolsa crack” é a “tolerância zero”:

10483693_737742479618770_4723101267638251195_n(encontrado na page do candidato aqui)

Batista deveria ter lido “Vícios não são crimes” de Lysander Spooner, assistido ao vídeo em que Milton Friedman defende a legalização das drogas, estudado a defesa de Jeffrey Miron (com base em estudos de “economia do crime”) da legalização de todas as drogas, ou ao menos ter lido a HQ de Stuart McMillen contando a história da guerra às drogas, com base na obra do já citado Friedman. Saberia que uma das bandeiras liberais é o fim de uma política que cerceia nossas liberdades, coloca pessoas não violentas atrás das grades (nos Estados Unidos, chegou ao ponto de que algumas foram condenadas a passar o resto de suas vidas em uma prisão) e mata muito mais do que os problemas de saúde relacionados ao abuso dessas substâncias pelo usuário, ao conferir uma fonte rápida de financiamento aos criminosos que passam a controlar este mercado. Não se engane, é Milton Friedman quem nos diz:

drogas

(Assista ao vídeo completo)

Como vimos, o suposto liberalismo desses candidatos é superficial, e, na verdade, eles são candidatos conservadores, não liberais. Mas essa confusão nem é de se estranhar. 

[UPDATE 29.08.2014: Afirmar que Paulo Batista seria conservador gerou certa comoção entre pessoas que se consideram libertárias e o apoiam, e, após questionado, afirmou ser defensor da legalização das drogas, mas manteve a ideia da tolerância zero para agora. Mas isso cria graves questionamentos a esse tipo de discurso pragmático onde alguém que se autodeclara libertário adota uma agenda conservadora; discuto isso no texto “Libertários deveriam aceitar mais repressão às drogas em troca de menos impostos e privatizações?“]

[UPDATE 10.09.2014: Segundo alguns colaboradores de Paulo Batista, o mesmo aparentemente teria deixado o discurso da tolerância zero e mantido apenas o de terminar o programa Braços Abertos (veja discussão relacionada a isso em meu outro texto). A única evidência pública encontrada para isso foi a desta foto. Portanto, caso ele tenha esclarecido melhor esta posição, o texto acima mantém-se como um alerta para a incorporação de bandeiras conservadoras por libertários com base em pragmatismo, ainda que temporariamente. Além disso, um melhor esclarecimento quanto às políticas de redução de dano, como o Braços Abertos, também é necessário]

Um famoso blogueiro da Veja, Rodrigo Constantino (na imagem que ilustra este texto, o vemos conversando com o Pastor Everaldo), se autodenomina como “liberal sem medo da polêmica”, mas na verdade é um neoconservador. Eu e Carlos Góes já escrevemos texto criticando seu posicionamento conservador em relação à família. E há momentos em que sua posição afunda no mais lamentável, estreito e cego direitismo.

Em face do texto de Miriam Leitão, onde a jornalista relata como foi torturada durante a ditadura militar (espancada brutalmente, jogada em uma sala com uma cobra, atiçaram cachorros contra ela, quando encarou um dos seus algozes levou um soco na cara pelo crime de olhar, a despiram, abusaram sexualmente dela e chegaram no limite do estupro, no final de tudo ainda simularam um fuzilamento) pelo crime de achar que o comunismo era bom em 1972, o que Rodrigo Constantino teve a dizer?

Constantino acha que ela deveria ter pedido desculpas por ter achado que o comunismo era bom quando jovem. Perceba: ela foi torturada grávida, e o mais importante que Constantino acha que tem a dizer é exigir dela um pedido formal de desculpas (sendo que ela apenas acreditava no comunismo, e nunca usou de violência contra ninguém).  E ainda: Constantino nem parece se preocupar com a Lei de Anistia, e com o fato do Estado brasileiro ter desculpado crimes hediondos de seus agentes, como todo liberal consistente deveria se incomodar. Aliás, nem é questão de liberalismo, é mais de humanidade simples ou bom senso mínimo. (Ao final do dia, o Editor da Veja.com pediu que Constantino retirasse o texto do ar)

E isso não é de hoje: no caso do assassinato de Cláudia Silva Ferreira por agentes policiais, cujo único “crime” foi o de estar com um copo de café à mão, e que por isso foi baleada, carregada até a viatura policial na qual seria levada para o hospital, colocada no porta-malas, que abriu no trajeto, de modo que seu corpo ficou preso no para-choque e foi arrastada por cerca de 350 metros pelo asfalto até ser empurrada de volta para dentro do carro, o que Constantino falou sobre isso em seu blog?

Nada.

Na verdade, estou sendo injusto: Há uma única referência. E a referência é apenas para criticar o texto de Erick Vasconcelos onde este denuncia a brutalidade policial e seu pretexto na guerra às drogas. O texto de Constantino tem como título “Legalizar drogas não é panaceia contra o crime. Ou: quando ‘libertários’ mais parecem comunistas“, e sua premissa é de que o Estado policial brasileiro não precisa ser severamente questionado, o que nenhum liberal sério jamais concordaria! (Recomendo que o leitor confira a réplica do Erick)

Curiosamente, no final desse texto, Constantino afirma: “Enfim, tudo isso poderia ser apenas um episódio menor a ser ignorado, não fosse o fato de que um texto absurdo desses fala em nome de muitos “libertários”, que mais parecem jovens saídos diretamente de uma reunião do PSTU ou do PSOL. De “libertários” assim, o movimento liberal não precisa mesmo!”

Sério mesmo? O movimento liberal não precisa é de tanta gente querendo adotar o rótulo de liberal, quando conhece de forma muito superficial essa tradição política e, na verdade, adota uma ideologia contraposta, o conservadorismo e o direitismo.

O liberalismo defende a mudança social e econômica profunda como objetivo final (mesmo quando o gradualismo é definido como meio). De fato, o liberalismo historicamente foi mesmo considerado de esquerda, foi oposição à plutocracia e aos imperialistas de todos os tipos. Como gosto de dizer, “liberalismo fora de contexto, é pretexto“, e o liberalismo deve resgatar seu papel enquanto um movimento inclusivo, libertador e humanitário.

Quanto à política, penso que um representante verdadeiramente progressista, libertário e liberal, deve pautar sua atuação na defesa radical da liberdade pessoal, da justiça social e da economia livre, com uma opção preferencial pelos mais pobres e pelas minorias, e focado na redução de danos gerados pelo próprio Estado. Descrevi um candidato semelhante, no contexto da política estadual e municipal em texto aqui para o Mercado Popular. Mas não encontrei entre os supostos candidatos liberais nenhum que adotasse este perfil – com certeza não no Pastor Everaldo e no Paulo Batista.

Por isso, estes supostos liberais em foco nas eleições e na mídia não representam o liberalismo. Se eles (ou seus programas oficiais) fossem representantes do liberalismo, eu não me consideraria mais liberal, porque de fato seria um posicionamento superficial, incompleto e mesmo prejudicial para lidar com os grandes problemas relativos à liberdade individual e às vulnerabilidades sociais e econômicas. Mas o fato é que eles não são, e o conservadorismo deles deve ser exposto e criticado como tal.

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Valdenor Júnior é advogado. Desde janeiro de 2013, escreve em seu blog pessoal Tabula (não) Rasa & Libertarianismo Bleeding Heart onde discute alguns de seus principais interesses: naturalismo filosófico, ciência evolucionária com foco nas explicações darwinianas ao comportamento e cognição humanas, economia, filosofia política com foco na compatibilidade entre livre mercado e justiça social. Também escreve para o Centro por uma Sociedade sem Estado – C4SS e o Liberzone.

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