Por Valdenor Júnior
As eleições estão chegando, e acredito que muitos de vocês, assim como eu, não colocam muita fé no processo político para promover mudanças profundas. Entretanto, penso que abandonar completamente essa campo é equivocado. Como a política pode fazer um mal maior ou menor, pode ser mais ou menos contida quanto aos prejuízos sociais que acarreta, é importante que tenhamos pessoas nessa frente, dispostas a representar a proposta da liberdade pessoal, da justiça social e da economia livre.
Isso é válido mesmo para os cargos municipais e estaduais em nosso país. Quero mostrar aqui como um deputado estadual e um vereador (quiçá um prefeito ou governador, especialmente em relação ao poder de veto) podem contribuir para o bem.
Penso eu que um político (estadual ou municipal) verdadeiramente progressista, libertário e liberal, deve pautar sua atuação na defesa radical da liberdade pessoal, da justiça social e da economia livre, com uma opção preferencial pelos mais pobres e pelas minorias, e focado na redução de danos gerados pelo próprio Estado.
Como? Seguem alguma sugestões para a atuação de um político assim, a título de exemplo, e pode-se perfeitamente acrescentar mais (não diferenciarei quais são para o nível municipal e estadual, mas acredito que será de fácil apreensão):
1) Sempre votar contra as desapropriações, que afetam principalmente as pessoas mais pobres, votar contra as remoções de pessoas que moram em favelas. O direito à propriedade e habitação destas pessoas deve ser respeitado, e é preciso ser uma voz para essas pessoas. Caso a desapropriação se torne inevitável (a maioria do legislativo municipal a apoia, por exemplo), reivindicar e insistir em que as pessoas sejam indenizadas o suficiente para que sua vida não piore e mesmo melhore. Pode-se usar alguma heurística, como a de pedir sempre o dobro do valor do imóvel e terreno em favor dessas pessoas, exatamente para insistir que elas sejam adequadamente compensadas, e não enxotadas repentinamente como costuma ocorrer.
2) Defender que as licenças para trabalhadores ambulantes se tornem mais seguras, e protestando contra qualquer revogação municipal repentina dessas licenças. (lembre que as licenças são precárias, e podem ser revogadas a qualquer tempo, na situação atual) Lutar em favor de projetos que deem mais direitos e mais segurança jurídica aos trabalhadores ambulantes de exercerem seu trabalho em paz, e para proibir o confisco arbitrário pela polícia de suas mercadorias. Cobrar que todas as denúncias de confisco do investimento desses empreendedores, que em muito promovem o comércio e facilitam a vida de inúmeras pessoas em nossas cidades, sejam investigadas adequadamente, e que haja indenizações adequadas.
3) Votar em projetos de lei que estimulem/facilitem o empreendedorismo, por exemplo, possibilitando isenções de impostos (dentro do âmbito municipal ou estadual) para pequenas e médias empresas durante o período inicial de sua instalação e execução (digamos, os 6 primeiros meses). Ter uma economia mais livre estadualmente e municipalmente, com mais empreendedores fazendo frente inclusive aos interesses de empresas grandes já estabelecidas (e por vezes favorecidas por políticas estaduais de incentivo à indústria), é essencial.
4) Não apoiar “políticas industriais” onde o estado concede incentivos fiscais para empresas específicas selecionadas, geralmente grandes corporações. As isenções devem abranger sempre todas as empresas que se dediquem ao setor, devendo-se denunciar e protestar sempre em discursos e votações contra a manipulação da política para favorecer empresários específicos em conluio com políticos ou burocratas.
5) Lutar em favor de uma política de urbanização das favelas e de moradias irregulares nas grandes cidades. O objetivo sempre deve ser o de integrar, cedo ou tarde, as favelas e moradias irregulares à infraestrutura urbana básica, e deve-se promover o diálogo e informação com os moradores locais sobre como se procederão às obras. Um foco deve ser o saneamento básico, que pode em muito contribuir para melhorar a saúde da população que mora nessas áreas.
6) Promover ações e políticas em favor da regularização fundiária urbana, onde pessoas que moram em lugares antes desocupados devem ter sua posse resguardada e sua propriedade reconhecida. Propor também que mesmo áreas pertencentes ao Estado possam ser adquiridas dessa forma por pessoas de baixa renda, independente da inconstitucionalidade potencial desse tipo de proposta. Tentar achar um meio de burlar essa inconstitucionalidade de reconhecer a posse dessas pessoas, digamos, criando alguma figura jurídica que permita o pagamento de um aluguel simbólico pelo morador ao município ou estado, e oferecendo em contrapartida esse reconhecimento da posse da pessoa pelo município ou estado. Enfim, pensar em alguma coisa criativa em termos jurídicos-políticos que, ao menos, dificulte/postergue a expropriação dessas pessoas.
7) Promover ações e políticas em favor da regularização fundiária rural, inclusive para demarcação de territórios indígenas, quilombolas e de reserva extrativista, e apoiar ações firmes contra a grilagem. Defender a prioridade (em geral) da devolução de áreas originalmente pertencentes a indígenas, mas promover o diálogo entre indígenas e ocupantes atuais (quando houver), de modo que se faça uma mediação bem-sucedida que permita compor os interesses em jogo. Uma política ambiental levando em conta os incentivos dos atores relevantes, em especial comunidades tradicionais (indígenas, quilombolas, extrativistas) que podem bem gerir seus “comuns” conforme regras próprias (conforme demonstra o trabalho de Elinor Ostrom), e focada na arbitragem dos interesses em jogo, deve ser promovida. (Aqui é preciso entrar o trabalho de um ramo relativamente negligenciado no Brasil: ambientalismo de mercado)
8) Atacar e lutar pela revogação dos dispositivos dos Planos Diretores municipais que aumentam as distâncias, dificultam os usos mistos (comerciais e residenciais) dos prédios, estimulam o uso exagerado do carro (“cultura do carro”), impedem uma verticalização benéfica (que existe quando há aumento de densidade), complicam a criação de habitações residenciais de baixo custo para pessoas de baixa renda, encarecem os imóveis, intensificam a segregação residencial entre pobres e ricos contribuindo para a higienização social de certas áreas da cidade, etc. Aqui é preciso consultar teorias avançadas de urbanismo, e você necessariamente deve ler e/ou pedir conselhos ao nosso colunista Anthony Ling, que conhece bastante esse assunto (o blog dele é uma fonte muito boa de ideias para fazer esse importante trabalho político).
9) Lutar em favor da modificação do regime atual de concessão do transporte público, e favorecer a livre concorrência entre empresas de transporte coletivo, com livre definição de linhas e de tarifas. Deve-se também defender a legalização do transporte (atualmente) clandestino de vans e micro-ônibus, o qual já contribui para suprir a demanda por transporte que o sistema atual falido dos municípios é incapaz de satisfazer nas grandes cidades. Ou seja, o transporte informal deve ser todo legalizado, mirando-se no modelo descentralizado da cidade de Lima, capital do Peru. Uma boa ideia pode ser também projeto de lei para criação de “direitos de meio-fio”, permitindo que as companhias de ônibus possam construir paradas específicas e evitando a colisão de companhias indo atrás de clientes em uma mesma parada (veja mais detalhes aqui e aqui).
10) Quando o problema da segurança pública for levantado nas votações ou discursos, lembrar sempre que a guerra às drogas e a política repressiva do Estado brasileiro é um fator que intensifica a criminalidade e a violência nos grandes centros urbanos, e que tem levado que cidades brasileiras constem (desnecessariamente) do ranking de cidades mais violentas do mundo. Portanto, sempre a legalização das drogas deve ser mencionada como um passo imprescindível para pensar a segurança pública em nossas cidades.
11) Defender projetos de lei estaduais que eliminem a revista vexatória, uma prática abusiva que tem afetado negativamente pessoas com familiares presos, ao condicionar as visitas à realização de inspeções íntimas. Como alternativa, deve-se adotar a chamada “revista humanizada”, que já é aplicada no estado de Goiás. (Ou seja, é importante olhar para esse exemplo, e defendê-lo em seu respectivo estado)
12) Se posicionar radicalmente contra propostas que visem eliminar a assistência social aos mais carentes e aos trabalhadores de baixa renda (os respectivos do bolsa-família, salário família, etc., caso haja em nível estadual ou municipal, incluindo ajudas de custo para estudantes carentes, merenda escolar em escolas públicas, etc.) sempre que haja subsídios sendo oferecidos pelo município ou estado às grandes empresas e/ou às classes rica e média. Defender que referida assistência social, atualmente, é a melhor forma de reduzir os danos causados por uma carga tributária abusiva e por uma legislação que dificulta a criação de mais prosperidade para as pessoas mais humildes, além de ser uma medida interessante para prover um mínimo de renda e um acesso a oportunidade básica para pessoas muito carentes.
13) Quando há programas de gasto social com pessoas carentes ou trabalhadores de baixa renda no município ou estado, defender que tais programas devem ser remodelados caso sejam paternalistas. Isso significa que devem ser priorizadas transferências diretas de renda, permitindo que a pessoa compre o bem/serviço essencial no mercado fazendo suas próprias escolhas, ao invés de burocracias, políticos ou grandes corporações escolherem por elas.
14) Caso o seu estado ainda não ofereça “carteiras estaduais com nome social”, para transexuais, lutar para que isso seja implementado. A carteira de identidade federal não pode continuar privando os trans de direitos civis fundamentais, notadamente sua autodeterminação da identidade de gênero e privacidade, além de evitar constrangimentos e preconceitos (que essa minoria ainda sofre muito). De fato, deve-se promover ações informativas para conscientizar as pessoas acerca das condições peculiares desta minoria, e valorizar iniciativas da sociedade civil que lutem contra o preconceito e promovam maior inclusão destas pessoas no mercado de trabalho.
15) Promover ações e investigações mais sérias pelas polícias estaduais acerca do tráfico humano, da prostituição forçada e da prostituição infantil no Brasil. É um tema que ainda não sai muito no noticiário, mas que significa grande sofrimento para mulheres, meninas e meninos ao redor do país, que são vítimas desse crime hediondo. A conscientização da sociedade civil também é primordial, devendo-se chamar atenção da população contra esse grave crime de escravidão moderna, que ofende todos os valores mais caros à humanidade.
16) Caso os cartórios do seu estado ainda não realizem casamentos para homossexuais, lutar por projetos de lei que vinculem e/ou incentivem os cartórios a realizar o casamento civil de casais do mesmo sexo. Deve-se valorizar iniciativas da sociedade civil que lutem contra o preconceito.
17) Denunciar como o trabalhador tem sido enganado desde a época de Getúlio Vargas, pela criação de um mito de que o trabalhador depende do governo para melhorar de vida. Conscientizar a população de que o 13º salário nunca aumentou o salário de ninguém, que o FGTS é uma poupança forçada com baixo rendimento que serve apenas para o governo gastar e para o trabalhador perder dinheiro, que as estruturas sindicais atuais são monopolistas e obrigam injustamente mesmo os não sindicalizados a pagarem um tributo em seu favor, etc. É preciso chamar a atenção dos trabalhadores para a importância da liberdade sindical (e da negociação coletiva correlata), que desde Vargas tem sido negada aos trabalhadores brasileiros, e do desenvolvimento econômico como forma de melhorar os padrões de trabalho e vida dos trabalhadores. (Ok, sei que esse tema é complicado de ser abordado a nível municipal ou estadual, mas é importante tentar abordá-lo sempre que possível, mostrando como o trabalhador brasileiro tem sido o principal prejudicado por nossa legislação trabalhista atual)
18) Propor ações e políticas a nível municipal e estadual que facilitem a criação de “cooperativas sociais“, que são associações de ajuda mútua que poderiam realocar importantes serviços sociais que hoje são muito concentradas no governo, no que diz respeito ao atendimento da maior parte da população.
19) Denunciar a fraca autonomia municipal e estadual para definir seus próprios assuntos, e conscientizar a população de que o governo federal tem roubado às pessoas o poder de vigiar um governo muito mais próximo delas.
20) Defender sempre a exoneração de impostos municipais e estaduais para alimentos, medicamentos, material escolar e outros itens de primeira necessidade ou importantes à instrução de crianças e jovens. Denunciar como a carga tributária excessiva brasileira é regressiva, penalizando as pessoas mais carentes e os trabalhadores de menor remuneração.
Quando haverá representantes desse tipo em nossa política municipal e estadual?