A pergunta inicial deste texto pode soar estranha para pessoas que estão acostumadas a ver a esquerda como a negação do liberalismo, como se pudéssemos classificar a esquerda como a representante do estatismo e a direita como uma espécie de defensora da liberdade. O liberalismo no Brasil tem sido muito mais associado pelo público geral com a “direita política”, apesar dos governos da direita nem sempre implementarem políticas liberais, como evidenciou a ditadura militar.. Depois de 12 anos de PT na presidência, o liberalismo brasileiro tornou-se um porto seguro para os anti-petistas. É extremamente comum vermos defesas apaixonadas de uma fusão conservadora-liberal contra a “maldição petralha” no governo.

O jogo político, entretanto, é muito mais complexo do que uma guerra de ideologias. Como os economistas gostam de enfatizar, incentivos são mais importantes do que intenções. Neste texto eu gostaria de tentar desmitificar o ingênuo “anti-petralhismo” que inunda os círculos liberais e defender uma tese um pouco ousada: o liberalismo tem mais chance de vingar no Brasil através dos partidos de esquerda.

Para defender isto, vamos voltar aos Estados Unidos em 1972. Neste ano, o presidente republicano Richard Nixon viajou até a China para se encontrar com o líder comunista Mao Zedong, reatando em plena Guerra Fria as relações entre os dois países.  No contexto de anticomunismo radical que os EUA se encontravam neste período, somente um presidente republicano como Nixon poderia ter apoio da sociedade para tal aproximação; se tal viagem fosse feita por um da esquerda “liberal” (no sentido americano), como um Barack Obama da década de 70, provavelmente a sociedade reprovaria de forma radical e taxaria a viagem como uma guinada ao comunismo. Mas Nixon era um republicano conservador, e ele só podia estar defendendo os interesses do capitalismo ao reatar os laços diplomáticos com a China.

A viagem de Nixon à China ficou gravada como uma metáfora que representa como uma política controversa pode ser mais bem implementada pelo lado do espectro político que teoricamente reprovaria a política. Por exemplo, na crise recente nos Estados Unidos, a sociedade não reprovou quando George W. Bush estatizou diversos bancos como forma de impedir uma bancarrota generalizada. Ninguém ousaria dizer que Bush estaria criando uma América Comunista, ao contrário de quando Obama tentou realizar as mesmas políticas. Da mesma forma, os esforços bélicos realizados na administração Obama não foram vistos pela sociedade americana e global como invasões imperialistas. “Obama é um liberal pacifista”, diz o senso comum, “se ele está invadindo algum país, é porque ele tinha mesmo que fazer isso”.

Onde quero chegar com essa história? A opinião popular brasileira não é pró-liberal – acusar seu adversário de privatizador e neoliberal costuma ser uma estratégia boa para queimar a oposição durante as eleições. Vimos recentemente o candidato supostamente pró-privatização Aécio Neves defender a “reestatização da Petrobrás”, seja lá o que isso significa, para ganhar apoio popular. Os grupos de interesse como sindicatos, associações do comércio e da indústria são menos liberais ainda. Dentro desta restrição institucional brasileira, acredito que o efeito “Nixon vai à China” pode ser significativo, e que reformas liberais podem ser mais factíveis em um governo de esquerda do que em um governo de direita.

Mas por que um partido de esquerda faria reformas liberais? Porque como eu disse inicialmente, incentivos são mais importantes que intenções. Acredite, o governo do PT está mais preocupado em se reeleger na próxima eleição do que implantar uma agenda secreta de dominação comunista do Foro de São Paulo. Um bom incentivo para a reeleição de um partido é que a economia esteja funcionando, e se, como liberais, acreditamos que as políticas que defendemos são as corretas, logo a melhor forma de manter uma economia funcionando é através de políticas liberais. Mesmo com Guido Mantega, um heterodoxo das antigas, no ministério da Fazenda, o governo está enfrentando a inflação com o aumento da taxa de juros e com cortes fiscais. Na Nova Zelândia, o Rogernomics, a versão local do Reagonomics, foi feita pelo ministro Roger Douglas no governo do Labour Party, isto é, o PT neozelandês. É claro que para este tipo de mecanismo funcionar, é necessário no mínimo instituições democráticas eficientes, o que não acontece na Venezuela, por exemplo.

Não entenda errado o meu ponto, não estou defendendo que os liberais votem na Dilma na próxima eleição. A intenção aqui é acabar com a ingenuidade de que posições ideológicas são causas fundamentais para a tomada de decisões em políticas públicas, e que decisões políticas são muito mais complexas do que conspirações feitas pelo Foro de São Paulo. A cruzada quixotesca contra o petismo que supostamente deveria unir conservadores e liberais deve ser evitada. É um pouco clichê repetir aquilo que Hayek e Mises já insistiam, mas a briga dos liberais deve ser no campo das ideias, e não no campo político.

 

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