Trabalho como analista econômico. No meu dia-a-dia, minhas planilhas estão cheias de agregados correspondentes a gastos do governo, das famílias, investimento das empresas, importações e exportações. Nesse universo matemático, é fácil se esquecer que a economia não é formada por números, mas por pessoas.
Não somente pessoas que vivem hoje, mas também pessoas que ainda estão por nascer. As decisões políticas sobre a economia têm implicações sobre as gerações futuras. Mas esse debate – o encontro entre economia política e justiça intergeracional – passa distante da maioria dos tomadores de decisão e macroeconomistas.
Para se entender a relação entre os gastos das gerações presente e futuras, é necessário reconhecer que o governo não cria riqueza por si só – o que ele faz é transferir a riqueza no tempo e no espaço. O governo pode transferir dinheiro do Marcos para a Fernanda, mas para que essa transferência ocorra, alguém necessariamente vai ter que ter gerado essa riqueza previamente.
Do mesmo modo, quando nós, através do governo, gastamos mais do que arrecadamos com nossos impostos, nós estamos transferindo renda de outras gerações para a gente. Esse gasto adicional – o “déficit”, em economês – vai ser financiado através de um aumento da dívida pública. E essa dívida vai ter de ser saldada no futuro.
Imagine que você tenha feito um crediário nas Casas Bahia para comprar uma televisão. Sem o crediário, você não teria como comprar a televisão. O crediário, portanto, aumenta o seu bem estar presente. Mas você vai precisar economizar para pagar as prestações do seu crediário, o que significa que sua renda disponível para gastos futuros vai ser menor. Com isso, você vai estar sacrificando seu bem estar futuro para aumentar seu bem estar presente.
O mesmo é verdade para a dívida pública. Nós estamos aumentando nosso bem estar presente, mas para isso vamos sacrificar o bem estar das próximas gerações. Para lidar com a nossa dívida, os nossos filhos e netos vão ter três opções:
Em todos os casos, o comentário inicial se mantém: toda vez que nós financiamos nosso consumo com emissão de dívida, nós estamos transferindo bem estar das gerações futuras para a nossa geração. Tendo isso em mente, eu proponho três regras, moderadas e aplicáveis no mundo real, para que adaptemos a dívida pública ao princípio de justiça intergeracional:
Os debates sobre o orçamento público precisam ir além da tradicional disputa sobre ajustes e multiplicadores fiscais. Cada escolha sobre o gasto público deve envolver uma reflexão sobre justiça intergeracional, que discuta se é justo – ou não – deixar uma conta para ser paga por quem não nasceu. Quanto mais pouparmos e investirmos, melhor nossos filhos e netos vão viver. Quanto mais nos endividarmos, maior será o esforço que eles terão de fazer para subsidiar nosso bem estar.
Precisamos perguntar: é justo que nós endividemos as gerações futuras? No mínimo, isso deveria fazer com que nós passássemos a ser mais cautelosos ao discutir a dívida e os déficits públicos.